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António Guterres foi primeiro-ministro de Portugal em dois governos constitucionais, no período compreendido entre outubro de 1995 e abril de 2002.
Ficou célebre a sua frase “no more jobs for the boys” ao tentar contrariar a ânsia de poder e de cargos que os rapazes do PS tinham após 10 anos de governos de Cavaco Silva.
Ficou igualmente célebre a incapacidade de António Guterres de travar o assalto ao aparelho de Estado por parte dos “boys” e “girls” do partido socialista que então se verificou. Apesar da intenção e boa vontade de António Guterres em cumprir um objetivo de Estado, faltou-lhe mão firme, liderança e determinação para evitar essa situação.
Em dezembro de 2001, António Guterres, face à estrondosa derrota que o PS teve nas eleições autárquicas, realizadas nesse mês, demite-se de primeiro-ministro de Portugal, para evitar, segundo a sua própria expressão que o país caísse num pântano.
Convém lembrar que, nessa época, o pântano vivido em Portugal tinha muitas das suas raízes nos altos índices de corrupção existentes no país, destacando-se, entre outras situações, o caso da então Junta Autónoma das Estradas, que na altura era um cói de autênticos malfeitores da economia portuguesa.
António Guterres, pessoa de bem e de inteligência superior, mas infelizmente com grande dificuldade em ser assertivo e determinado, deixou-se vencer pela sua própria indecisão e falta de capacidade de liderança e abandonou a chefia do governo de Portugal.
António Guterres, após abandonar o governo de Portugal, ainda se manteve como Presidente da Internacional Socialista, até 2005, cargo que desempenhava desde 1999, após o que se dedicou a uma carreira internacional, tendo sido, entre 2005 e 2015, Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e finalmente, desde 2017, Secretário-Geral das Nações Unidas.
Diga-se em abono da verdade que o trabalho desenvolvido por António Guterres no ACNUR, onde fez significativas reformas estruturais no sentido de melhorar a capacidade de resposta e a eficácia desta agência das Nações Unidas, é internacionalmente reconhecido e isso deve honrar Portugal.
Como era esperado, o primeiro mandato de António Guterres como Secretário-Geral das Nações Unidas, entre 2017 e 2021, decorreu normalmente, em gestão corrente, sem grandes percalços, mantendo tudo na mesma, o que lhe valeu a nomeação para um segundo mandato que se iniciou em 2022.
As grandes potências que integram os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (a República Popular da China; os Estados Unidos da América; o Reino Unido; a França e a Federação Russa), com toda a certeza que apreciaram a manutenção do “status quo” que António Guterres protagonizou.
Obviamente que António Guterres só poderia continuar como Secretário-Geral das Nações Unidas com o consenso dos 5 membros permanentes do Conselho de Segurança e para isso teria de manter tudo na mesma ou então eventuais mudanças que preconizasse serem de mera cosmética.
António Guterres, não seria hoje, Secretário-Geral das Nações Unidas, se tivesse uma agenda de reformas, como teve, para o ACNUR.
Ora é no início do segundo mandato como Secretário-Geral das Nações Unidas que de facto António Guterres é posto à prova e em que necessita de colocar toda a sua energia e inteligência ao serviço da paz mundial.
Mas é também no início deste segundo mandato que as reformas de que as Nações Unidas tanto precisam e que António Guterres não suscitou, mais seriam necessárias.
“O homem é o homem e suas circunstâncias” como dizia, o filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, e António Guterres não soube evitar o turbilhão que o está a atingir, que já o levou, pela segunda vez na sua vida, a um pântano do qual, desta vez, não pode fugir.
António Guterres não pode fugir do pântano atual porque sabe que não se abandona o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas em plena guerra na Europa, em que o agressor possui o maior arsenal nuclear existente na Terra e há o perigo latente de eclodir uma 3.ª guerra mundial.
Tenho a certeza de que António Guterres sente a obrigação e o dever de continuar como Secretário-Geral das Nações Unidas e também de contribuir decisivamente para a paz na Europa e no Mundo.
Mas a obrigação e o dever de António Guterres em continuar como Secretário-Geral das Nações Unidas, obrigam a que deixe o modo de inação na atuação e passe ao modo liderante de atuação.
António Guterres manteve demasiado tempo as Nações Unidas completamente paralisadas, sobre tão candente e urgente assunto, perdendo o timing da iniciativa e só atuou quando as pressões, nesse sentido, vindas de todo o Mundo e de antigos funcionários superiores da ONU se tornaram completamente insuportáveis.
Vladimir Putin, mestre da manipulação política internacional, ao perceber a inação de António Guterres, obriga-o a ir a jogo, informando o Mundo que desde o início da “operação militar especial” (eufemismo que a Rússia usa para a invasão da Ucrânia) nunca foi contactado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas.
Aí está Vladimir Putin a tomar a iniciativa e lamentavelmente António Guterres e as Nações Unidas a irem a reboque do autocrata que pretende restaurar o império soviético, à revelia do direito internacional.
A questão que agora se põe é a de saber se António Guterres terá força e apoios para, durante o seu atual mandato, liderar as reformas que a ONU necessita para sair do atual pântano em que se encontra e fugir a um destino que não seja o da total irrelevância internacional.
Fernando Pedroso
Deputado Municipal do CHEGA na AMO