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No Regime dos guardas Serôdios do Estado Novo
Os contadores de histórias gostam de se referir ao 25 de Abril (25A) como uma revolução quando, na verdade, se tratou apenas de um golpe militar, que nem mexeu por aí além nas estruturas do poder. Os Tribunais e a Igreja são, por exemplo, duas das estruturas que mais colaboraram com o regime do “Estado Novo” e que se mantiveram inalteradas, enquanto a morte os não foi levando, mantendo os do “antes” nos lugares de topo. Cabe aqui o infeliz episódio, exemplar do quanto as coisas não mudaram, da negação à viúva de Salgueiro Maia da pensão enquanto os ex-Pides viam garantida a reforma pelo Estado e sobre isto se manifestou Francisco Sousa Tavares, só se livrando de um processo porque o seu estado de saúde se agravava com um fim próximo à vista.
Quando falamos do 25A é disto que estamos a falar e, o retrato que fica para memória futura, é o de um capitão que tendo sido o principal operacional no terreno, Salgueiro Maia, o anti-herói, um dos poucos consensuais da esquerda à direita, que contrariamente a outros, deu o corpo às balas, literalmente falando – naquele memorável episódio do dia 25 de Abril de 1974 que decidiu a vitória do Movimento das Forças Armadas e em que o oficial pró-Estado Novo dá ordem aos homens do tanque de guerra para dispararem sobre ele, e Salgueiro Maia se manteve firme, enfrentando nos olhos o atirador… – foi este homem, que veio a terminar a sua carreira militar como encarregado das cavalariças…
Para encontrarmos um dia em que todo o Povo saiu à rua num movimento Único em Portugal temos de nos deter no 1º de Maio de 1974. Estávamos ainda muito próximos do 25A e os partidos ainda não controlavam as “Massas” e tudo ainda tinha muito de espontâneo. Esse caráter espontâneo do 1º de Maio de 1974, sem quase nenhum controlo político, nunca mais se voltou a repetir.
Os golpes e contra golpes que se desenrolaram posteriormente ao 25A não vieram jamais permitir a liderança popular genuína até porque, os partidos, a partir do 1º de Maio de 1974, começaram a desenvolver trabalho político para tentarem controlar o “Processo Revolucionário” e o “MFA” e basta consultar os manifestos políticos dos partidos na altura – do PSD aos partidos Marxistas Leninistas, mais ou menos revisionistas, para termos a noção do quão imbuídos todos estavam do espírito revolucionário e, aliás, o primeiro texto da Constituição com o seu preâmbulo de um Estado Rumo Ao Socialismo é disso prova.
Como sempre os contadores de histórias falam destes momentos históricos, criando os seus heróis mas esquecem-se de mostrar os vários ângulos da história.
E falando de heróis e de Mitos…
De António de Spínola, general que foi preciso “arranjar à pressa”, porque Marcelo se negava a entregar o poder a qualquer militar de patente inferior, se pode dizer que desempenhou um papel importante, não só como presidente da junta de salvação nacional, como pelo seu papel anterior ao 25A quando, no terreno da guerra, na Guiné, assumiu que a vitória militar não era possível. “Portugal e o Futuro” é um livro de António de Spínola, publicado incrivelmente antes do 25A, e que é incontornável para perceber todo o pensamento do general e de muitos que o apoiavam.
Do mesmo modo falar de Ramalho Eanes, o homem do 25 de Novembro, sem falar no PRD ou em Jaime Neves, é contar parte da história que só pode ser analisada no seu todo e não isolada em tupperwares. O que foi feito das dezenas de deputados do PRD, qual o seu papel… fica a análise por fazer.
Outro mito, de que o PCP foi sempre a a favor da ocupação das terras no Alentejo, é isso mesmo, um mito – Álvaro Cunhal em outubro de 1974 no Diário Popular, insurgia-se contra esses movimentos de ocupação de terras, classificando-os de uma “anarqueirada”… Mais tarde quando o PCP passou a ter o controlo das ocupações e das Unidades Coletivas de Produção, e da Reforma Agrária em geral, o partido assumiu, então sim, essa bandeira.
Mais um mito, de que apenas a esquerda, com as FP25, tinha movimentos armados, que tiraram vidas também é enganador, porque do outro lado, o ELP e o MDLP tiveram o mesmo papel de sinal contrário. Lembrar os incêndios de sedes e a morte do padre Max entre outros. Comícios de esquerda organizados, como o do Naval – 1º de Maio, estiveram cercados e morreu o soldado Luís que o Zeca Afonso imortalizou num dos seus temas quando refere “Lá fora 60 manos do PPD exibiam matracas e armas de fogo e o mais que a gente não via…”
Em suma, numa guerra civil que quase aconteceu, muita coisa não correu dentro do espírito democrático, nem podia.
Para ilustrar o que foi o 25 de Abril, cito Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz violento mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.