Este conteúdo é Reservado a Assinantes
A abstenção em que os cidadãos desistem por sua iniciativa de um direito de cidadania que lhes assiste que é o de votarem em eleições, de forma livre e consciente, embora sendo um fenómeno global, que se acentua por toda a Europa, está fortemente enraizado em Portugal que é um dos países europeus que apresenta uma das taxas de não votação voluntária mais elevadas.
A democracia portuguesa tem já uma maturidade de 48 anos em que o ato de votar, em eleições europeias, nacionais, regionais ou locais, assume um caráter de normalidade, o que contrasta com os tempos idos do Estado Novo em que o acesso às urnas eleitorais não era para a generalidade da população.
Nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas em 25 de abril de 1975, o número de recenseados subiu de 1.8 milhões para 6.2 milhões de pessoas, o que demonstra bem a natureza “fantoche” das eleições durante o Estado Novo, alicerçadas num fraco grau de participação eleitoral.
As eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas a 25 de abril de 1975, tiveram uma abstenção de 8,34% o que contrasta com a abstenção de 48,58% verificada nas últimas eleições legislativas realizadas em 30 de janeiro de 2022.
Em abril de 1975 os portugueses com toda a certeza que estavam sedentos de participar, pela primeira vez, após o fim do Estado Novo, em eleições livres e fizeram-no de forma massiva e ordeira, com resultados que ajudaram, a par do posterior movimento vitorioso do 25 de novembro de 1975, a que hoje vivamos em democracia, pois os partidos políticos, de então, que a defendiam, o PS, o PSD e o CDS, obtiveram 71,87% dos votos, cerceando todas as veleidades que existiam, à época, de alguns partidos políticos tomarem o poder pela força, apoiados pelos setores extremistas do Movimento das Forças Armadas.
Nas eleições de 25 de abril de 1975, para a Assembleia Constituinte, o povo português percebeu a importância de fazer mudanças sistémicas, pelo que participou massiva e generosamente nesse ato eleitoral, daí o alto grau de ida às urnas, de 91,66%.
Pelo contrário, como tem acontecido recorrentemente nos últimos anos, o povo português quando se apercebe que as eleições representam, mais do mesmo, ou seja, a inexistência de um desígnio nacional, a falta de esperança de futuro, a falta de um combate sério à corrupção, a ausência de projetos viáveis de desenvolvimento económico e social, a ausência de mudanças estruturais e de paradigma, não participa massivamente em eleições, sejam elas de que natureza forem.
A abstenção, em democracia, na III República, cedo começou a dar sinais de estar para ficar, vejamos alguns exemplos:
- Eleições legislativas de 25 de abril de 1976, abstenção de 16,47%;
- Eleições autárquicas de 12 de dezembro de 1976, a média nacional de abstenção, já rondou os 35%;
- Eleições presidenciais de 24 de janeiro de 2021, abstenção de 60,76%;
- Eleições autárquicas de 26 de setembro de 2021, a média nacional de abstenção, foi de 46,35%.
Uma das características diferenciadoras da III República é exatamente a elevada abstenção que não dá sinais de ceder e se constituísse um partido político seria maioritário na sociedade portuguesa.
Não é a despropósito que fazemos a analogia da abstenção com um partido político porque há politólogos que defendem que a abstenção deveria estar representada, com cadeiras vazias, nas estruturas políticas deliberativas sujeitas a eleição, já que para as estruturas políticas executivas não se vê a exequibilidade prática dessa pretensão.
Alguns analistas referem que a causa de tão elevada abstenção se deve ao facto de os cadernos eleitorais estarem desatualizados, mas essa análise é muito redutora e está por provar.
Os fatores potenciadores da abstenção, em meu entender, estão mais relacionados com a fraca qualidade da democracia portuguesa, destacando-se, entre outras, as razões seguintes:
- Sucessivas promessas eleitorais por cumprir, o que constitui uma prática reiterada e sem escrúpulos dos políticos do sistema, bastando recordar a recorrente promessa de António Costa de que todos os portugueses teriam médico de família, quando a realidade diz que há cada vez mais utentes do Serviço Nacional de Saúde sem médico atribuído;
- Comprovada corrupção de políticos de primeira linha, tendo, por esse facto, alguns sido condenados com a pena de prisão efetiva;
- Forte perceção pública de que um anterior primeiro-ministro do PS, José Sócrates, está envolvido em obscuros processos de corrupção que envolvem milhões de euros em prejuízo das contas públicas, faltando, contudo, ainda, concluir os respetivos processos judiciais que misteriosamente têm demorado uma eternidade, duvidando-se até que possam ser concluídos a tempo, correndo-se o risco de virem a ser abrangidos pelo regime legal da prescrição de crimes;
- Sistema de subvenções mensais vitalícias que ainda constituem direitos adquiridos de centenas de políticos que em alguns casos, por deficiente, ou intencional, construção jurídica, acumulam essas verbas com as suas normais pensões de reforma e de aposentação, sendo isso um injusto privilégio pago pelo erário público;
- Acesso dos familiares e filhos de políticos do sistema aos melhores e mais bem pagos empregos públicos e privados, o que impede milhares de outros portugueses de acederem a esses lugares. O elevador social dos políticos do sistema, tem reserva de admissão e só um sentido, obviamente, o ascendente.
A atenuação do fenómeno da abstenção carece de medidas estruturais de regeneração e aperfeiçoamento da democracia portuguesa, o que deve ser estudado e proposto pelos politólogos e pelas universidades, afigurando-se, contudo, que o voto eletrónico e em vários dias consecutivos, incluindo horários noturnos, poderia ser uma medida de mitigação interessante.
- Fernando Pedroso
Deputado Municipal do CHEGA na AMO