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Com a nova composição da Assembleia da República, vários foram os deputados reconduzidos e bastantes aqueles que assumiram funções pela primeira vez. Até aqui, nada de estranho pois é normal que em democracia haja quer continuidade quer rotatividade dos protagonistas.
Outro dado relevante para o Concelho de Loures é o facto de existirem vários deputados com ligações ao nosso Concelho. Da esquerda à direita, podemos hoje encontrar autarcas, residentes e ex-residentes na nossa terra. Vice-presidentes de bancadas, líderes parlamentares ou comuns deputados. Eleitos directamente ou suplentes que chegaram ao Parlamento por substituição.
Claramente, Loures aumentou a sua participação activa na casa da democracia nacional.
Até aqui… tudo bem. Até aqui… motivos de orgulho e regogizo.
Mas, como sempre, existem várias faces da mesma moeda. Como sempre, há vários lados de uma história. Como sempre, nem tudo na vida é apenas preto ou branco.
Em Loures, tivemos dois autarcas a assumirem o papel de deputados sendo um deles um vereador sem pelouros e o outro um Presidente de Junta de Freguesia.
Poderá parecer que ambas as situações são iguais. Poderá parecer que apenas existem pequeninas diferenças entre dois casos de acumulação de funções. Poderá parecer que tudo é facilmente conciliável.
Pessoalmente discordo. Pessoalmente sou frontalmente contra. Pessoalmente creio que um dos casos é bem mais gravoso do que o outro. A saber… para mim é inconcebível que um Presidente de Junta de Freguesia seja simultaneamente Deputado à Assembleia da República. A saber… para mim é mais aceitável que alguém que é Vereador sem pelouros possa acumular essa função com a de Deputado à Assembleia da República do que alguém que tem funções executivas.
Para ser intelectualmente honesto, não posso deixar de referir que sou daqueles que não acordou hoje para a acumulação de cargos públicos e sou igualmente daqueles que acredita que a regulação das incompatibilidades deveria ser bem mais restritiva.
Mas se para este que vos escreve é claro que se estas acumulações ocorrem apenas o é porque a Lei o permite, também deve ser evidente que nada obriga a que quem é colocado neste tipo de situações não tome a decisão correcta.
E sim, acho pouco sério que se tente tapar o sol com uma peneira ou lançar cortinas de fumo escondendo a realidade indubitável que é o facto de quem não está nos cargos para se servir deles, não precisa nem de justificações elaboradas para tentar maquilhar interesses pessoais, nem necessita de se tornar agressivo e pouco humilde quando confrontado com posições públicas coerentes e honestas acerca da acumulação de cargos públicos.
Ao longo da minha vida pública tive várias vezes oportunidade de ser confrontado com escolhas. Ao longo do serviço público que fui prestando e presto aos meus vizinhos ou colegas de trabalho sempre me regi por valores e princípios dos quais não abdico. Ao longo de uma caminhada em que desempenhei e desempenho várias funções públicas nunca deixei de fazer opções e de demonstrar nos cargos onde estive ou estou que o meu foco deveria ser concentrado no cumprir os compromissos que assumia e de fazer as minhas palavras coincidirem com os meus actos.
Sei que não podemos jamais esperar ( infelizmente ) que todos façam o que julgamos mais correcto. Mas também sei que não podemos encher a boca para falar sobre relações de confiança entre eleitores e eleitos quando não nos esforçamos para sermos merecedores dessa enorme responsabilidade.
No final do dia, outra grande questão acerca de um Presidente de Junta assumir funções enquanto Deputado à Assembleia da República é igualmente o facto de dar a imagem errada de quem entende dever concentrar tudo em si próprio e qual eucalipto buscar secar tudo à sua volta não permitindo que existam mais decisores políticos bem como o de parecer que pretende apenas fazer da politica uma carreira e não um serviço público real. Acaba por ser um pouco como um “ rei sol ” em versão autárquica. Enfim…
Como em tudo na vida, as acções ficam com que as pratica e, muito sinceramente, prefiro mil vezes seguir os meus valores e os meus princípios e ser coerente e não tirar vantagens disso do que adaptar as minhas convicções ao que é mais útil para mim e me deixa em melhores condições de obter vantagens pessoais ou dividendos.
Com em tudo na vida, prefiro ser criticado por ter ideias firmes e claras ( mesmo que não sejam as politicamente correctas ) do que ser alguém cujas ideias mudam ao sabor dos ventos do poder.
Como em tudo na vida, prefiro a previsibilidade das atitudes do que a incerteza dos argumentários moldáveis pelos interesses umbiguistas.
Como em tudo na vida, prefiro mil vezes ser parte de uma solução do que uma peça na engrenagem de um problema que apenas ajuda a matar a democracia.
– Ricardo Andrade – “Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais”