Este conteúdo é Reservado a Assinantes
«Não há maus exércitos, há maus Generais.» Esta é uma frase muito usada pelo ex-Vereador da Câmara Municipal de Odivelas e jornalista, o Doutor Hernâni Carvalho, amigo que muito prezo.
Comecei com esta frase para abordar um tema que me é muito querido: a liderança versus riscos psicossociais.
Theodore Roosevelt, em determinada altura, pretendeu responder à diferença entre líder e chefe. Concluiu que o líder lidera e o chefe dirige. De forma sintética, a diferença prática de tudo, isto é, a de que enquanto um líder envolve e tira o melhor partido das competências, estimulando as capacidades criativas dos elementos da sua equipa, assente no princípio da confiança, o chefe limita-se a emitir ordens, oprimindo e desconfiando de quem cria.
O Dr. Travis Bradberry defende que «um chefe ruim pode fazer tão mal para a saúde dos funcionários quanto fumar passivamente». Afirma ainda que «quanto mais tempo uma pessoa trabalhar para alguém que a deixa infeliz, maiores serão os danos para sua saúde física e mental».
Segundo outro estudo da Associação de Psicologia dos Estados Unidos, «75% dos trabalhadores americanos consideram seus chefes a maior razão de stress no trabalho».
É sabido que a primeira causa de stress laboral assenta no medo de ser despedido. Este medo amiúde é incutido pelas chefias. Sabe-se também que tal receio pode aumentar em até 50% os riscos de problemas de saúde.
Fica claro que as organizações que se preocupam com produtividade e outros indicadores internos de sucesso têm de cuidar desta questão, pois, mais cedo ou mais tarde, elas próprias serão vítimas desses maus Generais. Podemos considerar que se os riscos de problemas de saúde dos trabalhadores podem subir 50% devido somente a um factor, será prioritário atacar esse factor e não os trabalhadores, as leis laborais, os mercados, etc..
A robustez e a capacidade diferenciadora de uma organização, dependem mesmo da saúde física e mental dos seus trabalhadores, pelo que investir nela é investir no sucesso de todos. Por isto, continua a ser demente a contratação de indivíduos para cargos de chefia sustentada em critérios tão dúbios, como a amizade pessoal, a afinidade política, religiosa ou clubística, ou simplesmente porque se deve um favor.
Com más lideranças, fica mal servida a organização, o seu objecto, os seus clientes, os seus parceiros, a comunidade e, se quiserem, até o Serviço Nacional de Saúde, que passa a contar com um exército de potenciais clientes, os trabalhadores liderados por esses maus Generais.
Alguém que use e abuse de frases como «Aqui nada funciona se eu não estiver por perto!», «Nós sempre fizemos assim!», «Eu é que sei!» ou «Devia dar-se por satisfeito por ter um emprego.», é um perigo para qualquer organização, sendo maiores os estragos se se tratar de alguém que ocupe um lugar de liderança.
Muitos dos maus líderes existentes são indivíduos que ontem operacionalizavam determinadas funções e, por promoção, passaram a gerir aqueles com quem trabalhavam. Tal não é errado de per si, contudo muitos destes novos líderes não conseguem dissociar-se do que antes faziam e que em muitas vezes se especializaram, tendendo a ceder à tentação de se manterem nas anteriores funções, não abraçando assim as tarefas de liderança, que não obrigam necessariamente ao domínio das competências de execução de determinadas tarefas operacionais. Como se disse, a função de líder é a de liderar. Quer isto dizer, ao líder é exigido que crie as condições para que a sua equipa atinja objectivos, seja pela introdução de estímulos, seja pela constante busca de formação e meios, sendo que igualmente ao líder compete a avaliação e reavaliação constante de recursos e processos, para, se for caso disso, promover as correcções necessárias, visando alcançar as metas estipuladas.
Considerando que qualquer um de nós é susceptível de sofrer de fadiga mental, stress e desconforto sempre que exposto a contextos de trabalho inadequados, por força de questões volvidas à organização do trabalho, ao design do local de trabalho e/ou à gestão, verifica-se que tudo isto é mais profundo e tem de ser observado holisticamente. Os riscos psicossociais e o stress laboral representam hoje um desafio crítico para as entidades empregadoras no domínio da protecção da saúde e segurança no trabalho, não só para o bem-estar das pessoas, mas também para a economia e produtividade das próprias entidades empregadoras. A nova norma (2018) sobre sistemas de gestão de saúde e segurança ocupacional, ISO 45001, foi recentemente revista e melhorada após a pandemia com uma série de diretrizes específicas, como a ISO 45003, a primeira norma que oferece orientações práticas sobre gestão psicológica saúde no local de trabalho.
Segundo a OMS, a Organização Mundial da Saúde, saúde mental significa: um estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza suas capacidades, é capaz de lidar com o stress normal da vida, pode trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de contribuir para a comunidade em que vive.
Há muito que a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho destaca os riscos psicossociais e o chamado “stress laboral” como um dos principais desafios a enfrentar no domínio da segurança e saúde no trabalho, pois têm repercussões consideráveis saúde das pessoas, mas também das entidades empregadoras e das economias nacionais. Segundo esta Agência, cerca de metade dos trabalhadores europeus considera que o stress é um factor “comum” no local de trabalho e quase metade dos dias de trabalho perdidos deve-se a ele.
As condições de trabalho que envolvem riscos psicossociais verificam-se por:
- Cargas de trabalho excessivas;
- Solicitações conflitantes e falta de clareza nas funções;
- Participação limitada nos processos de tomada de decisões que afectam os trabalhadores
- Falta de influência sobre como o trabalho é feito;
- Gestão inadequada das mudanças organizacionais;
- Insegurança no trabalho;
- Comunicação ineficaz;
- Falta de apoio de pares ou superiores;
- Assédio psicológico e sexual;
- Violência de terceiros.
Para as entidades empregadoras, os efeitos negativos podem ser a redução da produtividade geral, o aumento do absenteísmo, o chamado “presenteísmo” (as pessoas continuam indo trabalhar quando estão doentes e não conseguem ser eficientes), o aumento das taxas de acidentes e lesões e os consequentes custos (in)directos.
Tudo isto não se co-pagina com lideranças como as que foram referenciadas no inicio desta reflexão. As lideranças têm de entender que as organizações são comunidades de pessoas em torno de um propósito, têm, também, de interiorizar a máxima “em primeiro estão as pessoas” e definitivamente compreender que o factor diferenciador de qualquer organização, são as pessoas, sendo os processos, os instrumentos digitais ou de outra natureza meros auxiliares da qualidade.
- Paulo Bernardo e Sousa
Politólogo