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O primeiro proprietário, nosso conhecido, da Quinta de Nossa Senhora do Monte do Carmo, foi D. Gil Vaz Lobo, um dos conjurados que em 1640 restauraram a independência de Portugal e que lutaram pela sua conservação, durante os vinte e oito anos que durou a Guerra da Restauração. Toda a sua vida foi militar, tendo uma brilhante carreira de armas, cujo último posto foi Governador de Armas da Província da Beira, o que o obrigou a fixar residência em Castelo Branco, onde veio a falecer no ano de 1678.
No testamento declarava herdeira universal sua irmã, D. Madalena da Silveira, e deixava uma importância em dinheiro para que mandasse construir uma capela dedicada a Nossa Senhora do Monte do Carmo, numa quinta que possuía em Odivelas, pedindo que os seus restos mortais fossem trasladados de Castelo Branco para essa capela, o que veio a cumprir-se passados dezassete anos.
Tinha uma outra irmã, D. Ana de Moura, freira cisterciense no mosteiro de S. Dinis e S. Bernardo. Esta Senhora, e a sua rival , D. Feliciana de Milão, disputavam a atenção do rei D. Afonso VI, que vinha frequentemente fazer uns “arremedos” de touradas, no largo D. Dinis, certamente em companhia dos habituais vadios e rufias, seus “amigos fiéis”, que não perdiam a ocasião de mais um divertimento, interesse comum e único de suas vidas.
Não escondiam estas duas Senhoras as suas pretensões nem as suas rivalidades, considerando que a escolha e a preferência do rei lhes dava grande prestígio no seu meio.
Usaram a poesia como “arma de combate,” e os seus versos ficaram conhecidos, depois de passarem pelas festas palacianas daquele tempo, fazendo as delícias dos seus frequentadores.
Gil Vaz Lobo era solteiro, mas afirma-se que “D. Luísa Maria Simoa de Moura e Andrade, Abadessa no mosteiro de S. Dinis”, era sua filha. Como essa afirmação não indica a fonte onde obteve a informação e eu não a encontrei até hoje, conservo a dúvida. Que houve em Odivelas uma freira com esse nome, é verdade. Se era filha de Gil Vaz Lobo, não posso afirmar. Quanto a ter sido abadessa, confirma-se nos livros do cartório do mosteiro, mas não desempenhou esse cargo vitaliciamente, como a afirmação parece admitir, porque a partir do século XVI, o cargo de Abadessa deixou de ser de nomeação vitalícia, passando a ser de eleição, com mandato de três anos. Findo o mandato, só passados seis anos poderia haver nova candidatura da mesma Senhora. Como ela viveu nos finais do século XVII e princípios do XVIII, exerceu o cargo nestas condições.
O testamento de Gil Vaz Lobo não lhe faz referência.
A sua irmã e herdeira era casada com Manuel de Miranda Henriques, Almirante das frotas do Brasil, e a quinta passou a ser conhecida como Quinta Nova do Miranda, apesar de, como fica demonstrado, a sua proveniência não ser dos Miranda Henriques, mas dos Freire de Andrade, à qual pertencia o seu proprietário.
Depois de construída a capela, passaram a chamar-lhe Quinta de N.ª S.ª do Monte do Carmo.
O filho mais velho de D. Madalena da Silveira e de Manuel de Miranda Henriques, foi António de Miranda Henriques, herdeiro e senhor de todos os bens e títulos de seu tio materno, mas também herdeiro de alguns títulos e bens da Família Miranda Henriques. Os símbolos heráldicos desta família, figuram na lápide tumular de Gil Vaz Lobo, (que podemos ver no edifício da Biblioteca D. Dinis) apesar de não pertencer a essa Família. Possivelmente, a sua herdeira, responsável pela trasladação, quis associá-lo à Família de seu marido, que, nessa data, era o legítimo proprietário da quinta. Acrescentou, ainda, o apelido “Freire”, que sendo da Família, não constava do registo do seu nome.
Estas decisões trazem, posteriormente, grandes dificuldades aos investigadores e são origem de erros que conduzem, geralmente, a uma cadeia de erros.
Registe-se que na lápide estão presentes os símbolos de mais três ramos da aristocracia : os Freire de Andrade, os Lobo e os Pereira. Só encontrei ligações aos dois primeiros.
António de Miranda Henriques era o continuador, na linha masculina, como era legítimo e tradicional, dos bens e títulos de duas famílias nobres, o que deu importância redobrada à propriedade da quinta.
Foi António de Miranda Henriques que mandou construir o palácio de Camaride na Calçada da Pena, em terrenos onde existiam casas nobres herdadas de sua mãe, palácio que passou a ser a residência, na capital, dos Miranda Henriques. É hoje a sede do INATEL, na Calçada de Santana.
Nesta casa nasceu o primogénito e herdeiro, José Joaquim de Miranda Henriques, em cujo nome se encontram registados, no livro das Décimas de 1763, os seguintes bens, em Odivelas:
– “a propriedade de José Joaquim de Miranda Henriques, que consta de casas Nobres e Quinta, que se compõem de vinhas e terras de pão, arrendado tudo em cento e vinte mil réis;
– propriedade que consta de casas arruinadas e a quinta, que se compõem de pomar de espinho, arrendado tudo em sessenta e dois mil e quatrocentos réis;
– no sítio da Ribeirada, propriedade que consta de um casal com suas casas, arrendado em géneros, que pela redução importa vinte e sete mil e novecentos réis;
– no sítio de Porto Pinheiro, propriedade que consta de terra, arrendada em dois mil réis;
– propriedade que consta de azenhas de água e casas de acomodação; e a quinta se compõem de pomar de espinho e tudo arrendado em duzentos e cinquenta e três mil réis.”
Admito que todos estes bens tivessem pertencido à mesma herança, pois não me parece que o seu proprietário, senhor de avultados bens noutros pontos do país, os tivesse adquirido por compra.
À quarta geração ficou esta Família sem herdeiros directos, passando para uma linha colateral, que também se extinguiu, mas antes disso, veio a Quinta de Nossa Senhora do Monte do Carmo a ser vendida em hasta pública, por ter sido dada como penhor de uma dívida que não se pagou dentro dos prazos previstos. Foi nessa altura que o Senhor José Rodrigues Mendes a comprou, já em finais do século XIX, mais precisamente em 1879. Sendo os seus familiares os últimos donos que habitaram, pelo menos periodicamente, esta Quinta, é deles que há memórias mais vivas e mais presentes, daí o chamarem ainda hoje quinta do Mendes a toda aquela zona que foi solo agrícola e onde hoje apenas existem prédios de habitação.
A Quinta da Memória e a Quinta de Nossa Senhora do Monte do Carmo foram propriedades da alta nobreza em Odivelas. As casas nobres destas duas quintas são hoje propriedade do Município de Odivelas, facto que lhe conserva o carácter de nobreza, pelos serviços que ali estão instalados.
Da mais nobre de todas as quintas, a Quinta de Vale de Flores, do Rei D. Dinis, conservamos o Largo, que continua a ser a nossa sala de visitas, enquadrado pelo histórico edifício do Mosteiro Cisterciense.
E digam-me lá se existe na área metropolitana de Lisboa, alguma cidade que se possa gabar de coisa igual!
Maria Máxima Vaz
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