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No passado dia 15 de Junho de 2022, a Assembleia da República encetou a apreciação e pronuncia sobre a Petição n.º 612/XIII/4ª, assinada por 4.366 cidadãos, cujo objectivo era o de levar o legislador e o executivo a agir “Contra o Fim da Linha Amarela do Metropolitano de Lisboa”. 3 anos após a entrada nos serviços da Assembleia da República e um ano após a emissão do Relatório Final produzido pelo Deputado Relator, Dr. Carlos Silva, lá encontraram um tempinho para incluir na agenda parlamentar esta iniciativa popular.
Recordam-se a seguir as premissas da Petição n.º 612/XIII/4ª:
- Logo após as obras e inauguração da futura Linha Circular do Metro de Lisboa, a Linha Amarela passará a ligar Odivelas apenas a Telheiras;
- Tal obrigará milhares de passageiros que diariamente apanham o metro no concelho de Odivelas e na parte alta de Lisboa a mudar de linha no Campo Grande para chegar a estações como o Rato, o Marquês de Pombal ou o Saldanha, que passarão a ser estações da futura Linha Verde Circular;
- Sabe-se que a estação de Metro de Odivelas é a terceira mais movimentada da Linha Amarela, ultrapassando mesmo a estação do Marquês de Pombal, ficando só atrás das estações do Campo Grande e de Entre-Campos. Acresce ainda que o somatório das entradas e saídas de passageiros nas estações de Odivelas, Senhor Roubado, Ameixoeira, Lumiar, Quinta das Conchas e Campo Grande não tem comparação com qualquer outro ponto da rede;
- O argumento principal para esta mudança, o aumento das frequências, é falacioso, porque a redução dos tempos de espera não depende do formato da Linha, sendo que a hipótese de coabitação da actual linha Amarela com a futura Linha Circular, representam uma falácia pois não constam do projecto, sendo que se esta avançasse além da enorme redução das frequências – justificação-maior para esta obra e alteração –, faria acrescer um conjunto de riscos operacionais e de riscos sobre os passageiros muito para lá de qualquer hipótese de mitigação;
- Esta solução revelar-se-á uma opção menos atractiva para os passageiros que entram e saem nas estações da Linha Amarela situadas a norte do Campo Grande, pois empurrará muitos destes utentes de novo para os seus automóveis, com consequências no aumento do tráfego automóvel, no aumento da sinistralidade rodoviária, no aumento do stress e, pior, no aumento da poluição.
Com a Petição n.º 612/XIII/4ª procurou-se que o Plenário encontrasse as melhores medidas legislativas no sentido de induzir o Governo a não avançar com o Plano de Expansão do Metropolitano em marcha, permitindo assim regressar aos princípios de expansão expressos no Plano anterior, nunca esquecendo a necessária discussão pública, as audição dos órgãos de Poder Local implicados, das ordens e dos organismos de vigilância técnica, das organizações representativas dos trabalhadores do Metropolitano e das organizações volvidas à defesa da mobilidade e transporte das populações implicadas.
Apesar de o Movimento de Cidadãos “Contra o Fim da Linha Amarela”, se encontrar em actividade desde 2018 há um conjunto de iniciativas próprias e outras impulsionadas que importa destacar:
- 2019, Março: Entrega de Abaixo-Assinado popular e Reuniões com os Grupos Parlamentares;
- 2019, Março e Abril: Participação em Encontros em Telheiras e na Estrela;
- 2019, Abril: Intervenções em Sessões da Assembleia Municipal de Odivelas;
- 2019, Maio: Intervenção em Sessão da Assembleia Municipal de Loures;
- 2019, Julho: Acção de contacto com os utilizadores da Linha Amarela do Metropolitano de Lisboa;
- 2019, Julho: Aprovação pela Assembleia da República da Resolução n.º 167/2019, de 10 de Setembro recomendando ao Governo a suspensão da Linha Circular e o estudo de um plano de mobilidade da AML;
- 2019, Setembro: Acção de Informação à População na saída da Estação do Metropolitano de Odivelas, com a Participação do BE, do CDS/PP, do PAN, do PCP e do PPD/PSD e do Grupo da Estrela;
- 2020, Março: Audição Pública Parlamentar n.º 15-CEIOPH-XIV, dos proponentes da Petição n.º 612/XIII/4ª, por deputados da Assembleia da República, ocorrida em Odivelas;
- 2020, Março: Aprovação pela Assembleia da República da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Lei do Orçamento do Estado de 2020), que nos artigos 282.º e 283.º manda suspender a construção da linha circular, estudar o prolongamento para Alcântara, estudar um plano de mobilidade para a AML e dotar as estações com meios de acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida;
- 2021, Fevereiro: Pedido ao Tribunal de Contas informação sobre a compatibilização dos vistos para os contratos dos 3 lotes de construção da linha circular, o primeiro ainda em 2020, face à Lei n.º 2/2020, de 31 de Março;
- 2021, Maio: Exposição à Senhora Provedora de Justiça das diversas incongruências e ilegalidades do processo.
Num país onde a crise da cidadania é até exigida por muitos agentes políticos, ao vermos como este processo correu facilmente poderemos entender o desapego dos cidadãos à coisa pública. Apesar de se ter conseguido a apresentação de Propostas de Resolução e a aprovação de Resoluções da Assembleia da República, além da introdução dos artigos 282.º e 283.º na Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Lei do Orçamento do Estado de 2020) e de se ter feito isso agregando quase todos os partidos políticos (o Partido Socialista foi o único que se apartou desta vontade colectiva), neste dia em que o Parlamento apreciou a Petição n.º 612/XIII/4ª, também se verificou a apresentação de Propostas de Resolução pelo Bloco de Esquerda, pelo PAN e pelo PSD, que vimos baixar à 11.ª Comissão para discussão e votação na especialidade. Vimos ainda um Parlamento unido quase na totalidade em torno desta necessidade de se parar esta obra que avançou contra a Lei, sendo que ainda assim foi por muitos defendida a proposta apresentada pelo PSD de conversão da tal Linha Circular numa Linha em Laço, para assim não haver perdas financeiras com as obras já iniciadas, mas também não haver perdas de bom-serviço por ninguém. Uma solução onde ninguém ficaria a perder. Uma solução que deixou a nú a intransigência do PS. O facto é que esta solução garante manter a ligação de toda a rede ao centro da cidade não sendo necessários transbordos. Tudo isto recebeu um enorme NÃO pela bancada do PS, que enviou como seu porta-voz o Deputado Pedro Anastácio. A prestação deste Deputado diz-nos muito sobre a forma como o próprio PS está neste projecto, uma intervenção nervosa, auto-satisfatória, sem argumentos, incapaz de abordar este debate, sem racionalidade, sem cordialidade e sem lealdade para com as populações e em particular para com os seus pares. O senhor Deputado do PS que interveio chegou-me a fazer sentir vergonha alheia. Desde aquela oratória de conflito fácil, a mentiras como afirmar que seria um logro a ideia de que iria haver transbordos – a loucura, ou seria o desespero -, culminando naquela frase a roçar um elitismo nada democrático, que provocou desconforto à própria bancada do PS, em que ele disse que estava ali para falar só com os outros Deputados. Caramba! A sério?
Por outro lado este Senhor bem como muitos socialistas insistem que o Parlamento não poderia ter aprovado os artigos 282.º e 283.º, da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Lei do Orçamento do Estado de 2020), esquecendo ou desconhecendo a alínea z), do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição da República, que define que as bases do ordenamento do território e do urbanismo são da reserva exclusiva da Assembleia da República, e que este projecto impõe uma profunda alteração precisamente a este quadro jurídico. De igual forma, pelo surgimento avulso de medidas ora volvidas à bilhética, ora volvidas ao transporte colectivo rodoviário como a Carris Metropolitana, ora estes ensejos de expansão do Metro, o Partido Socialista com presença reforçada no Governo e nas Autarquias da Grande Lisboa, continua a resistir à ideia de estruturação de um sistema de mobilidade na Área Metropolitana sem que esta ocorra com arranques desintegrados de um planeamento geral, cuja elaboração deve ser feita por estudos divulgados, conforme dita o n.º 5, do artigo 65.º, da CRP.
Foi recordado por um dos deputados, que a escolha da Linha Circular foi feita pela própria administração do Metropolitano sem querer comparar com alternativas. Não, não são as oposições que não gostam dos estudos. O que ninguém gosta é que se tenha escolhido um estudo para sustentar esta decisão que compara o incomparável, como foi comparar a viabilidade económica de levar a Linha Vermelha de São Sebastião a Campo de Ourique com a chegada do Metro via Estrela e Santos ao Cais-do-Sodré.
A quem ainda tal desconheça, importa recordar que a ideia da Linha Circular é uma criação do ano 2009 da Senhora Engenheira Ana Paula Vitorino e do Consultor da Trenmó, do Porto, Álvaro Costa. Este, na altura justificou a bondade da Linha Circular com os movimentos pendulares, que a Linha Circular iria ter uma grande procura durante o dia enquanto a linha de Odivelas só tinha movimento de manhã e ao fim da tarde. Ao que parece este especialista reviu a sua posição pois recentemente afirmou que “a nova procura é mais flexível a vários níveis, o peso da pendularidade reduz-se, bem como … o número de deslocações será muito mais regular durante o dia”. Ou seja, os motivos encontrados em 2009 nunca existiram.
Teria sido interessante que um Consultor de Transportes não desvalorizasse a ideia de policentrismo e de disseminação da cidade em troca da pendularidade, porque isso equivale a chamar exclusivamente dormitório a partes da cidade e da Área Metropolitana.
Teria sido interessante que quem nos Governa não nos tratasse como seus objectos com utilidade meramente contribuinte e cumpridores de uma espécie de Sabat que surge de 4 em 4 anos, quando às urnas somos chamados. A democracia não pode ser só isso. A democracia não é mesmo só isso. Sendo que quando quem tem de ouvir, faz ouvidos de mercador, aqui cheira a esturro.
Estranha-se que nem sequer a solução em laço / loop, fosse considerada. Algo que ainda poderia acontecer.
– Paulo Bernardo e Sousa | Politólogo