Este conteúdo é Reservado a Assinantes
No que se refere à utilização agrária do solo, está generalizada e aceite a ideia que, no nosso concelho e noutros em torno de Lisboa, predominavam as hortas, mas isso só se torna realidade nos finais do século XIX, princípios do século XX.
Segundo estudos de um economista alemão, Johann Heinrich Von Thunen, a utilização do solo em volta das grandes cidades e os tipos de culturas faziam-se em anéis concêntricos. Partindo do centro para a periferia, no primeiro anel praticava-se horticultura e criava-se gado leiteiro; o segundo anel destinava-se à silvicultura, pois o mato e a lenha eram o único combustível e, por isso, um bem de consumo de primeira necessidade; no terceiro anel praticava-se uma agricultura intensiva, num sistema rotativo; no quarto anel, fazia-se agricultura de pousio e, seguidamente, no quinto anel, agricultura de afolhamento trienal; finalmente, no sexto anel, criavam gado em regime pastoril.
Perante esta conclusão de Von Thunen, a Dr.ª Maria José Lagos Trindade e o Doutor Jorge Gaspar, quiseram saber se se confirmava no caso do nosso país, situando-se no século XIII e tendo como cidades referência, Lisboa e Sintra. Na sua investigação verificaram “uma nítida regularidade na utilização do espaço agrícola em torno da cidade de Lisboa.” Assim, as hortas situavam-se no perímetro da cidade, nos terrenos onde veio a construir-se a Cerca Fernandina ou por ali próximo. E, supostamente, os verdes produzidos nestas hortas, eram suficientes, na altura, para abastecer Lisboa.
Seguiam-se-lhe as vinhas e olivais, tendo ganho muita fama o vinho do termo.
Para lá das vinhas e dos olivais, encontram-se referências a casais, herdades e granjas, que eram unidades agrícolas onde era necessário produzir para consumo próprio e para o mercado. Os bens destinados ao mercado, tinham sido seleccionados, pois como eram produzidos a uma distância, já considerável, de Lisboa, nem todas as espécies serviam. Só as não perecíveis se destinavam ao mercado da capital e essas seriam, certamente, “ os cereais e os derivados da criação de gado : carne, queijo e, talvez manteiga,” na autorizada opinião dos referidos investigadores.
Isto tinha uma justificação – as hortaliças e o leite tinham de se produzir próximo do consumidor, porque são bens facilmente deterioráveis; não podiam vir de longe, pelo tempo que demoravam a chegar.
Também o facto de a silvicultura não vir mencionada no segundo anel, tem uma explicação – é que toda a lenha consumida em Lisboa vinha da margem Sul, de barco, pelo que podemos dar outra ocupação ao segundo anel.
No mapa que estes autores traçaram, o concelho de Odivelas fica no terceiro anel, definido como território de casais, granjas e herdades e os produtos que vendíamos a Lisboa não eram as hortaliças mas sim o pão, a carne e o queijo, o vinho e o azeite.
Só com o aumento demográfico se foi dando a mudança, porque a necessidade de habitações exercia grande pressão sobre os solos da periferia da cidade, onde ficavam as hortas, que acabaram por ser empurradas para o segundo anel, passando as vinhas e os olivais para o terceiro e assim sucessivamente. Antes de as hortas cá chegarem, já cá tinham tomado assento herdades, casais e granjas, e só no tempo dos nossos avós, quando a construção urbana, em Lisboa, cresceu para os planaltos setentrionais, se instalaram, aqui, as hortas de que se conservam tantas memórias. Nos livros de registo de propriedade desses casais, granjas e herdades, não encontramos o termo “horta” mas sim o termo “quintal”. Parece-me, salvo melhor explicação, que o quintal era parte integrante de cada uma dessas propriedades e designava o local onde se cultivavam os produtos para auto-consumo. Além dos quintais, aparecem também referidas “ vinhas, olivais, pomares e terras de semeadura”.
Mas esta evolução não é assim tão simplista e radical. As mudanças não se verificavam em todos os lugares nem ao mesmo tempo. A vinha podia permanecer ao lado de uma pastagem ou de uma seara e as herdades e casais tinham, além das culturas em sistema rotativo ou até de pousio, vinhas, pomares e olivais. A utilização do solo seguia, tendencialmente, aquela evolução.
O meu objectivo é apenas chamar à atenção para o facto de a realidade estar muito para lá das nossas memórias e termos a noção que nem sempre abastecemos Lisboa dos mesmos produtos. Os nossos tetravós ou os nossos bisavós, não fizeram os mesmos trabalhos que os nossos avós e pais. As nossas memórias vão até ao tempo das hortas, mas as gerações mais recuadas, cultivaram o vinho e o azeite, criaram gado e lavraram, porque no seu tempo, eram esses trabalhos que lhes davam rendimentos.
Maria Máxima Vaz
________
Proibida a reprodução total ou parcial dos conteúdos apresentados, sem licença do autor.