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Qual é o denominador comum entre John Fitzgerald Kennedy, Bill Clinton, Barack Obama e … Volodomir Zelesnki ?
Todos tiveram ao seu serviço, e Zelenski ainda tem, aquilo que hoje é uma profissão em expansão, na América, e altamente remunerada – o “seepchwriter” – ou um redactor de discursos, vulgarmente traduzido por “escritor de discursos”.
Não que qualquer deles não os soubesse fazer, mas o manancial de afazeres é tão avassalador que pese embora Kennedy, Clinton e Obama, fossem brilhantes oradores e com um know how politico-partidário bastante sólido, aliado a uma formação jurídico-académica semelhante, os três eram licenciados em Direito, e Obama até leccionava na universidade, que os habilitava a criar qualquer texto para discursos, já Zelenski, vem do mundo da televisão e entretenimento, onde os guiões da produção, são guias essenciais ao êxito, e ele sabe-o como ninguém.
Confesso, e permito-me uma nota pessoal, que o mundo do “Speechwriter” não me é desconhecido, embora com muito menor competência que os supra referidos, em razão da minha actividade profissional como chefe de gabinete de um presidente de câmara, para quem escrevi inúmeros discursos, editoriais, artigos e mensagens, não só para ele como também para a presidente da assembleia municipal, e ainda dois deputados regionais, em ocasiões pontuais.
Em regra, os líderes têm quase sempre mais do que um profissional deste calibre, pese embora existam sempre preferências, como era o caso dos presidentes americanos.
As pessoas encarregues de acompanhar, como uma sombra, os Presidentes americanos, colocando no papel os pensamentos destes, a fim de serem escrutinados por uma alargada plateia de ouvintes e destinatários, eram, acima de tudo, confidentes, conselheiros, estrategas, o porto seguro, nas dúvidas, os discretos pilares, do público sucesso dos seus “boss”.
Vejamos cada um deles supra referidos, em detalhe:
John Fitzgerald Kennedy, teve ao seu serviço o “Speechwriter”, Arthur M. Schlsinger Jr., (1917-2007), assistente especial presidencial, para os assuntos da América Latina e escreveu vários discursos para a campanha presidencial de 1960.
Mais tarde viria a escrever discursos para o malogrado irmão daquele, Robert Kennedy, em 1968. Foi um dos mais importantes “Speechwriter” de Kennedy, mas não o mais importante.
Esse lugar foi totalmente absorvido por Theodore Chaikin Sorensen, conhecido como Ted Sorensen, também com a função de assistente especial presidencial, filho do Procurador Geral do Estado do Nebraska e de uma Assistente Social.
O seu caminho cruzou-se com Kennedy quando este era Senador pelo Estado do Massachusetts, e na situação mais improvável – Ted trabalhava no Comité para a re-organização dos caminhos de ferro, e Kennedy, foi lá buscá-lo dizendo-lhe “preciso que me ajude a organizar um programa legislativo para a economia de Nova Inglaterra”.
A estreia de Ted com Kennedy deu-se com os três primeiros discursos deste no Senado, estando-lhe reservado o horário menos nobre, á noite, mas que rapidamente chamaram á atenção.
Como se vê tem tudo a ver … e no entanto Ted iria celebrizar Kennedy com os textos mais eloquentes de sempre e ainda hoje existem dúvidas sobre se a frase “Não perguntem o que o vosso País pode fazer por vós, antes perguntem-se o que vocês podem fazer pelo País” proferida no discurso de tomada de posse de Kennedy, em 1961, se é da autoria do politico ou do “Speechwriter”.
A mesma dúvida subsiste quanto à frase dita por Kennedy, aquando da sua primeira visita á Alemanha Federal e num comício muitíssimo concorrido gritou “Ich Bin Ein Berliner” (Eu sou Berlinense) para gáudio da populaça germânica que o aplaudia.
Aquando da crise dos misseis, de Cuba (cujo paralelo entra hoje pelos nossos écrans diariamente), consta que a forma como foi redigida a mensagem de Kennedy pelo seu “Speechwriter”, Ted, para o presidente soviético, NIKita Kruchev (umUcraniano), fez a diferença e evitou uma guerra (algo bem diferente hoje pois não se conseguiu evitar a guerra).
A ligação entre o “Speechwriter” Ted e o Presidente Kennedy era tal que o Presidente dizia que Ted era o seu “banco de sangue intelectual”.
Ted Sorenssen também escreveu discursos para o sucessor do malogrado Kennedy, Lindley Jonhson.
Ted caracterizou o processo de trabalho com Kennedy como ”colaborativo” assente na seguinte premissa – “O Presidente dá os pensamentos e as ideias, e eu forneço as palavras”.
Quando, em 2010, Ted faleceu, Caroline Kennedy referiu-se-lhe com tendo sido um amigo maravilhoso, e conselheiro do pai e de toda a família, já Barac Obama fez as seguintes declarações « Sei que a sua herança viverá nas frases que escreveu, nas causas que impulsionou e nos corações de todos aqueles que inspirou …»
Bill Clinton, quando passa de um modesto, apesar de bem sucedido, Governador do Arkansas, para a Presidência dos Estados Unidos da América, nomeia como assistente especial presidencial para os assuntos de politica internacional Vinca La Fleur, que constitui uma equipa para, com ela, acompanharem o Presidente, para todo o lado.
O sucesso foi tal que após o término do mandato de Clinton, ela criou uma empresa especializada em escrever discursos, para políticos, partidos, gestores, empresários, etc.
Vinca caracterizou o processo de trabalho com Clinton como “todo o discurso tem de contar uma história” afiançava que o mais importante era como o destinatário se sentiria por causa do discurso, nisso se centrando o foco da mensagem.
Barack Obama, gostava de fazer os seus próprios discursos, e era dotado de uma enorme retórica que a ninguém passava despercebida. Mas o tempo era o recurso mais escasso que possuía pelo que não tardou em se “entregar” nas mãos de um “Speechwriter”, cuja principal particularidade era a sua idade – apenas 24 anos, o mais jovem “Speechwriter” de sempre, Jon Fauren (terá sido ele o autor de Yes We Can ?).
Inicialmente começou por ser “Speechwriter” de John Kerry, candidato á nomeação democrata para a Presidência dos Estados Unidos, tendo ficado pelo caminho. Um mero acaso colocou-o na mira de Obama – estando a observar Obama a escrever um discurso teve a temeridade de o corrigir, quanto a um parágrafo … e Obama contratou-o.
Jon escreveu o discurso de tomada de posse de Obama, um dos textos mais impactantes proferidos por Obama, como de resto o foram quase todos os discursos de Obama.
A química entre o Seepechwriter Jon e o Presidente Obama era tanta que este afirmou ser Jon o seu “mind reader” (leitor de mente).
Jon Faureau, caracterizou o processo de trabalho com Obama como “ o que faço é sentar-me com ele durante meia-hora e escrevo tudo o que ele diz. Refaço e escrevo um esboço. O Presidente corrige e emenda, e no final sai o texto definitivo”.
O papel das duplas Kennedy/Ted Sorensen e Obama/Jon Faureau ía muito além da mera função de Seepchwriter, pois não se limitavam a redigir os discursos dos respectivos presidentes, eram também conselheiros muito próximos da presidência e com um poder de influência que ultrapassava os restantes membros (Secretários) do gabinete da Presidência – o equivalente ao nosso governo executivo.
Por essa razão tanto Ted como Jon acompanhavam os respectivos presidentes para todo o lado, o que implicava uma disponibilidade total, onde estivesse o presidente lá estavam os seus assistentes especiais/conselheiros, era um “ful time job”.
Um expert em matéria de “Speechwriter”, Borton Swaim, autor do livro “The Seepchwriter” resumiu a sua iniciação na profissão da seguinte forma: estando desempregado, mau grado a sua formação académica, com um doutoramento e anos de professor universitário, entretanto dispensado, estava certo dia lendo um artigo do Governador do Estado, Mark Sanford, em 2007, e resolveu escrever-lhe uma carta onde basicamente lhe dizia que não percebendo muito de programas estaduais, no entanto sabia escrever, e que ele, Governador, precisava de quem escrevesse para ele.
Acabaria por vir a ser contratado como “Speechwriter” daquele governador. E esta é uma outra razão pela qual alguém precisa de ter um “Speechwriter”– a necessidade de verter em letras a mensagem que procura transmitir a um público alargado, junta-se-lhe o “savoir faire” para ser bem sucedida essa função.
A conclusão é que dá sempre jeito ter um “Speechwriter” por perto, seja por um motivo, seja por outro.
Que o diga, actualmente, Zelensnski, habituado a que lhe escrevam guiões, como aconteceu para a série que o celebrizou na televisão ucraniana, premonitoriamente chamada “o Presidente”. O sucesso foi tal, na Ucrânia, que o oligarca dono da televisão logo aproveitou para incentivar a criação de um partido político cuja figura de proa seria o actor, candidatando-o nas eleições presidenciais (que com gosto custeou generosamente), e o resto o mundo já conhece.
Todos os discursos de Zelenski são obviamente cenicamente preparados, e o seu principal “Speechwriter” parece ser a primeira dama da Ucrânia, pois já era a principal redactora dos guiões da televisão para Zelenski. O busílis, é que outros “Speechwriter” ele terá, o que permite perceber a razão por que as mensagens de Zelenski são tão díspares, por vezes opostas, fazendo-o parecer um político errante, ou indeciso, ou, pior, poderá ser sinónimo de uma luta de poder interna ou bicéfala.
(excerto de texto adaptado a partir de uma obra ainda não editada do autor)
- Oliveira Dias
Politólogo