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A partir do século XIX e por diversas vezes vários fóruns foram constituídos para regular os conflitos entre países, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e as Convenções da Haia (1899 e 1907). A Conferência de Paz de Paris (1919), no intuito de regular as relações entre as nações beligerantes da I Grande Guerra, estabeleceu a Liga das Nações. Apesar de por esta via se terem resolvido algumas disputas territoriais a Liga das Nações ainda não respondeu às necessidades dos povos das chamadas colónias de então. Na memória das maiores fragilidades da Liga das Nações tivemos a inoperância face à invasão japonesa da Manchúria em 1931 e à segunda guerra Ítalo-Etíope, sendo ainda que foi incapaz de acautelar o crescimento do movimento nacional-socialista germânico que culminou na Segunda Guerra Mundial. Contudo, com o termo deste enorme conflito que ceifou milhões de vidas humanas assistimos à criação da ONU, que tinha e tem como principal objetivo a manutenção da Paz.
Actualmente, não há noticiário que abra sem uma notícia de mais uma investida armada russa contra populações civis ucranianas, ou de uma contra-ofensiva ucraniana, naquele que alguns procuram que seja o reactar da Guerra Fria. Aqui, reclama-se da ONU maior intervenção, todavia os já antigos bloqueios existentes no malfadado Conselho de Segurança não garantem soluções viáveis, ora pela força do veto americano, ora pela força do veto russo. É aqui que se joga uma partida de xadrez mui perigosa, que poderá levar a ONU ao triste definhar e desfecho que teve a Liga das Nações.
Contudo, a ONU tendo como Secretário-Geral, o Eng.º António Guterres, dispõe das competências volvidas à sua matriz cultural, evidenciadas aquando da sua passagem pela liderança do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Para alguém como o Eng.º António Guterres, educado em ambiente de matriz cristã, o decálogo é sem dúvida muito mais do que um mero normativo, pois certamente que se assume como bitola cultural e moral. É no 5.º Mandamento que espero que este obtenha inspiração para agir, pois enquanto seres humanos é-nos exigido o respeito máximo pelos outros quando, sem apelo nem complicações e da forma mais simples que se pode legislar impõe: “Não Matarás!”. Este tem de ser o mandamento-maior e inequivocamente seguido e procurado pela ONU.
Igualmente a Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 24.º, dá ao novo Secretário-Geral das Nações Unidas, um princípio de que creio durante o seu mandato tem estado sempre presente: «1. A vida humana é inviolável.»
Contudo, o instrumento base de trabalho do novo Secretário-Geral, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948, no seu artigo 3.º também o impele ao mesmo quando dispõe que: «Todo o indivíduo tem direito à vida».
Aqui chegados, fica claro que o chamado Concerto das Nações procura o primado da vida, rejeitando concomitantemente aceitar a morte como possível nas relações humanas.
Parece assim, que o primado da vida é o valor maior da nossa cultura.
Contudo, como referi inicialmente, quando abro os livros da História vejo matanças e a exaltação dos matadores de momento (especialmente os que foram considerados vencedores, os Heróis carniceiros). Os filmes, as séries infantis e juvenis de sucesso a que acedemos incluem uma boa dose de pancadaria, tiros, mortos e “Heróis de Acção”. Se abro os jornais ou os telejornais o que é notícia? A morte.
A matança rodeia-nos com o seu cheiro pérfido e pútrido que parece enamorar-nos e, em simultâneo, dá-nos repulsa.
Se nos dá repulsa, não podemos permitir nem nos permitir aceitar esta cultura de morte que nos vem sendo servida.
É um facto que esta dualidade é perigosa, pois amiúde nos tem pregado partidas que nos têm saído bem caras ao longo da História e da história das nossas vidas. Desde a chamada violência doméstica à violência grupas, à violência juvenil e à violência de massas, ao terrorismo, à guerra, a escolha é ampla.
É tão simples! Não Matarás! Não tem nada de complicado.
A Paz é um assunto sério e não se compagina com ingenuidades pelo que associado ao “Não Matarás!” vêm outros deveres, como a necessidade de agregarmos interesses, vontades, diferenças e ao invés de impormos um status, temos o dever de fazer aquilo que filosoficamente se apelidou de síntese. A síntese resulta da fusão da tese com a sua antítese, não da anulação dos menos bem equipados de argumentos. Muito menos as soluções devem ser aquelas que servem apenas a alguns.
Se procurarmos o concerto, procuraremos aquilo que em gestão se chamam soluções do tipo “win-win” e aí nunca nos veremos na condição extrema de considerarmos que a solução possível é do tipo “win-loose” ou “loose-loose” onde só encontraremos a “Solução Final” ou o extermínio dos nossos interlocutores, a Morte!
Sejamos capazes de realizar a Paz diariamente e assim resistir à tentação de responder à violência com mais violência, que por sua vez, mais violência, ódio e morte trará.
Em jeito de balanço e de introspecção, temos de nos escolher, pois se consideramos a violência algo de mau, apartemo-nos pois dessa cultura de morte nos seus aspectos mais imediatos e até lúdicos e edifiquemo-nos em Paz e em Concerto.
Dá trabalho!? Certamente!
É impossível, dirão uns! É utópico, dirão outros! Albert Einstein preconizou que «o impossível existe até quando alguém duvide dele e prove o contrário». Max Weber afirmou algo idêntico ao dizer que «o homem não teria alcançado o possível se, repetidas vezes, não tivesse tentado o impossível».
É certo que a Paz e o Concerto exige tempo e o hábito de pensar e procurar o Bem para si e para o seu semelhante, sendo certo que, como defendia Henry Ford, «pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele». Pois, esforcemo-nos! Estamos “condenados” a entendermo-nos, mais não seja porque partilhamos esta casa que é nossa Terra! Não o receemos!
– Paulo Bernardo e Sousa
Politólogo