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Para falar da Freguesia da Ramada, devo iniciar obrigatoriamente pelo seu antigo Presidente, sr. Ilídio Ferreira, que foi quem disponibilizou todos os meios tendo pessoalmente me conduzido à estação arqueológica no topo da Serra da Amoreira, no actual Concelho de Odivelas, e que desde há muito era foco das atenções dos estudiosos do assunto, nas áreas histórica, arqueológica, paleontológica e antropológica.
Com essa finalidade, publiquei este estudo pela primeira vez na Revista Loures Magazine, Ano VI – N.º 21 – Janeiro/Março de 1994, precisamente com o título O Castro da Amoreira.
A Serra da Amoreira ou Monte da Bica – que não existe, visto ser um topónimo inventado para efeitos de geodesia; o marco trigonométrico BICA tomou, como é costume, o nome da povoação mais próxima, neste caso, a Ponte da Bica – tem merecido várias referências pelos especialistas da área, atendendo ao seu especial relevo e constituição geológica de complexidade basáltica.
Entre 1910 e 1912, o professor de Medicina, e também arqueólogo, Joaquim Fontes, descobriu a estação proto-histórica da Serra da Amoreira e aí recolheu materiais que atribuiu ao período do Paleolítico Inferior (Mustierense). E entre 1912 e 1915, o professor de História de Arte, igualmente arqueólogo, Vergílio Correia, também fez investigações no local, tendo recolhido novas peças desse mesmo período, as quais estão mencionadas em O Arqueólogo Português 17, pág. 61, Lisboa, 1912, no estudo do autor portando o título: O Paleolítico em Portugal. Estado actual do seu estudo.
Por sua vez, o geólogo e arqueólogo O. da Veiga Ferreira, que participou nas escavações na diáclase de Salemas e na gruta do Correio-Mor, vem a ser o único a referir a descoberta dum fragmento de cerâmica tipo “campaniforme” (Época do Cobre) na Serra da Amoreira, em condições e datas que se desconhecem (in Guia Descritivo da Sala de Arqueologia. Museu dos Serviços Geológicos de Portugal, pág. 21, Lisboa, 1982).
Em Janeiro de 1983, um estudante de nome Carlos Valverde, morador em Odivelas, quando recolhia terra negra para vasos com flores junto ao depósito de água no topo da Serra da Amoreira, ocasionalmente desenterrou um machado de pedra polida. Deu notícia deste achado ao seu professor de História a quem mostrou a peça, assim como aos alunos presentes. Entre estes contava-se Ana Paula Rodrigues da Silva
(funcionária da Câmara Municipal de Loures), que informou ao seu conhecido dr. João Ludgero da descoberta.
Assim, houve motivo para uma breve exploração do local, realizada em Julho de 1985, pelos referidos dr. João Ludgero, Ana Paula da Silva, Carlos Valverde e o motorista sr. Armando. Recolheram-se então vários fragmentos de cerâmica de fabrico manual, na mesma cova onde fora achado o machado.
Aquando da inauguração do Museu Municipal de Loures, em 28 de Dezembro de 1985, o sr. José Lino Valverde, pai do supradito estudante Carlos Valverde, cedeu a título de empréstimo o referido machado para ser exposto no sector de Arqueologia, o que foi feito. Em Fevereiro de 1986 retirou-o do Museu, só restando a sua memória numa fotografia a preto e branco.
Em 20 de Abril de 1986, o professor Gustavo Marques (a quem muitíssimo se deve a divulgação desta estação arqueológica), acompanhado pelos dr. Renato Monteiro, Pedro M. Pereira e João Marques, fizeram outra prospecção no local e recolheram mais cerâmicas do mesmo tipo, além de resíduos de fabrico de instrumentos de sílex. Na ocasião foram observados muros envolventes – possíveis restos de muralhas.
Estudando o espólio recolhido pelo dr. João Ludgero e por si mesmo, Gustavo Marques concluiu estar perante mais uma estação da Cultura de Alpiarça (Época do Ferro inicial), sobre a qual já escrevera dois importantes trabalhos: Arqueologia de Alpiarça. As Estações Representadas no Museu do Instituto de Antropologia do Porto. Porto, 1972. E Aspectos da Proto-História do Território Português. I – Definição e Distribuição Geográfica da Cultura de Alpiarça (Idade do Ferro). Porto, 1974.
Em 1987 e na mesma linha, Gustavo Marques escreverá um novo trabalho, desta feita precisa e exclusivamente dedicado à Serra da Amoreira: Aspectos da Proto-História do Território Português. III – Castelo da Amoreira (Odivelas, Loures). Nele expõe um breve catálogo do material recolhido na supradita estação, desde o Paleolítico, passando o Neolítico até à Alpiarça ou do Ferro, ilustrado com gravuras das peças recolhidas.
Face a tantas provas cabais, inegáveis, nos meados de 1993 o Presidente da Junta de Freguesia da Ramada, Ilídio Ferreira, intercedeu junto do IPPAR (Instituto Português do Património Arqueológico e Arquitectónico), ex-IPPC, solicitando uma equipa de arqueólogos capacitados a avaliar da importância da estação. Durante várias semanas ela esteve aí, escavando e peneirando o solo, tendo descoberto vários fragmentos de cerâmica tipo alpiarça.
Nessa ocasião, foi posta em dúvida a antiguidade dos amuralhamentos e que fosse um castelo, antes e talvez, quanto muito, um acampamento. Concordo parcialmente.
A datação atribuída à Cultura Alpiarça ou do início da Idade do Ferro, ronda a passagem do século IV para o V a.C., sendo este último o período da principal ocupação da Amoreira pelos primitivos Lusitanos da Estremadura, os Alpiarças, assim chamados por mero convencionalismo antropológico, os quais na vasta região saloia repartiram-se em diversos ramos, como esse dos Galérios que habitaram a região limítrofe de Sintra, Negrais e Lousa.
Por esse motivo é que se deduz ser do século V a.C. (Época do Ferro) a data de origem dos restos do pressuposto castro amoreirense, cujas muralhas serão dessa altura. Eu mesmo dei com o trecho de uma muralha em muitíssimo bom estado no meio do mato, e no morro próximo, ombreando com a Serra da Amoreira, com o resto de uma calçada típica desse período, em excelente condição, além do que pressupus serem restos de habitações. Tudo, repito, sugerindo ser da mesma época, atestando pelos materiais e disposição envolventes.
Um acampamento acastelado, porque amuralhado, para mim terá sido esta estação durante largo tempo, uma magnífica atalaia senhoriando, vigiando e protegendo a população agrária sediada em Casais, neste Concelho. Quando havia o perigo eminente dos ataques de tribos inimigas, certamente o “castelo alpiarça” servia de refúgio seguro para os modestos casais, de cuja presença proto-histórica foram encontrados inúmeros vestígios intra-muralhas.
A importância do local ressalta da esplêndida descrição do Padre Luís Cardoso, de que transcrevo breve excerto quanto à sua situação geográfica (in Diccionario Geografico… 1, págs. 457-458. Lisboa, 1747):
AMOREIRA. Serra na Provincia da Estremadura, Termo da Cidade de Lisboa, limites da Freguesia de Odivellas: no cume faz seu plano, ou coroa, que de Norte a Sul tem trezentos palmos, e do Nascente a Poente seiscentos. Vai descendo em ladeiras, que em circumferencia terá três quartos de legua. Tem este cabeço, e toda a mais serra muita pedra negra de alvenaria; e naõ produz outro mato, ou plantas mais que fétos. Nas suas ladeiras para a parte do Norte se tiraõ pedrarias finas de excelente qualidade, como as que se tiraõ do Lugar de Trigache, aonde daremos mais especifica noticia dellas. Dahi principia o rife das pedreiras da Paradella, pertencentes à Freguesia de Loures, e vay findar junto ao Casal da quinta da Pipa da mesma Freguesia.
Igualmente Raúl Proença (in Guia de Portugal, I, pág. 469, Lisboa, 1924) alude ao deslumbrante panorama estratégico da Serra da Amoreira, com cujo pressuposto fortificado alpiarça há semelhantes indesmentíveis em Lisboa (Castelo), St.ª Eufêmia (Sintra), Socorro (Torres Vedras) e em Pena do Barro (Torres Vedras).
Com a cultura Alpiarça nasce a arte do Ferro – a metalurgia. O fogo torna-se o elemento central da vida social: os alimentos passam a ser assados e a cozer-se as peças de barro, dando-lhes robustez antes desconhecida. Desenvolve-se a cultura pictórica e arquitectónica, os primeiros indícios de religiosidade ordenada pelo culto astrolátrico, o respeito à família e ao clã, a devoção aos antepassados e aos mortos, dando a estes sepultura.
Será José Leite de Vasconcelos o primeiro a apontar as sepulturas de Alpiarça, no Ribatejo, e a chamar ao Lusitano estremenho Alpiarça, o proto-histórico homem do campo simultaneamente religioso e artista, criador dos bem conhecidos vasos campaniformes ou caliciformes, lembrando enormes tulipas, belamente ornados de desenhos geométricos (in Antigos Povos da Nossa Terra, por António Carlos Leal da Silva pág. 39, Lisboa, 1967).
O próprio termo alpiarça, proveniente do ligure-ibérico alaba, “Grande Mãe “, indicia quer o nascituro culto telúrico à Magna Mater através da Lua, quer, afinal, o desenvolvimento da agricultura por meio de ferramentas de ferro, e cuja implosão maior terá sido nesta região saloia onde ainda hoje é a sua principal actividade, recolhendo-se da “Grande Mãe” Terra – a Divina Alpiarça – quanto nela se semeia e quanto dela se colhe, para usufruto das suas humanas criaturas.
Alpiarça é, pois, o povo consagrado àquele divino luzeiro nocturno, Alaba, fiel companheira do Astro-Rei, Alabo, dador do Fogo Vital que, na Ramada, irá encontrar o seu expoente na arte dos soldadores metalúrgicos, cujos instrumentos figuram, aliás, no seu mais que digníssimo Brasão autárquico enobrecendo, a par do “Castelo” da Amoreira, esta alpiarcíssima Freguesia.
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