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“ Temos Soberania sobre as nossas contas, sobre as nossas despesas, e território, soberania que nos foi confiada pelos cidadãos que representamos …”
(Rui Moreira, Presidente da Câmara Municipal do Porto)
“ (As Regiões Administrativas) são um erro crasso, vêem criar uma nova classe politica, aumentar a burocracia, e gerar imensos problemas”, e ainda “a nossa tradição é o município”
(Cavaco Silva)
Quando um Presidente de Câmara “acha” que os municípios estão dotados de “Soberania”, seja por manifesta confusão (lapsus linguae) com “autonomia”, seja por total desconhecimento (incompetência), quer material, quer conceptual, algo vai muito mal pelas bandas de quem é associado da ANMP.
Estas declarações são motivadas pela vontade do Presidente de Câmara do Porto, pretender desligar-se da ANMP, no que é acompanhado pela sua oposição, em ambos os órgãos representativos, apesar de ser minoritário.
Alegadamente as suas razões escoram-se num deficiente desempenho dos órgãos directivos da ANMP, quanto à negociação do pacote de descentralização que o governo “negociou” com a Direcção da ANMP.
Percebe-se que as medidas alternativas às Regiões Administrativas, como é o caso destas “negociações”, à semelhança da reforma de Relvas quando legislou no sentido de criar as áreas Metropolitanas e as ComUrb (comunidades urbanas), são como a “meter o Rossio na rua da Betesga”, não resultam.
A juntar-se á festa, como que a dar uma prova de vida, porque já ninguém lhe liga nenhuma, surge Cavaco Silva, que foi durante uma década Primeiro-ministro, e durante outra década foi Presidente da República, para fazer declarações, veementes, em tópico, numa entrevista a um canal nacional de TV, sendo espantoso como alguém como ele, com a experiência que tem de governo da coisa pública, é tão impreparado, nesta matéria, e dispara estes disparates, que não resistem a uma serena argumentação que arrasa de alto a baixo as suas declaradas convicções.
Enfim … .
Antes de mais uma questão prévia: A Soberania reside no povo e concretiza-se, exclusivamente, em 4 órgãos de soberania, a saber, Presidência da República, Assembleia da República, Governo da República e Tribunais.
Depois temos uma administração pública central e outra local, grosso modo, sendo a central vinculada ao Governo da República, também designada de Administração Central, e a local vinculada às Autarquias locais, também designada como Poder Local, cuja principal característica é ser Autónoma, relativamente à administração central, daí derivando o termo autarquia, com raiz no conceito italiano de “autarcia” (auto-governo, independência face a terceiros), entre nós introduzido pelo Professor Marcello Caetano. Por esta razão as autarquias não estão sujeitas ao instituto pleno da Tutela, mas sim ao Poder de Tutela e ao Regime de Tutela, institutos que não cabe neste artigo explicar.
A Descentralização concretiza-se nas autarquias locais, e pode assumir várias formas e instrumentos, sendo que o legislador constitucional optou por fazê-lo nas Freguesias, Municípios e Regiões Administrativas. TODOS os Presidentes de Câmara têm de saber isto, que até aqui explanei sinteticamente. É o mínimo.
Aqui chegados, o primeiro erro em tudo isto é querer negociar a descentralização, um órgão de soberania (Assembleia da República e/ou o governo) não negoceiam, com outros órgãos não soberanos, ainda que constitucionais. Legisla. Legislar é impor unilateralmente o poder soberano de que se está investido. Negoceia quem vende tremoços, pevides e caramelos. Não é o caso.
O Segundo erro é arranjar remendos para fugir á questão essencial que são as Regiões Administrativas e a sua imperiosa necessidade.
O terceiro erro, é Rui Moreira achar que saindo da ANMP, o governo terá de negociar com o município do Porto seja lá o que for … que se saiba a ANMP faz parte do CES (Conselho Economico e Social) e por isso parceiro social, os municípios “de per si” não o são. Bem pode esperar sentado.
O quarto erro, é fazer exigências a uma associação nacional como é a ANMP, como se ela fosse um sindicato (há uns anos assisti, num congresso da ANMP, em Vilamoura, um Presidente de Câmara reivindicar a sindicalização dos Presidentes de Câmara) … e não o é.
O quinto erro, é Rui Moreira, e outros que mimeticamente lhe querem seguir as pisadas, não se sujeitarem ás democracias internas, da ANMP, e das deliberações dos seus órgãos. Se discorda de como funcionam as coisas internamente, então que reaja, internamente, com os meios que os estatutos e regulamentos colocam ao dispor. Não me parece muito avisado enfraquecer a ANMP, porque não aproveita a ninguém. Se for necessário rever regras internas, então que seja, e se calhar até é.
Aliás em bom rigor, uma vez que existem 3 associações de municípios, ANMP, AMRAM (associação de municípios da região autónoma da madeira) E AMRAA (associação de municípios da região autónoma dos açores), melhor seria que no continente existissem associações de municípios por distritos, e a ANMP federaria todas elas. Desta forma descontentamentos localizados, não afectariam o todo nacional. Fica aqui a ideia, quem sabe … .
Toda esta situação é impulsionada pela inexistência das Regiões Administrativas, pois a existirem, seria mais adequado neles transferir as atribuições e competências que ora se pretende fazer, nos municípios – assim é como o sapatinho da Cinderela – não se ajusta.
O maior erro de todos ainda é a bizarrice dos órgãos da ANMP incorporarem Presidentes de Junta (o congresso da ANMP tem a seguinte composição; 1/3 Presidentes de Câmara (308), outro 1/3 Presidentes de Assembleia Municipal (308), e outro 1/3 Presidentes de Junta (308), estes escolhidos entre os pares com acento nas respectivas Assembleia Municipais, das quais são membros por inerência. As Freguesias têm, e bem, a sua própria associação nacional – ANAFRE – pelo que a ANMP abusivamente se imiscui em seara alheia. Está na hora de acabar com isso.
Oliveira Dias
Politólogo