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    Um Miradouro com largos horizontes – O Castro da Amoreira

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    Do cimo da “serra da Amoreira”, a vista panorâmica é magnífica. O concelho de Odivelas dispõe de locais suficientes para se permitir pensar num equipamento turístico barato: um percurso de miradouros, sendo o principal o alto da Amoreira, que, ao interesse paisagístico, junta o interesse histórico – foi um castro dos inícios da Idade do Ferro.
    Em abono do que afirmo, trago ao conhecimento dos leitores as opiniões e o saber daqueles que são as nossas fontes de conhecimento.
    Começarei por um extracto da Corografia Portuguesa do Padre Luís Cardoso:

    “AMOREIRA. Serra na Província da Estremadura, Termo de Lisboa, limites da Freguesia de Odivelas: no cume faz seu plano ou coroa, que de Norte a Sul tem trezentos palmos, e de Nascente a Poente seiscentos. Vai descendo em ladeiras, que em circunferência terá três quartos de Légua. Tem este cabeço, e toda a mais serra muita pedra negra de alvenaria não produz outro mato, ou plantas mais que fetos. Nas suas ladeiras para a parte do Norte se tiram pedrarias finas de excelente qualidade, como as que se tiram do lugar de Trigache, aonde daremos mais específica notícia delas. Daí principia o rife das pedrarias da Paradela, pertencentes à freguesia de Loures, e vai findar
    junto ao Casal da quinta da Pipa da mesma freguesia.
    Do alto deste monte se descobrem para a parte do Poente o convento de Nossa Senhora da Pena de Monges de S. Jerónimo, e a maior parte da serra de Sintra, e o mar largo adiante da mesma serra, e parte do seu Termo, e o da Vila de Cascais até Nossa Senhora do Cabo, e por todas as partes todo o Termo da cidade de Lisboa, e para a parte do Sul quase todo o rio da mesma cidade, e todas as povoações e oiteiros da banda dalém do Tejo, Cacilhas, e todos os mais lugares circunvizinhos, e tudo o mais que a vista pode alcançar até Azeitão, Sesimbra, Palmela e Setúbal. Vê-se também do mesmo cabeço o castelo da cidade de Lisboa, o convento de Nossa Senhora da Graça dos religiosos de Santo Agostinho da mesma cidade, as torres do Real Convento de S. Vicente de Fora, a igreja de Nossa Senhora do Monte, o convento de Nossa Senhora da Penha de França, Trindade, S. Roque, S. Pedro de Alcântara, e parte da mesma cidade; como também o Campo Grande, o Campo Pequeno, Lumiar, Paço do Lumiar, Carnide, Convento de S. João da Cruz de Carmelitas descalços, todo o lugar de Odivelas e a maior parte da sua freguesia.
    Para a parte do Nascente descobre uma boa porção da freguesia de Loures, toda a estrada da Cabeça de Montachique, todo o lugar de Frielas, com o seu braço de mar, e marinhas de sal, o lugar de Santo António do Tojal, Via-Longa, e seus olivais, Alverca e Vila Franca, e vários montes do Termo de Torres Vedras. E a parte do Norte descobre o lugar de Caneças, o monte da serra de Montemor, que lhe fica mais levantado, a ermida de Nossa Senhora da Saúde, que fica no alto deste monte, e todo o lugar de Montemor, tudo pertencente à freguesia de Loures.
    Não tem esta serra povoação alguma, mais que o pequeno lugar da Amoreira, que da serra toma o nome, e lhe fica para o Norte”.
    Reconheçam que é um desafio à nossa curiosidade. Quem ficará indiferente? Quem não sentirá o apelo de uma visita ao local? Por mim, não vejo a hora de lá ir, para contar todos os sítios que dali ainda (?) se avistam.
    É uma descrição exemplar, que nos prende da primeira à última linha, e que nos pesa ver terminada. A abundância de informações, a linguagem do tempo em que cada palavra é o termo mais expressivo, fazem deste texto uma obra prima que nos leva a percorrer todo o horizonte que dali se alcança.
    É um trabalho exaustivo, cujo registo é produto da observação do autor e no qual podemos confiar.
    Das muitas informações destaco, pelo interesse que tem para nós, que dali se podia avistar “ Frielas, com o seu braço de mar e marinhas de sal”, o que vem confirmar a existência dos esteiros na várzea, pelo menos até ao século XVIII, uma vez que este trabalho foi editado em 1747.
    Registo ainda a afirmação que também se avista Vialonga “e seus olivais”, o que vem ao encontro da tese de Von Thunen, confirmada, no caso português, pelo estudo dos Professores Jorge Gaspar e Maria José Lagos Trindade, que já trouxe ao conhecimento dos leitores em artigos aqui publicados.
    Cada vez fica mais claro, para mim, que o que possibilitava a navegação nesta várzea eram os esteiros, que uns dizem “do Tejo”, outros “do mar”. Tanto faz, o que sabemos é que a água era salgada e que dela obtínhamos o sal, uma das riquezas da várzea.
    Ficamos ainda a saber que “nas suas ladeiras do Norte “ havia pedreiras donde se extraíam pedras de boa qualidade, e que ali principiavam as famosas pedreiras da Paradela.
    Aproveito para lembrar, que foi a estas pedreiras que o frade António dos Santos foi pedir a pedra para construir o monumento do Senhor Roubado e que os cabouqueiros lha cederam gratuitamente .( Mais informo, que a Condessa de S. Tiago lhe deu autorização para se instalar, enquanto durassem as obras, numa das casas que possuía na Quinta da Memória, e cujas casas nobres eram para estadia da família, nos períodos em que aqui permaneciam.
    Contrariamente à tese errada de que este edifício nunca teria sido concluído, e a que ficámos a dever as grades, portas e varandas ferrugentas e janelas inacabadas, estas casas nobres, não só foram concluídas como foram habitadas por muitos anos… as varandas eram de cantaria, a ferrugem não marcava ali presença e todas as janelas foram acabadas).
    E depois deste parêntesis, voltemos à descrição do Padre Luís Cardoso. Parece-nos a nós, que não haverá nada a acrescentar. Mas não será assim aos olhos de um Arqueólogo, que até chega a ver realidades ocultas no subsolo.
    Dêmos a palavra ao Arquitecto Gustavo Marques:
    “ A esta exemplar descrição, unicamente acrescentamos que, do alto, se avistam os “castros” de Lisboa, Santa Eufémia (Sintra), Castelo de Sintra, Monumento do Monge (Sintra), Socorro (Torres Vedras), um conjunto notável de estações arqueológicas da mesma época da última ocupação do Castelo da Amoreira. A coroar a acrópole do monte, e marcando socalcos pela sua encosta, observam-se vultosos alinhamentos concêntricos de grandes pedras negras de basalto, que parecem constituir arruinados panos de muralhas castrejas”.
    A visão do Arqueólogo, fazia aqui falta. A observação e o saber, edificam o conhecimento.
    Proponho aos poderes públicos que vejam da possibilidade de se traçar na serra da Amoreira, “O CAMINHO DOS ARQUEÓLOGOS”, à semelhança do que se fez na cidade de Heidelberg, na Alemanha, com o Caminho dos Filósofos. Parece-me fácil e de custos mínimos e seria um atractivo que nenhuma outra cidade tem e que nós podemos facilmente ter, porque temos a sorte de viver numa terra com História. E já agora, sugiro, às Escolas, que têm aqui nomes muito adequados. O nosso trunfo é a nossa História. É o único recurso que ainda não esgotámos. Não desconsiderem a História e a cultura, contando “estórias” que lhe deformam o rosto. O que valoriza e distingue Odivelas é a sua História.
    O poeta tem inteiramente razão quando diz: “terrível humilhação é a ignorância”!….Eu acrescentarei – que dá cabo de tudo e é pornográfica!!!

    Maria Máxima Vaz

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