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No meu último artigo trouxe ao conhecimento público a Infanta D. Filipa de Lencastre, sepultada na sacristia da igreja do Mosteiro de S. Dinis e S. Bernardo, em Odivelas.
Mas o que eu disse é muito pouco, tendo em conta o grande mérito e valor desta Infanta. Tenho partido do princípio que todos os leitores sabem quem foram as figuras que nomeio e conhecem os acontecimentos a que me refiro, mas não estou certa que seja realmente assim. Para que todos compreendam, tento hoje completar com mais pormenores, quem era esta Infanta e quem era seu pai.
Os três filhos mais velhos do Rei D. João I e da Rainha D. Filipa de Lencastre foram chamados de “Ínclita Geração” por Luís de Camões. O mais velho foi o rei D. Duarte, que faleceu muito novo, deixando um filho ainda criança, que veio a ser o Rei D. Afonso V.
O segundo foi o Infante D. Pedro, culto, inteligente e viajado, com dotes políticos e capacidades governativas comprovadas pelas acertadas medidas que tomou quando teve a seu cargo o governo de Portugal. Como o seu sobrinho não podia governar por não ter idade para isso, foi ele escolhido para Regente do Reino até à maioridade de D. Afonso V.
Tal como hoje, as medidas que eram boas para uns, eram prejudiciais para outros. D. Pedro tomou medidas importantes para o progresso do País, favoráveis à generalidade da população, mas que cerceavam muitas prerrogativas e interesses da nobreza, que lhe manifestou sempre a sua hostilidade.
Quando o rei chegou à maioridade e começou a governar inverteu a orientação governativa do seu tio D. Pedro, porque foi muito pressionado pelos nobres e era um jovem influenciável, defeito que cresceu com ele e só terminou com a sua morte. As intrigas palacianas levaram-no a perseguir o tio e a sua família próxima, assim como os amigos desta. A ponto de se travar a batalha de Alfarrobeira entre os apoiantes de Rei e do Infante D. Pedro, tendo este perdido ali a vida. A ambição da maior parte da nobreza foi o motor deste desfecho.
Depois desta tragédia, a família continuou perseguida pela nobreza e procurou protecção onde ela era mais segura.
Esta foi a razão pela qual veio para Odivelas este filha de D. Pedro.
Dela nos falam, com a maior admiração, os cronistas dizendo:
“Esta notável Senhora D. Filipa de Lencastre, cuja nobreza e virtudes eram igualadas pela erudição, foi grande conhecedora da língua latina e doutras muitas, e versadíssima na lição da Bíblia e dos Santos Padres (…)
Destinada, por seu alto nascimento e por sua singular ilustração, a ocupar uma posição brilhante no mundo, os desastres da sua família produziram-lhe tão grande desgosto, que começou a afastar-se do bulício da corte e acabou por vir abrigar-se das tempestades sociais na solidão dum convento (…). Em Odivelas entregou-se aos trabalhos literários, traduzindo do francês para português o livro dos Evangelhos, “Meditações sobre a Paixão”, e “Homilias para todo o ano”.
O livro dos Evangelhos foi ilustrado pela sua mão. Dedicou-o à Abadessa e às religiosas do mosteiro de Odivelas. Por extinção deste, foi levado para S. Vicente de Fora por determinação do Patriarcado, “por ser objecto de culto”. Mas o trabalho mais famoso de D. Filipa foi o “Conselho e voto sobre as Terçarias e guerras com Castela”, que é uma opinião pedida por D. João II, relativamente ao seguinte:
O príncipe D. Afonso, filho do nosso rei e a princesa D. Isabel, filha dos reis de Espanha e por comum acordo de seus pais, foram entregues, como garantia de um tratado de paz, à guarda de uma família nobre de Moura, com proibição de visitas de familiares. Com o tempo, D. João II começou a duvidar se deveria manter esta situação do príncipe e pediu conselho a várias individualidades, sendo uma delas a sua tia D. Filipa de Lencastre. A resposta escrita está publicada e comprova “a sabedoria” da sua autora. Diz que não será bom para o príncipe ser criado por quem não o prepara para vir a ser rei. Que ali onde o retêem, não tem que dar e que seria bom que aprendesse a dar; que devia ser tirado dali, porque o que se aprende na meninice fica por hábito de vida; que é preciso ensiná-lo a ser bom homem para vir a ser bom rei, que não falte ao prometido e aos “tratos” e a não “temer” tomar decisões.
Quando a princesa Santa Joana quis fazer os votos da vida de clausura, o povo opôs-se. D. Filipa foi da mesma opinião e justificou: precisávamos de garantir sucessores ao trono, para não corrermos o risco de vir a perder a nossa independência, e D. Joana era a única irmã de D. João II, que só tinha um filho. A História veio a dar-lhe razão.
Apesar de afastada da corte, não se alheava das questões políticas e encarava as soluções, como seu pai sempre fez.
Quando a Princesa Santa Joana adoeceu gravemente em Aveiro, esta sua tia D. Filipa, já idosa, não hesitou, pôs-se a caminho e ficou junto dela até ao fim, dando-lhe todo o amparo. Lembro que a mãe de D. João II e da princesa Santa Joana faleceu jovem, suspeitando-se que foi envenenada pelos nobres inimigos de seu pai, o infante D. Pedro.
Mas a grande recompensa para D. Filipa, foi assistir à governação do sobrinho e ver que D. João II seguiu a política do avô, o infante D. Pedro, queixando-se da liberalidade de seu pai D. Afonso V para com a nobreza.
Diz-se que ao subir ao trono exclamou: “ O meu pai deixou-me apenas as estradas do reino para eu passear”.
Maria Máxima Vaz
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