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Confesso, que quando li na edição do jornal Público de 8 de Setembro de 2020, uma notícia anunciando uma iniciativa da ministra da justiça de então, Francisca Van Dunem, sobre a criação de uma agência visando o combate à corrupção, a elaboração de planos e códigos de conduta, dei por mim a pensar que essas iniciativas, numa lógica matricial, necessariamente estaria condenada a interligar-se com um outro normativo, que muitas dores de cabeça estava a dar a muito boa gente – o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD).
O documento passou pela fase de discussão pública, fóruns e um conjunto de acções informativas, com o objectivo de recolher contributos e sair melhorado.
Em 2021, lá sai o diploma que instituiria o Mecanismo Nacional Anticorrupção – MENAC, (Decreto-Lei nº 109-E/2021, de 9 de Dezembro), por um lado, e por outro estabeleceu o Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC). Mais uma sigla que vai andar de mãos dadas com o RGPD. Mais uma dor de cabeça para os eleitos locais. Já explico.
Tenho alguma dificuldade em entender a razão que leva o legislador a, num mesmo diploma, dispor sobre várias matérias, como é o caso, de resto à semelhança do Regime Jurídico das Autarquias locais, o qual está vertido num diploma que também trata outras matérias, que não estritamente autarquias locais (a não ser que se considerem as áreas metropolitanas e as comunidades urbanas, autarquias locais, violando, nesse caso, a característica representativa – leia-se a eleição universal pela população – imposta pela CRP).
Neste caso, o diploma cria e regula o organismo nacional que terá a seu cargo a fiscalização da implementação da Lei, e simultaneamente fixa o quadro ao qual as entidades publicas e privadas, que empreguem mais de 50 colaboradores, inclusive, terão de se sujeitar, fazendo uma analogia o MENAC está para a CNPD (Comissão Nacional para a protecção de Dados), como o RGPC (Regime Geral de Prevenção da Corrupção) está para o RGPD (Regulamento Geral de Protecção de Dados.
Porém, não se pense que ficam dispensados do RGPC as entidades com menos de 50 colaboradores, longe disso, têm, apesar de tudo, de cumprir com requisitos mínimos que assegurem a transparência.
Mas, afinal o que é o RGPC ? É um sistema de gestão, da mesma forma que o RGPD também é um sistema d egestão.
O RGPC, escora-se nos seguintes pilares fundamentais, dos quais faltando um, falha tudo o resto, a saber:
1 – Adopção de programas de cumprimento normativo no sector público (programas de public compliance), dito de outra maneira, e no caso das autarquias locais, é imperioso elaborara e aprovar um Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção, Infracções Conexas e Conflitos de Interesses, que o diploma designa abreviadamente por PPR, mas cuja sigla completa é PPRCICCI, tem que ser designado um responsável pela execução deste plano, que tanto pode ser o Presidente do órgão executivo, como pode ser outra pessoa;
2 – Código de Ética ou Conduta, este, em boa verdade, é um instrumento que não é novidade, na realidade as autarquias locais já eram obrigadas a terem um ao abrigo da lei 52/2019, de 31 de Julho, a propósito das ofertas acetes por titulares de cargos políticos e públicos, para além do próprio RGPD, no seu Artº 40º o exigir instrumento semelhante, pese embora para detalhara as especificidades do Regulamento Geral de Protecção de Dados. Obviamente as autarquias podem optar por possuir 3 Códigos de ética e de Conduta, cada um em função do diploma respectivo … ou, como aconselho vivamente, fundir tudo num único instrumento.
3 – Formação, também à semelhança do RGPD, também o RGPC obriga a que se envolvam os recursos humanos da autarquia em formação específica, e para que esta seja consequente, a concretização da formação obriga a um planeamento anual prévio, e á efectiva existência do PPRCICCI, do Código de Ética ou Conduta, do Canal de Denúncia, da mesma forma que a formação do RGPD exige a existência da Politica de Privacidade e do Código de Conduta.
4 – Canal de Denúncia, este é um meio parametrizado para garantir a confidencialidade e o anonimato, consoante adequado, das denúncias, internas ou externas. No que tange as autarquias locais existe aqui uma especificidade – se em todos os anteriores ficam fora da obrigação as autarquias locais com menos de 50 colaboradores, neste, no canal de denúncia, mesmo que a autarquia local tenha mais de 50 colaboradores, mas menos que 10.000 habitantes não é obrigada a ter um canal de denúncia. O problema é saber como identificar o número de habitantes … pelo número de recenseados não será, pois nem sempre a condição de recenseado condiz com a de habitante e vice-versa … .
5 – Por fim, a nomeação do Responsável pelo Programa de cumprimento normativo
Pode gerar alguma confusão, mas o RGPC, prevê, de forma mandatória, a existência de 2 responsáveis: Um pela execução do PPRCICCI, e outro pelo cumprimento normativo, ou seja pelo próprio RGPC. Ambas são indelegáveis, a primeira tanto pode ser o Presidente do órgão executivo, como outra pessoa qualquer, o segundo tem mesmo de ser o Presidente do órgão executivo, e é indelegável. Compreende-se, porque ambos têm de actuar de forma autónoma, logo não podem ser delegados, porque esta impõe sujeição hierárquica e a delegação pressupõe sempre a possibilidade de avocação, algo que este diploma não admite.
Aqui a analogia é com o DPO do RGPD. A dúvida é se o DPO pode acumular com a função de responsável pelo PPRCICCI … . Sendo matéria de consultoria, abstenho-me de adentrar no tema.
Ora qual o papel dos eleitos locais nisto tudo? Á semelhança das sanções por violação ao RGPD, também aqui são pesadas as penas, não só as do próprio diploma em causa, como as acessórias, ou seja as da tutela Administrativa (perda de mandato), e as de caracter financeiras (direito de regresso exigíveis aos eleitos), e as de caracter indemnizatório, ao abrigo da responsabilidade Civil extracontratual do estado.
Este diploma entrou em vigor este mês, de Junho, dito de outra maneira estão criados quer o MENAC quer a obrigação de se implementar o RGPC em todas as entidades abrangidas.
Um senão, tipo “elefante na sala” é que apesar de estar criado o MENAC , ainda não estão instituídas as suas estruturas, nem providos os seus órgãos, o que poderá levar á ideia que enquanto isso não acontecer, não subsistem obrigações … a má noticia é que a violação do RGPC é sempre passível de escrutínio judicial, mesmo inexistindo o MENAC. É a vida …