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Famões tem coisas únicas, e nem sempre suficientemente valorizadas, de quando em vez falarei de algumas delas, visto que os meus mais de 40 anos como famoense me dão lastro q.b. para o fazer, razão porque vou abordar o Moinho da Laureana.
Antes de mais destacar que os moinhos de vento são uma tecnologia milenar, havendo registo da sua utilização desde o século V, e há notícia de ter sido no Irão, então chamada Pérsia, através de Al-Tabari, a sua primeira utilização para fazer farinha, em 644. Já na Europa, assinala-se que o moinho mais antigo dataria de 1185, na Inglaterra. Em Portugal, esta tecnologia foi introduzida pelos Árabes, e existe uma referência, aos moinhos de vento, da autoria de um Árabe, natural de Alcabideche, Ibn Mucana Alisbuni, que ali viveu por volta do ano 1.000 D.C. nos seguintes termos:
“Ó tu que habitas Alcabideche! Oxalá nunca te faltem cereais para semear nem cebolas nem abóboras! Se és homem decidido precisas de um moinho que trabalhe com as nuvens sem dependeres dos regatos. Quando o ano é bom a terra de Alcabideche não vai além de vinte cargas de cereais”.
Molinum, de molo, é a palavra latina de onde deriva a palavra “Moinho” com o significado de moer, triturar cereais ou dar à mó. A Farinha era tão importante que era comum, como pagamento da sua produção (moagem) deixar ao molinheiro entre 5 a 10% do produto.
O termo de Lisboa, é dado como tendo um moinho de vento em 1262, mas a sua proliferação apenas se deu a partir do Século XVII, sendo o mais característico os de construção cilíndrica em edifício de alvenaria, com capelo (a parte superior, telhado ou chapéu) rotativo (assim permitia rodar o capelo para melhor estar direccionado para o vento), através de um “sarilho” interior (peça mecânica rodada, com dentes) e dotado de velas triangulares de pano, com dois pisos – o piso superior e a loja (assim se chamava ao piso térreo, não habitável) ou seja, tal como se apresenta hoje o “nosso” moinho famoense (datando de 1763 segundo o livro das décimas desse ano). Lisboa chegou a ser a maior capital europeia dos moinhos contando em número de cem moinhos. Apesar de tudo a partir de 1880, a concorrência com a capacidade de produção inglesa, levou ao abandono progressivo dos moinhos portugueses, e em 1925, findou, em Lisboa, a actividade de moagem com moinho de vento, que só no século XX chegou Portugal a ter 3.000 moinhos de vento, em todo o País.
É único porque, dos 35 moinhos identificados no município de Odivelas (assim distribuídos segundo informação do património odivelense: localidade de Odivelas 14 moinhos; Famões, 8 moinhos; Caneças, 5 moinhos; Ramada e Pontinha, 4 moinhos cada uma) , é um dos 3 moinhos recuperados, e o único propriedade municipal, cuja recuperação foi decidida em 1999, e terminada em 2001, totalmente funcional, por altura da celebração do 3º aniversário do Município, e segundo dados do município foi já visitado por cerca de 10.000 pessoas, desde estudantes das nossas escolas, especialistas e investigadores, nacionais e estrangeiros.
Uma primeira conclusão é a de que a criação do município de Odivelas, em 1998, impulsionou esta monumentalidade, e muito me orgulho não só do meu contributo para um e para o outro projecto, na primeira pessoa.
Hoje é um núcleo museológico da maior importância, designa-se moinho da Laureana, sito no jardim Gertrudes da Velha, Famões.
Mas … isto tem uma história que lhe subjaz, que não é conhecida, porque não descrita em sitio algum, mas da qual, como protagonista privilegiado, estou em condições de dar pública nota.
Em 1992, o moinho da Laureana, era propriedade privada, em condição de ruína, exibindo apenas as paredes incompletas, bem assim privados eram os terrenos em que se achava edificado, sem possibilidade de construção, pois estava classificado como zona “non aedificandi”. Dito de outra forma, o imóvel rústico não tinha qualquer valor comercial, quando muito dava para lá cultivar batatas.
Nesse ano numa sessão da recém criada (1989) freguesia de Famões, foi anunciado com enorme júbilo, pelo Presidente a Junta, um “negócio da china”, assim lhe chamou, pois conseguira que a Câmara Municipal de Loures, aceita-se permutar uns lotes existentes na Quinta das Pretas, propriedade do município, pelo lote do moinho, trazendo para a esfera pública aquele património.
Este entusiasmo não foi acompanhado por alguns membros da assembleia de freguesia, cujo líder de bancada era o autor destas linhas, por um lado, e por outro pela população da Quinta das Pretas, incrédulos com a notícia.
As razões eram singelas, se por um lado se veio a descobrir que a “proposta” daquela permuta foi apresentada em Loures como sendo da autoria da Junta de Freguesia, órgão onde nunca foi discutida semelhante matéria, por outro a população indignou-se por ver lotes municipais destinados, desde 1980, a equipamento colectivo (jardim e parque desportivo), perderem essa finalidade para dar lugar a … 3 prédios urbanos de habitação e comércio, privados. Ou seja o proprietário do terreno da Gertrudes da velha, de uma propriedade sem valor comercial, passou para uma propriedade que lhe renderia alguns milhares de contos.
Nessa senda apresentei, junto da Câmara municipal de Loures, em 25 de Janeiro de 1992, um parecer politico ao processo municipal nº 11.325 DAU, suscitando a circunstância de a Câmara ter deliberado com base numa proposta atribuída verbalmente a um órgão, sem o ter sido, propondo um referendo local em razão de matéria, e por outro lado a população apresentou uma exposição em abaixo-assinado insurgindo-se contra o “negócio”, por lesar o interesse público, da população da quinta das pretas.
Esta matéria deu muita polémica, na altura, reuniões com a população, comunicados e contra-comunicados, convulsões politicas, 3 suspensões de mandatos, mas no final Loures foi inflexível, e o negócio vingou. Já que o Moinho da Laureana, de património privado passou a património público, pessoalmente não descansei enquanto não o vi reabilitado, funcional, para a população. Valeu a pena.
– Oliveira Dias
Politólogo