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Os romanos comemoravam o 1.º de Maio como uma data solene dedicada às deusas Flora e Maia, assinalando o auge da Primavera e a abundância. A importância dada pelos romanos a este dia era tamanha que até o trabalho dos escravos era suspenso.
Na Idade Média, as comemorações continuaram como forma de agradecimento pelas colheitas.
Esta comemoração manteve-se entre os trabalhadores nos séculos XVIII e XIX, contudo o ponto de referência para as celebrações actuais é reconhecido como tendo tido início em 1884, quando no congresso dos sindicatos americanos foi estabelecido o prazo de dois anos para conseguir impor aos empregadores a limitação da jornada de trabalho para 8 horas, que então chegava a 17 horas. A adesão à greve geral de 1 de Maio de 1886 envolveu cerca de 340 000 trabalhadores em todo o país, que reivindicaram melhores condições de trabalho. Se fosse hoje, muitos achariam um atrevimento, e até um exagero, desejar reduzir o tempo de trabalho para metade…
Em Chicago, a greve atingiu várias empresas. No dia 3 de Maio, registam-se confrontos entre grevistas e as forças de segurança. Desses confrontos resultou a morte de três trabalhadores. No dia seguinte, dia 4 de Maio de 1886, realizou-se uma marcha de protesto e, à noite, registaram-se novos confrontos, que resultaram na perda da vida de oito policiais. Na sequência destes protestos, foram condenados à forca cinco sindicalistas – Albert Parsons, Adolph Fischer, George Engel, August Spies e Louis Lingg. Este último acabou por se suicidar ainda na cadeia. Os restantes foram mesmo enforcados a 11 de Novembro de 1887, tendo este dia ficado conhecido como Black Friday. Porque temos uma memória histórica pouco apurada, ousamos fazer das Black Fridays meros dias volvidos ao consumo, faltando ao respeito à memória dos que nos garantiram direitos que hoje consideramos naturais, sendo que às vezes até os desdenhamos e desprezamos.
Assim, a data para a celebração do Dia do Trabalhador foi decidida a 20 de Junho de 1889, durante o Congresso da Internacional Socialista, reunido em Paris, dando início a uma campanha internacional a favor das oito horas de trabalho.
A escolha do 1.º de Maio como Dia do Trabalhador visou ainda homenagear as lutas sindicais de Chicago.
Em Portugal, os trabalhadores aderiram a esta comemoração ainda no reinado de D. Carlos. Nessa altura, o ponto alto das celebrações centrava-se num desfile que atravessava a Avenida da Liberdade e seguia até ao Cemitério dos Prazeres, onde eram colocadas flores no túmulo de José Fontana, republicano socialista que liderou o início do movimento operário em Portugal.
No século XIX as lutas laborais desenvolveram-se no nosso país, nas mais variadas vertentes, tendo sido reconhecido o direito de associação aos trabalhadores, a que se seguiu a regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores nas indústrias. O movimento operário chegou ainda mais longe, ora lutando pela conquista das melhorias laborais e sociais, ora promovendo acções culturais e de desenvolvimento da educação.
Para o efeito, surgiram as associações mutualistas, que se organizaram de forma a proteger os trabalhadores e respectivas famílias em caso de acidente, para além de promoverem a cultura nas classes mais baixas. Em 1838, nasceu a Sociedade dos Artistas Lisbonenses ou Sociedade dos Artistas. Mais tarde, em 1850, surgiu o Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas. Contudo foi em 1886 que surgiu a Sociedade de Beneficência e de Instrução “A Voz do Operário”.
Durante o regime salazarista, os direitos laborais foram reduzidos a níveis bem próximos da escravidão, reduzindo quase à insignificância os direitos por que tantos haviam lutado antes. Tal faz-nos perceber que o status quo não é duradouro, i.e., a manutenção dos direitos adquiridos obriga a constante vigilância e o progresso impele-nos a permanente disponibilidade para a acção e se caso disso para a luta.
Se durante a ditadura do Estado Novo as comemorações do 1.º de Maio eram reprimidas, a partir da Revolução dos Cravos voltou-se a comemorar livremente.
Ao comemorar o 1º de Maio, assinala-se o importante papel dos Trabalhadores, todavia celebram-se também muitas jornadas de luta vividas e vindouras.
As lutas laborais que se fizeram ouvir no século XIX continuam hoje, embora formuladas de outros modos, através dos sindicatos, que lutam por uma melhoria contínua na vida dos trabalhadores e das suas condições de trabalho. Parece inegável a correlação existente entre o quadro legal que enforma o chamado Direito Laboral e os chamados Direitos Sociais e Económicos, que no caso português assumem relevância constitucional.
Em 2019, depois de várias décadas de prevalência sobre o panorama sindical português das centrais sindicais CGTP e UGT, assistimos ao surgimento dos chamados sindicatos inorgânicos, que renovaram a esperança dos trabalhadores que representam, mas que de imediato sofreram a reacção do establishment, que, ao invés de avaliar os motivos desta transferência de protagonismos – eventualmente devido a uma excessiva relação e até dependência com forças políticas –, tem questionado os métodos e até os motivos.
Os Trabalhadores e os Sindicatos estão prestes a serem confrontados com novos desafios. A verdade é que a economia sem factor Trabalho aproxima-se rapidamente, com o surgimento da produção baseada na chamada inteligência artificial. Esta questão coloca-se já hoje em muitos sectores de produção, contudo tende a crescer constantemente. Significa isto que se a mecanização de funções trouxe no passado a necessidade de readequar com formação os trabalhadores substituídos por automatismos robotizados, agora a inteligência artificial visa a redução do elemento Trabalho, i.e., a necessidade de recurso muito mitigado a Trabalhadores.
Vim do passado ao futuro porque entendo que:
- Os direitos nunca estão definitivamente garantidos;
- Há sempre novos motivos de luta;
- A luta deve ser sempre precedida da negociação leal, em que a agenda seja exclusivamente o Trabalho, sem instrumentalizações político-partidárias;
- Os dias do Trabalhadores poderão estar contados e com eles sistemas de segurança social e de pensões poderão desmoronar-se se nada fizermos. Importa pois repensar, a breve trecho, novas fontes de financiamento, cuja discussão urge que façamos antes que cheguem as más notícias.
A LUTA CONTINUA!!!
Viva o 1.º de Maio!
Paulo Bernardo e Sousa
Politólogo