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O dia de Portugal, de Camões, e das Comunidades Portuguesas, a 10 de Junho, é um feriado de uma tríplice celebração, que a todos diz muito, a vários títulos, por várias razões.
Portugal não nasce a 10 de Junho, na realidade, dependendo da perspectiva assim se posicionam as apologias, dos diferentes momentos fundadores.
Para uns o momento fundacional foi a assinatura do tratado e Zamora, chancelado na cidade de Zamora em 1143, em 5 de Outubro (curiosa coincidência é nesta data celebrada a queda da monarquia e a instauração da república), entre os primos D. Afonso Henriques, conhecido pela mourama como Ibn-Arrik, e D. Afonso VII, Rei de Leão, pelo qual este reconhecia Dom Afonso Henriques como Rex Portugalensis, e o condado portugalense como Reino, embora, mais tarde se atribui-se a si próprio o título de Imperador … .
Para outros, o momento chave, foi a Bula Papal “Manifestus Probatum” de Alexandre III, publicada a 23 de maio de 1179, marcando assim, de direito, o nascimento do Reino de Portugal, pelo menos, e não é de somenos, perante toda a cristandade. Isto foi o corolário natural de todo um estratagema gizado por um ilustríssimo bracarense, D. João Peculiar, Bispo de Braga, á época de D. Afonso Henriques, fazendo da escolha desta cidade uma feliz opção para a realização, este ano, da comemoração oficial deste tríplice feriado.
D. Afonso Henriques não fez tudo sozinho, teve ao seu redor uma elite de homens, todos eles co-responsáveis pelo nascimento do reino de Portugal, tais como na componente militar teve a seu lado Gualdim Pais, cabeça dos cavaleiros templários em Portugal, cuja Ordem saiu da cabeça do abade Bernardo de Claraval, primo do Conde D. Henrique, pai de Afonso Henriques, assim como foi, o abade, mentor do “Porto do Graal” (em latim Portugraal) ou seja Portugal, na componente marítima D. Fuas Roupinho, irmão de D. Afonso Henriques, e por ele nomeado Almirante da marinha de guerra portuguesa, cuja acção afastou para bem longe os piratas das costas portuguesas, e ainda o temível guerreiro Geraldes cognominado “o sem pavor”, que pelas planícies alentejanas semeou o terror entre a mourama. Conta a lenda que Geraldes só tinha “pavor” de um homem na terra … era de D. Afonso Henriques. No plano jurídico, o grande apoio de D. Afonso Henriques foi o Bispo de Braga, D. João Peculiar.
Pouco falado, mas sabe-se que foi D. João Peculiar quem gizou, junto de D. Afonso Henriques, o plano de enviar ao Papa um pedido de protecção, sob a forma de carta a “Clavis Regnum”, pela qual o jovem “Rei” Afonso se propunha fazer a entrega das “Chaves do Reino” ao Papa, colocando-se assim sob a sua protecção, naquilo que era conhecido como um instituto jurídico da “Liberdade Romana” (nullius ecllesie”), através do qual o recipiendário se libertava de qualquer poder secular (assim afastava qualquer pretensão do reino de Leão e do seu “imperador”), e obtinha a protecção exclusiva do Papa. Muito inteligente esta opção, de resto já a Ordem dos Cavaleiros Templários beneficiavam da mesma prerrogativa.
Outra boa opção, foi esta “clavis regnum” ter sido dirigida ao então anti-Papa Inocêncio II, pupilo de Claraval, mas que logrou, por negociação com o seu opositor, obter a renúncia deste, acabando com a quezília dos anti-papas, permanecendo então ele, Inocêncio II, como Papa legitimo. Porém, quando a carta chega à chancelaria papal, já Inocêncio II tinha falecido á 3 meses, e foi o seu sucessor o Papa Lúcio II, na breve carta Devotionem Tuam, em 01 de Maio de 1144, quem aceitou a “oferta” de D. Afonso Henriques. Imagine-se se a carta fosse dirigida ao “Papa” errado ? Tudo seria diferente, para nós. Obviamente que os bons ofícios de Bernardo de Claraval e de D. João Peculiar foram vitais no sucesso do nosso Primeiro Rei (pese embora antes dele já sua mãe assinasse os documentos com o título de “Regina”, ou seja Rainha). Enfim, foi esta bula que concedeu a “liberdade romana” ao nosso Afonso, embora contra um tributo em prata e ouro.
Em jeito de reforço à singularidade de Braga, e a sua importância na nossa história, recordar que o pai de D. Afonso Henriques, o Conde D. Henrique, nomeara para Bispo de Braga D. Maurício Burdino, oriundo da Provença, e tendo-o enviado como seu embaixador a uma Cúria, acabou sendo nomeado Papa, reconhecido em grande parte do mundo cristão, mas convulsões internas no seio do papado, haveriam de o transformar em anti-Papa, e acabar os seus dias no calabouço. Azares. Registe-se que deste Reino saíram 3 Papas, D. Dâmaso, nascido em terras de Guimarães, tendo ordenado a S. Gerónimo a tradução da bíblia para o latim vulgar, falado pelo povo, ficando conhecida como a “Vulgata”, D. Maurício Burdino, saído de Braga fêz-se Papa, e o Lisboeta João XXI, baptizado Pedro Julião Rebolo e mais conhecido como Pedro Hispano.
Numa prelecção dada, em 1997, no Rio Grande do Sul, no pólo universitário de Caxias do Sul, onde me pediram para falar de Portugal, percebi o ar de espanto da plateia quando referi ser Portugal o país mais antigo do mundo ocidental, e de como era impressionante nos podermos gabar dos nossos quase 9 séculos de história, com as fronteiras que temos. Ainda há pouco tempo num serviço público um cartaz anunciando o aniversário dos 840 anos do registo e notariado português me fez pensar que mais nenhum país na europa se pode gabar disso. Outro episódio que conto com indisfarçado orgulho foi no meu serviço militar obrigatório, quando em exercícios militares internacionais em Santa Margarida, um “marine” americano me dizia “ooh no nosso país temos coisas muito antigas, com 200 anos …”, e eu retorqui “bem, em Portugal coisas com 200 anos são apenas velhas, porque para ser antigo têm de ter pelo menos mais de 400 anos”, o “marine” ficou incrédulo.
Também no continente americano, mais concretamente na américa do sul, no tempo de Hugo Chávez, um zeloso patriota do governo do Estado de Caracas, me perguntava que herói nacional Portugal tinha, pois na Venezuela o celebrado herói nacional era Simon de Bolívar … disse-lhe que tinha muita dificuldade em nomear apenas um, porque os nosso 9 séculos de história legaram-nos não um mas centenas de heróis nacionais. O Venezuelano sorriu e ficou pensativo.
Luís Vaz de Camões, é incontornavelmente, herói, vate, nobre, rebelde, e tudo o mais que lhe quiserem apelidar. Teve uma vida plena, e morreu, segundo as suas palavras no leito de morte “com a pátria”. É dele a imortal frase “ …e aqueles que da lei da morte se vão libertando …” sem adivinhar que a ele assenta que nem uma luva essa frase.
O Padre António Vieira, Fernando Pessoa, entre os vates são gigantes, mas Camões é o autor da imortal história lusíada, a que deu por título “As Lusíadas”, mas que a inquisição obrigou a mudar para “Os Lusíadas”. Se a história narrada nos Lusíadas era a dos nosso grandes navegadores, nos feitos marítimos do nosso povo, o prémio desse guerreiros era a ilha com as ninfas que aguardavam os marinheiros, por isso as Lusíadas, ou seja, o prémio. Mas o “lápis azul” já nessa época era muito afiado.
Seja como for também lhe é dedicado este 10 de Junho, não por ser a data do seu nascimento que esse é um segredo da história ainda não revelado, apenas se sabendo que terá sido por volta de 1524.
A trilogia deste feriado 10 de Junho completa-se com a celebração da nossa diáspora, as nossas comunidades.
Durante muito tempo dizia-se que a cidade que mais portugueses aglutinava, no mundo, era Paris, onde cerca de 1 milhão de emigrantes viviam e labutavam, sendo que Lisboa só tem metade em população, e cerca de milhão e meio se deslocam dos arredores para a capital para trabalharem.
Existem, no seio das nossas comunidades, por esse mundo fora, umas mais pró-activas outras mais reactivas, e de entre elas tive o privilégio de visitar, oficialmente, aquela que é considerada a mais importante de todas, ao ponto de os Presidentes da República Portuguesa terem de a visitar pelo menos uma vez, é da praxe – é o Centro Português de Caracas, na Venezuela.
O Centro Português de Caracas é uma espécie de enorme condomínio fechado, com segurança armada, embora discreta, cujo acesso é reservado aos associados, quase todos emigrantes portugueses, onde se podem encontrar todo o tipo de serviços, é uma autêntica cidade. Os emigrantes saem das suas casas, para trabalhar, passam no centro e ali deixam a família, para no final do dia os recolherem e regressarem às suas casas. A cidade de Caracas, apesar de ser a Capital da Venezuela, é uma cidade violenta, e obriga a este tipo de cuidados. Poucos se atrevem a sair á noite para um passeio, e ninguém se atreve a sair da cidade sem ser em caravana e em velocidade.
A única vez na vida que tive uma metralhadora apontada a mim foi nos arredores da cidade de Maracaibo, á noite, num ponto de controlo militar, onde fui revistado como se fosse um criminoso de delito comum. Foi um susto.
Nessa visita oficial ao Centro Português de Caracas, em conversa com o Director para os assuntos culturais, ele queixava-se em tom desolado, que se aproximava o dia 10 de Junho, para eles tão importante e não conseguia que uma figura importante os visitasse. Referiu uma visita que Eusébio ali fizera uns anos antes, e contou um episódio menos positivo que me dispenso aqui referir.
Ainda por cima, acrescentou ele, naquele ano (2006) iam inaugurar o Prémio literário Fernando Pessoa.
Olhei para ele fixamente e perguntei “dava jeito terem cá o sobrinho do Fernando Pessoa? Com o prémio em honra do tio e tudo era uma boa não”.
Um sorriso de orelha a orelha estampou-lhe o rosto, exclamando “épa isso era estrondoso, mas ele é vivo?”. Respondi “Sim o sobrinho do Fernando Pessoa, Rosa Nogueira Dias é cirurgião, já tem uma provecta idade, mas está para as curvas, é meu amigo pessoal e posso falar com ele já se quiser …”. Com o aceno de cabeça do Director, fiz uma ligação para o Rosa Dias, que estava em Londres, e fiz-lhe o convite em nome do Centro Português de Caracas. Convite aceite.
E foi assim que contribui, modestamente, para uma alegria ao Centro Português de Caracas. O Rosa Dias esteve em Caracas, abrilhantou as celebrações, deu várias palestras em universidades e deu cerca de 3 entrevistas por dia, em 10 dias que lá esteve, a rádios, televisões e jornais. Foi estou certo, um 10 de Junho bem diferente aquele de 2006, em Caracas.
Só me esqueci, na altura, de dizer ao Rosa Dias, hoje já com o criador, que um dos Estados em que se divide politica/administrativamente a Venezuela, se chama “Portuguesa”, o gentílico é “portuguesenho”, e se tivesse oportunidade para isso visitar essa terra.
A razão desse estado se chamar “Portuguesa” atesta bem a frase “em cada canto há um português ou uma portuguesa” … esse estado assumiu o nome de um rio importante que o atravessa, a que se dá o nome de Portuguesa, e conta a lenda que uma bela e nobre colona daquelas terras se teria afogado no rio, razão porque foi baptizado com a nacionalidade da dama, e mais tarde com a formação dos Estados, aquele assumiu o nome do seu rio mais importante – PORTUGESA.
O Estado Portuguesa, na Venezuela, é assim um dos muitos testemunhos dos nossos nacionais que em diáspora disseminam o nosso nome, tradições e valores por esse planeta fora.
Orgulhemo-nos disso. Sempre.
Oliveira Dias
Politólogo