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As sociedades contemporâneas desenvolvidas não são aquelas que detêm o conhecimento, mas sim aquelas que para além de serem detentoras de conhecimento o usam de uma forma eficiente e eficaz, promovendo a inovação tecnológica. Nesta conformidade, a política científica e tecnológica, bem como os recursos materiais, humanos e financeiros que são atribuídos para a realização de actividades de investigação e desenvolvimento (I&D), sejam elas de cariz mais fundamental ou aplicado, tornaram-se nas últimas décadas assuntos de Estado.
As tecnologias de informação, os novos materiais e as biotecnologias têm vindo a emergir como domínios de conhecimento com uma forte concentração dos investimentos em I&D, em todos os países mais industrializados.
No domínio das ciências da computação, o notável desenvolvimento da microeletrónica proporcionou a criação de computadores compactos com elevada capacidade de processamento e cálculo, permitindo o desenvolvimento de poderosas aplicações informáticas de modelação e simulação, adequadas a inúmeros domínios científicos, proporcionando uma crescente interdisciplinaridade e consideráveis avanços no domínio da inovação tecnológica.
Durante as décadas de 80 e 90, as economias dos países industrializados foram influenciadas por um conjunto de factores que lhe eram genericamente favoráveis: embora em alguns países a taxa de desemprego apresentasse níveis preocupantes, observava-se um crescimento moderado das economias, a inflação parecia controlada e assistia-se a uma forte expansão do comércio mundial.
Paradoxalmente, o investimento público português em estudos e prestação de serviços contratados a grandes consultoras, assume valores facilmente apelidados de escandalosos, quando comparados com os investimentos realizados para financiamento de actividades de investigação e desenvolvimento conducentes à inovação tecnológica. Por outro lado, o investimento público em tecnologia de ponta é frequentemente realizado através de Concursos Públicos cujas especificações são invariavelmente fortemente orientadas à tecnologia e muito pouco orientadas aos processos, conduzindo a que o Estado e o seu Sector Empresarial adquiram o que o mercado tem para oferecer, envolvendo padrões proprietários, e não as soluções tecnologicamente mais adequadas à automatização dos processos que estão subjacentes à sua actividade. Nesta matéria, verifica-se uma urgente necessidade de mudança de paradigma, com o lançamento de concursos para financiamento de atividades de I&D aplicadas, a realizar pelo SCT português, visando a realização de estudos e prestação de serviços ao Estado e às Empresas Públicas, passando a ser obrigatório a realização de um estudo prévio (que conduza à elaboração de Cadernos de Encargos tecnicamente detalhados) sempre que se trate de lançar um concurso público que vise a aquisição de tecnologia de ponta.
Neste contexto, para países periféricos como Portugal, a criação de uma sociedade mais rica, empreendedora e inovadora, capaz de enfrentar uma competição económica com desafios emergentes resultantes do fenómeno da globalização, passa por investimento sério na qualificação do potencial humano, sem facilitismos, e na formação de investigadores e tecnólogos em estreita colaboração com o tecido empresarial, tendo a grande empresa “Estado” responsabilidades acrescidas nesta matéria.
Este novo paradigma impõe o desenvolvimento e criação de competências nacionais, eventualmente através de ligações estreitas entre as empresas públicas e as instituições do SCT, através do financiamento de actividades de I&D aplicadas à implementação de demonstradores laboratoriais de prova de conceitos. Só assim será possível elaborar especificações orientadas aos processos, permitindo que as empresas adquiram o que necessitam e não o que o mercado tem para oferecer.
Esta abordagem é potenciadora de uma maior intervenção da indústria nacional, da aquisição de sistemas multifornecedor e multitecnologia, interoperáveis e assentes numa filosofia de funcionamento colaborativa, a custos controlados, quer ao nível do investimento inicial, quer ao nível dos custos de exploração/manutenção e expansão de infraestruturas existentes. Só assim será possível passarmos de um modelo de grandes empresas públicas de baixo valor acrescentado, para um modelo de empresas públicas catalisadoras da valorização de competências nacionais, ou seja, empresas públicas de elevado valor acrescentado.
Estaríamos assim a contribuir seriamente para se alcançarem os compromissos políticos definidos a nível europeu, que definem uma agenda de modernização das Instituições de Ensino Superior e dos Centros de Investigação, com vista a atrair e manter novos talentos na Europa e tornar as instituições capazes de responder aos desafios globais da investigação e concorrência internacional. O discurso político reinante indica claramente uma “tendência para aumentar significativamente as receitas obtidas por via competitiva, em detrimento dos orçamentos históricos com origem no Estado”, particularmente importante no caso do financiamento da investigação científica. Todavia, a mudança de paradigma acima mencionada, poderia proporcionar aumentos do investimento público em atividades de investigação e desenvolvimento a realizar pelo STC, com impacto direto no desempenho económico do país, sem que isto implique aumentos da despesa pública, podendo eventualmente traduzir-se na sua redução.
– João Calado (Professor Coordenador c/ Agregação do ISEL)
(ex-Vereador do PSD)