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Há uns anos atrás ouvimos as afirmações do então Ministro da Economia, Manuel Pinho, durante uma viagem à República Popular da China, junto das autoridades económicas e dos agentes económicos locais, onde defendeu que Portugal seria um bom destino para os investimentos chineses por diversos motivos, nomeadamente pelo facto de a força de laboral ser barata por cá.
Diariamente somos confrontados com ordenados pornográficos pagos a quem claramente nada percebe de gestão ou então a quem passa metade da vida a dar pontapés numa bola. Destes, raros são aqueles que investiram numa educação longa e dispendiosa, mas são estes que nos deixam perplexos com a ignorância amiúde exibida seja ao nível da língua materna, seja ao nível daquilo para que são pagos e a peso de ouro.
Claramente sentimos que as nossas opções enquanto sociedade senão estão invertidas, pelo menos são mesmo muito questionáveis.
É um facto que constantemente nos é dito que Portugal é um país sem recursos, apesar de ser detentor de uma das maiores reservas de ouro do mundo, de por aqui existir uma petrolífera exploradora de reservas desse a que chama de ouro negro e de ainda assim receber tantos Fundos Europeus que até nem consegue aplicá-los a todos, sendo comum a devolução em média de cerca de 40% destes Fundos, devido à sua não-utilização.
Também é um facto que neste cantinho à beira-mar plantado, sendo pobre, não havendo recursos, se mantêm contratos swapps, parcerias público-privadas, apoios obscenos à banca (vide caso “Espírito Santo” e respectivo sucedâneo, o “Novo Banco”), aumento do orçamento dedicado à matança, digo à “Defesa Nacional”, tudo opções questionáveis e desperdiçadoras dos nossos recursos.
Há anos que nos é vendida a ideia de que sendo pobres temos de ser austeros a um nível próximo da indigência e se não o entendermos pelas palavras, fazem-nos acreditar nisso introduzindo condicionantes sócio-económicas que nos formatem o espírito.
Facto é que estas dinâmicas de condescendência dos governados face às arbitrariedades dos governantes permitem continuadamente os desmandos dos segundos, mas também a instalação de uma cultura do “poucochinho” assente em premissas como “podia ser pior”, ou “somos um país pobre”, ou ainda e a pior de todas, a velhinha “eles é que sabem”.
A verdade é que “eles não sabem” e os “nós” deixamos que decidam e menosprezem as nossas necessidades de forma sistemática e em alguns casos com a aparência determinista de ser mesmo assim que deve ser.
Repare-se, num país onde se valorizam actividades que poderíamos dispensar, o sector da Saúde é constantemente preterido e até atacado. Importa entender que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) responde a um conjunto de valores e princípios civilizacionais básicos, como a obrigação do Estado português em «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo» (alínea d), do art.º 9.º, da CRP), ou o princípio da inviolabilidade da vida humana (n.º 1, do art.º 24.º, da CRP), dando ainda resposta ao direito de protecção, promoção e defesa da saúde e o dever de a defender e promover «através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito» (art.º 64.º, da CRP).
Dito isto é com espanto que na última reunião da Câmara Municipal de Odivelas, no passado dia 25 de Maio, se ouviu o Presidente desta edilidade, Hugo Martins, um socialista, um homem de esquerda, afirmar que é «contra o aumento… a valorização da carreira médica» (Fonte: clique aqui – 1:27’).
De novo o apelo ao confronto entre trabalhadores, fazendo de uns maus e outros bons. De novo ao invés de soluções inventam-se inimigos. De novo o caminho é a precarização dos Médicos ao invés da valorização destes e de todas as restantes profissões. De novo… o poucochinho, a falta de ambição, a clara vontade de retirada de direitos trabalhistas a todos para continuar a ter recursos disponíveis para as despesas dispensáveis. Hugo Martins justifica-o, dizendo que a valorização dos médicos do SNS só servirá para os Privados dobrem as suas remunerações. E então? O mercado de trabalho será o único que não deve funcionar? Afirma ainda que «o problema está na Formação», acusando a Ordem dos Médicos de ser a promotora do actual estado das coisas, por não permitir a formação de mais médicos.
Face a estas afirmações, registo com agrado a resposta dada pelo Vereador eleito pelo PSD, Marco Pina, que se resume ao seguinte:
«O que Estado tem de fazer é ser competitivo e concorrencial também. O que acontece com esta fuga dos Médicos como já está farto de ser veiculado e defendido […] é a falta de condições que existe no Estado para que possa ser concorrencial e oferecer melhores cuidados de saúde.»
Recordou ainda Marco Pina que António Costa prometeu ao país que «em 2017 não haveria um único português sem médico de família». Importa pois perceber se o «Senhor Primeiro-Ministro estava a mentir, sabia deliberadamente que estava a mentir ou então sabia qual é que era a solução?» Por outro lado claramente a visão do Presidente da Câmara Municipal de Odivelas é muito redutora. Para ele, o problema «é a Ordem dos Médicos… são uns bandidos». Facto reconhecido é que o «lobby da Ordem dos Médicos é poderoso, mas o lobby da Ordem dos Médicos não se sobrepõe nem às leis da República, nem à Constituição da República, nem a um Governo com maioria absoluta. Tenha o Governo capacidade, com maioria absoluta que tem» em «resolver os problemas dos portugueses». Tanto se desejou a dita estabilidade de uma maioria absoluta e agora verifica-se que tal só serve para «fazer propaganda política» mas não para resolver os problemas das pessoas. Como disse Marco Pina, «tem um mandato, tem uma maioria, é cumprir». Não é atirar atoardas para o ar e implicar, neste momento, as responsabilidades para os outros, quando não se é capaz de resolver problemas.
Acabo esta reflexão recordando o óbvio que foi dito naquela alocação pelo Vereador Marco Pina: «- Quem está numa cama de hospital a definhar, a morrer, quer lá saber da Justiça, da Educação, ou de outra coisa qualquer. Quer saber da sua saúde. E é isto mesmo, Saúde quando nos falta, falta-nos tudo Senhor Presidente!». Daí o legislador constituinte ter dado a importância que deu à Saúde. A Saúde não se pode quedar por Opções pelo Poucochinho! Corte-se nas banalidades!
- Paulo Bernardo e Sousa
Politólogo