Este conteúdo é Reservado a Assinantes
- Estágios Profissionais reconhecedores de Competências
O exercício de profissões como as de Advogados, Arquitectos, Biólogos, Contabilistas Certificados, Despachantes Oficiais, Economistas, Enfermeiros, Engenheiros, Farmacêuticos, Médicos, Médicos Dentistas, Médicos Veterinários, Notários, Nutricionistas, Psicólogos, Revisores Oficiais de Contas e Solicitadores e dos Agentes de Execução é reconhecido pela respectiva Ordem profissional. No entanto esse reconhecimento amiúde parece não reconhecer a formação académica detida e capacitante para o exercício precisamente dessas profissões, pois numa demanda castradora do acesso às profissões, as Ordens constituem-se como entidades que visam atrasar senão evitar que o conhecimento académico seja de imediato colocado profissionalmente à disposição.
Vejam-se estes exemplos:
- Qualquer jovem que após 5 anos de academia obtenha o grau de Mestre em Arquitectura, para ser profissionalmente reconhecido pela respectiva Ordem tem ainda de se sujeitar a um Estágio Profissional de 12 meses;
- Qualquer jovem que após 4 anos de academia obtenha o grau de Licenciado em Direito, para ser profissionalmente reconhecido pela respectiva Ordem tem ainda de se sujeitar a um Estágio Profissional de 16 a 18 meses, que culminam com a prestação da prova de agregação, para poder exercer como Advogado/a;
- Qualquer jovem que após 6 anos de academia obtenha o grau de Mestre em Medicina, para ser profissionalmente reconhecido pela respectiva Ordem tem ainda de se sujeitar a um Estágio Profissional de 12 meses e da aprovação em exame;
Outros exemplos poderíamos dar, mas o painel apresentado é bem demonstrativo da ousada postura das Ordens Profissionais, que por um lado colocam em causa formações académicas extensas e difíceis de obter, por outro obstaculizam o acesso às profissões sob o pretexto da exigência e da qualidade, não reconhecendo as Academias a capacidade de ensinar e aferir, e por outro lado ainda ao remeterem os candidatos às profissões a estágios, remete-os ao plano da precariedade que desta condição de prestação de trabalho emerge. Nos exemplos apresentados, as respectivas Ordens Profissionais colocam em causa os conhecimentos adquiridos entre 4 a 6 anos académicos e empurram o processo de inicio de funções profissionalmente reconhecidas, para relações laborais escamoteadas amiúde exploradoras das remunerações e dos direitos laborais normalizados, adiando igualmente projectos de vida, onde a constituição de novas famílias é igualmente adiada para as calendas. Tudo isto a acontecer num país onde a natalidade é o que é, a pirâmide etária já se inverteu e onde aos jovens são retiradas as condições para darem início aos seus projectos de vida, sendo explorados pelo caminho, pelas remunerações que não receberão e pelas evoluções nas respectivas carreiras que se protelarão.
- Estágios Académicos
São diversas as formações superiores onde alguns dos créditos são obtidos pela execução de Estágios, funcionando estes como cadeiras prácticas amiúde desenvolvidas nos mais diversos sectores, desde em serviços públicos, a empresas passando ainda por entidades do sector social. É comum ver estudantes do ensino superior a desenvolver estágios académicos em serviços públicos e empresas, onde desenvolvem, por exemplo, estudos, inquéritos, (re)formulam processos e normas, ou em instituições de saúde e de solidariedade social desenvolvem projectos da mais diversa natureza. Todos estes trabalhos resultam em Relatórios, amiúde fontes de conhecimento tecnicamente robustas que a troco de nada ou pouco mais do que nada são formulados. Há Autarquias que nos períodos estivais dispõem de mão-de-obra qualificada para desenvolvimento de trabalhos de arqueologia, que acabarão por resultar em polos culturais que por sua vez atrairão turistas e assim levarão recursos aos respectivos Concelhos. Contudo, desde alojamentos indignos a alimentação intermitente, a deslocações penosas e longas tudo é exigido a estes estagiários, sem a mínima predisposição para entender o valor do investimento-bom que pela acção destes estudantes se opera. Opta-se pelo “aproveitar” com os mínimos custos, maximizando os resultados advindos do trabalho sem qualquer compensação. Ao fim e ao cabo é de “pequenino” que todos temos de ser habituados à precariedade, a trabalhar a troco de pouco ou preferencialmente mesmo nada.
- Estágios Profissionais na Administração Pública
O Programa de Estágios Profissionais na Administração Pública (dedicado à Administração Directa e Indirecta do Estado) e o Programa de Estágios Profissionais na Administração Local, são destinados a jovens licenciados à procura do primeiro emprego ou de novo emprego correspondente à sua área de formação e nível de qualificação. Estes estágios têm a duração de nove meses, a tempo completo ou parcial, sendo atribuída aos estagiários uma bolsa mensal de cerca de €1.007,49 ilíquidos (Portaria n.º 256/2014, de 10 de Dezembro), acrescido do subsídio de refeição diário.
Se por um lado estes estágios são justificados sob o pressuposto de se promover o rejuvenescimento da Administração Pública, por outro têm a “bondade” de garantir aos jovens a possibilidade de experimentarem e experienciarem vivências laborais diversas. É aqui que surge o irritante desta prática. A bem da verdade, não há notícia que aponte para o facto de algum estagiário ficar no posto de trabalho onde durante 9 meses estagiou, até porque tal iria contra a forma de admissão na função pública, nem tão pouco é preciso este tempo de gestação experimental de trabalhadores, na medida em que em todas as carreiras a integração só ocorre após um ano probatório onde ambos os lados, contratantes e contratados, avaliam do mérito da relação laboral que se está a iniciar.
Todavia, pelo caminho, os serviços públicos exauridos de pessoal, continuarão sem pessoal que lhes permita assegurar o serviço público desejado, sendo que ainda têm de durante 9 meses acompanhar, formar e ver fugir jovens valorosos cujo esforço destes e dos serviços públicos resultam numa pura perda de tempo e de recursos.
Depois de 4 a 6 anos de faculdade, com estágios académicos que servem funções permanentes, seguidos de estágios de mais um ano a ano e meio e exames visando o reconhecimento profissional, ao fim de quase uma década e a roçar os 30 anos ainda propomos aos jovens mais tempo perdido pago a preços de saldo pelo conhecimento mais elevado que um trabalhador pode deter, e depois queixamo-nos que eles emigram e que nós enquanto povo estejamos envelhecidos. Eis a precariedade normalizada e enquadrada pelo poder político e pela Lei.
Paulo Bernardo e Sousa
Politólogo