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O êxito de bilheteira que foi o filme “A Lista de Schindler”, deu a conhecer, ao mundo, um industrial alemão, membro do partido NAZI, e que ganhou muito dinheiro explorando trabalho escravo de judeus, numa fábrica que comprou na Polónia e na República Checa.
Já perto do final da II Guerra Mundial, Oskar Schindler, salvou, dos campos de concentração, cerca de 1.200 judeus, trabalhadores nas suas fábricas.
Quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, António Oliveira Salazar, simultaneamente presidente do conselho de ministros, ordenou ao Cônsul português em Bordéus, para não emitir nenhum visto a refugiados, na sua esmagadora maioria judeus que queriam abandonar frança, aquando da invasão nazi de frança, nunca imaginou que Aristides de Sousa Mendes, salvaria cerca de 30.000 refugiados das garras NAZIS. Conta-se que esgotando todo o papel existente na chancelaria do consulado, passou a utilizar todo o tipo de papel, incluindo guardanapos, para neles apor o carimbo do estado português.
A decisão do Secretário Geral das Nações Unidas, ONU, de, após mais de 60 dias, de invasão da Ucrânia, por parte da Federação Russa, pedir para ser recebido, no Kremlin, por Vladimir Putin, e em Kiev, por Valodomir Zelesnki, grangeou muitas criticas a António Guterres, vindas de quase todo o lado, verberando a inacção do Secretário Geral, face á guerra da Ucrânia.
Existe, disseminada por todo o lado, a obscura ideia que sendo o Secretário Geral da ONU, o líder administrativo de uma organização que congrega todos os países do mundo, tem, forçosamente, mais poder do que cada chefe de estado individualmente considerado.
Na verdade, não tem. Costuma-se dizer que “fulano” é como a Rainha de Inglaterra, para significar que não tem poderes concretos nenhuns, mas no caso da ONU, ainda é pior, pois ao contrário da Rainha, o Secretário Geral não promulga diplomas legislativos, o seu poder pouco mais é do que supervisionar a burocracia da organização, havendo dinheiro para tanto, porque até nisso o Secretário Geral da ONU tem de mendigar verbas para o funcionamento da ONU.
No concreto caso da Ucrânia, não se podia exigir, a António Guterres, uma mediação com os beligerantes, uma vez que logo no início terá sido o primeiro a condenar veementemente a invasão, desabilitando, assim, a ONU, a assumir um papel de mediador. Independentemente das convicções pessoais o cargo aconselharia uma posição equidistante, isto no caso de se ter no horizonte o papel de mediador … talvez não o pretendesse.
De então para cá o Secretário Geral aguardou por uma ocasião que exigisse a sua intervenção, mas de tal forma que do seu contributo se retirasse, objectiva e concretamente resultados, não tanto em matéria de mediação da beligerância, mas sobretudo, porque ao seu alcance, ao alcance da ONU, em matéria humanitária.
Esse momento chegou com os acontecimentos terríveis de Mariopol, concretamente á bolsa de resistência de Azovstal, onde mais de 1.000 civis e 2.000 homens armados, estavam acantonados em bunkers quase impenetráveis. Mas cercados pelas tropas russas.
Salvar vidas humanas foi um apelo a que António Guterres não podia nem devia ficar indiferente. E agiu. Mais ninguém ousara fazer o mesmo, para além de excursões a Kiev para a fotografia.
Um dos aspectos logo notado foi a assertividade, ou seja, a capacidade de se colocar “nos sapatos do outro”. Como chego a esta conclusão? Vejamos:
No Kremlin Guterres apresenta-se trajando de forma semelhante ao seu interlocutor, de fato e gravata, ao passo que em Kiev, optou por um pullover cor tropa a fazer pandan com a camisola cor tropa de Zelenski. Em Roma sê Romano. Brilhante.
No Kremlin, Guterres reiterou olhos nos olhos, embora a seis metros de distância, o que sempre dissera sobre a invasão, mostrando firmeza, sem ser ofensivo, e até foi ao encontro das preocupações de Putin, afirmando que as compreendia, e, muito importante, apontou vias para as dirimir, em sede da carta das nações, sendo por isso pedagógico, apontando o caminho para eventuais soluções.
Mas o cerne do encontro (não só ali mas também mais tarde em Kiev) era a AzovStal, e diligenciar no sentido de salvar vidas humanas de civis inocentes, e o trunfo na manga de Guterres era envolver a ONU, Cruz Vermelha, Rússia e Ucrânia. Claro que foi uma oportunidade para Putin, afirmar, também olhos nos olhos, a Guterres que tal como o DAESH tinha feito na Síria, também em Mariopol não se compreendia como civis estavam nos bunkers do Batalhão Azov. É sempre importante ouvir o que o outro tem para nos dizer e Guterres fê-lo.
A comunicação social, em Kiev, ávida de sangue, faz perguntas difíceis a Guterres, às quais não podia responder, sob pena de escavacar o acordo de princípio obtido junto dos beligerantes. Repreendeu mesmo esses OCS dizendo sem pejo que não estava ali para ser estrela da comunicação social.
Obviamente as carpideiras de serviço logo invectivaram a iniciativa de Guterres, quando passados poucas horas, não se vislumbravam resultados operacionais. É no que dá quando sentados num gabinete se desconhece a realidade de algo tão complexo como retirar pessoas de azovstal, no meio de tiros e bombas.
No momento em que estas linhas são produzidas contam-se já em centenas de pessoas salvas em Mariopol, graças à ONU, Cruz Vermelha e beligerantes.
O Sucesso de António Guterres é indiscutível. Finalizando respondendo á pergunta em título: o denominador comum são as vidas humanas salvas, Oscar Schindler salvou 1.200, depois de ter enriquecido com o seu trabalho escravo; Aristides, salvou 30.000 e morreu na miséria; António Guterres salvou algumas centenas e credibilizou a função. Assim o denominador comum é quantitativo, a diferença é qualitativa, e essa mede-se pelo desinteresse de ganhos pessoais. Ninguém bate os portugueses neste particular.
Oliveira Dias, Politólogo