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Hoje “jogo” em casa, o tema da minha pena é o Trigache, em Famões temos vários Trigaches (Trigache Sul, Trigache Centro e Bairro Novo do Trigache), mas o cerne será o meu bairro de residência – o Bairro Novo do Trigache, isto a propósito das pedreiras do Trigache, e já se perceberá a ligação.
Antes de mais assinalar a circunstância, única, de o Bairro Novo do Trigache, juntamente com o Bairro do Casal da Silveira, também em Famões, terem sido os dois primeiros bairros clandestinos (mais tarde a Lei haveria de chamar a estes clandestinos AUGIS – áreas urbanas de génese ilegal, do Município de Loures, ao qual todas as actuais freguesias do município de Odivelas, pertenciam), a receberem o Alvará de Loteamento, primeiro e importantíssimo passo, para a legalização dos bairros, tendo sido o primeiro Bairro a receber o alvará o Casal da Silveira, seguido do Bairro Novo do Trigache.
Este “prémio” só foi possível com o empenho, persistência, e resiliência de um grupo de pessoas, integrantes nas respectivas comissões de proprietários, que não arredavam o pé das reuniões do executivo de Loures, e da Assembleia Municipal de Loures, e no que tange ao Bairro Novo do Trigache, acompanhei quase todas, aprendi muito com o Riço Calado, Severiano Falcão e Demétrio Alves, os primeiros 3 presidentes da Câmara Municipal de Loures, eleitos pós 25 de Abril, no período durante o qual se desenvolveram os processos de legalização do Bairro Novo do Trigache, com a atribuição do Alvará de Loteamento.
O Topónimo Trigache já vem expresso nas crónicas do Padre António Carvalho da Costa, em 1712, onde nos dá noticia sobre o curato do “menino Jesus de Odivellas com 370 vizinhos distribuídos pelos seguintes lugares: Barrosa, Moreira (serra da amoreira?), Bica (ponte da bica?), Trigache, Porto (porto da paiã?) e Pombais”.
Muito próximo do meu bairro, existiam duas pedreiras cujas crateras ladeavam a estrada municipal (a qual era a instâncias da câmara de Loures pavimentada com pedra e gravilha, com mão de obra dos residentes nestes bairros, tendo o autor destas linhas ganho alguns calos nesse processo), e dela se extraíam as pedras do Trigache, utilizadas sob a forma de mármore, para aplicação de revestimentos interiores e exteriores, e delas se dava noticia nas memórias paroquiais de 1758, onde se registava terem daqui saído as pedras para a reconstrução de Lisboa, após o terramoto 1755, pedras para construção de vários templos e edifícios, não só para a Corte, como em todo o Reino para além de também ter fornecido matéria prima para a construção do Mosteiro de Mafra. A importância das pedreiras do Trigache foi, pois, enorme.
Recordo, ainda, quando em 1973 vim para cá, das explosões de dinamite utilizadas nas pedreiras e da enorme vibração que isso provocava nas habitações. Hoje, abandonada que foi a actividade de extracção de pedras, são condomínios habitacionais.
Um facto curiosíssimo é a existência em Beja de uma localidade de Trigaches, onde a actividade de extracção de pedras já foi a actividade principal da região, e a pedra saída dessas pedreiras também se chamam Pedras do Trigache, com características únicas e diferenciadoras, e por isso assumirem o nome da localidade – Trigaches – que já foi freguesia até ser unida a outra, em 2013, chamando-se agora União de Freguesias de Trigaches e São Brissos, com sede em Trigaches, distando esta aldeia 3 km do aeroporto de Beja.
Hoje a actividade dessas pedreiras, de onde saiu ao longo da história, desde o século I, pedra para a construção da cidade de Beja, e muitas edificações em Mérida (Espanha, sendo os restos de colunas e inscrições quase todas feitos em mármore do Trigache.
Quanto ao topónimo existe uma versão, lenda, local “um rei com o seu exército por aqui surgiu para conquistar estas terras aos seus poucos habitantes mandando rabiscar as casas à procura de pão e trigo. Um dos guerreiros terá encontrado um celeiro cheio de trigo e terá gritado ‘Trigo acho! Trigo acho!’ Daí terá derivado para Trigaches”.
Escavações recentes trouxeram á luz do dia a presença de uma necrópole da 1ª idade do ferro (Séc-VII a V a.c.) da Vinha das Caliças, tendo-se encontrado nas sepulturas armas e objectos que indiciam contactos com civilizações egípcia, fenícia, e grega. Á entrada dos Trigaches encontraram-se vestígios de termas romanas.
Já na nossa Trigache ouvi em tempos uma tentativa explicativa para o topónimo, como significando campos de trigo … porém isso é um Trigal.
Pergunto-me se tal como o Topónimo Odivelas foi importado do Alentejo para aqui (isso será objecto de um artigo próprio), também o terá sido o de Trigaches, face à existência de pedreiras também aqui. Ou, pode até acontecer que o tipo de pedra extraída em ambas as Trigaches seja idêntico.
São muitos denominadores comuns, para passar despercebido, e por isso convocar esta matéria – TRIGACHE – para esta sede, porque é … ÚNICO, e em Odivelas e só existe em Famões.
- Oliveira Dias
Politólogo