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Luto nacional pelo falecimento da Rainha Isabel II do Reino Unido
O Conselho de Ministros aprovou o decreto que declara três dias de luto nacional pela morte da Rainha Isabel II do Reino Unido, cumprindo-se nos dias 18, 19 e 20 de Setembro.
«Sua Majestade a Rainha Isabel II do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte marcou profundamente a segunda metade do século XX e o primeiro quartel do século XXI. Assim, neste momento de prolongado e profundo luto no nosso mais antigo Aliado, entende o Governo declarar o luto nacional nos dias 18, 19 e 20 de setembro de 2022. É uma justa homenagem a sua Majestade a Rainha Isabel II»,
in Conselho de Ministros.
Esta decisão do governo português, assim á primeira vista, soa um tanto estranha, não tanto por se decretar luto nacional por causa do falecimento de um Chefe de Estado estrangeiro, nem sequer por se tratar de um Chefe de Estado de vários países “independentes”, nem tão pouco por se tratar de uma monarca, porque completamente indiferente a natureza do estado que se chefia, monarquia ou republica, embora não passe despercebida a repentina afeição que o planeta tem por uma monarca, que faz com que cerca de 200 países e territórios se façam representar nas exéquias oficiais, incluso o Presidente da República portuguesa, que está em todas, anunciando publicamente a sua presença, mesmo antes de ser convidado para o efeito.
Ignorando outros pressupostos que o texto do conselho de ministros levanta, o que chama mais á atenção é a invocada aliança, a mais antiga que Portugal mantém com o Reino da falecida Rainha, numa óbvia referência ao Tratado de Windsor, e tida como a mais antiga aliança diplomática do mundo, assinado em 9 de maio de 1386, cujo objecto era basicamente o apoio mútuo de ambas as nações.
Este tratado de nada serviu, quando na conferência de Berlim, realizada entre 15 de Novembro 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, pelas potencias colonizadoras de África, com o objectivo de consolidar direitos territoriais dessas potencias, fazendo valer o direito da ocupação efectiva dos territórios em detrimento do direito histórico (como Portugal defendeu, sem sucesso), Portugal apresentou o célebre mapa cor de rosa que pretendia unir Angola a Moçambique como território português, e cuja ocupação efectiva tinha assegurado com as expedições de Fernando Capêlo. A Inglaterra foi célere a impor um recuo nas pretensões portuguesas sob pena de, não o fazendo, declarar guerra ao nosso país. Portugal saiu humilhado dessa conferência. A revolta foi tão grande em Portugal, que Alfredo Keil, ao compor o Hino nacional tinha por refrão “contra os bretões, marchar, marchar”, mais tarde alterado para um diplomático “contra os canhões, marchar, marchar”.
Não seria, para Portugal, a primeira humilhação, porquanto aquando da retirada da corte portuguesa, para o Brasil, face aos avanços da tropa de Napoleão, por cá ficou um nefando general inglês William Carr Beresford, cujos desmandos no nosso país foram do mais cruel que se possa conceber, chegando ao ponto de, em 1817, mandar para a forca o General Gomes Freire de Andrade, Grão-mestre da maçonaria portuguesa, por defender tão só, o regresso da corte, sediada no Brasil, a Portugal e, concomitantemente, a retirada das tropas inglesas. Hoje a maçonaria regular portuguesa tem uma distinção honorífica honrando aquele General português.
Foi Beresford, quem, depois de numa conferência internacional ter sido ordenada a devolução a Portugal, do território de Olivença, ocupada ilegalmente por Espanha, ordenou a retirada das tropas portuguesas que tinham recuperado Olivença, forçando o regimento de infantaria português a retirar-se para Estremoz, sendo cognominada como “Dragões de Olivença”, honra que ainda hoje mantém orgulhosamente.
Espanha nunca cumpriu a ordem de devolução, tendo Beresford contribuído decisivamente para isso.
Os cerca de 30 anos de governo inglês, foram uma completa humilhação para Portugal, pela forma como o povo e o exército português foi tratado.
A aliança mais antiga do mundo, também foi ineficaz quando os ingleses ocuparam a ilha de Bolama, e parte do território adjacente, na Guiné-Bissau, gerando um conflito militar e diplomático, entre 1834 e 1870, com Portugal, sanado por uma decisão arbitral do Presidente dos Estados Unidos S. Grant, dando ganho de causa a Portugal.
O tratado mais antigo do mundo apenas tem servido aos ingleses que o convocam seguindo os seus pretéritos interesses, como foi o caso na primeira guerra mundial, quando os ingleses, invocando o tratado, pediram (ou “exigiram”?) o apresamento das embarcações germânicas que se encontravam nos nossos portos, forçando Portugal a declarar guerra á Alemanha.
Ou, na segunda guerra mundial, quando os ingleses, invocando esse tratado, exigiram a utilização da base das Lages pelos aliados. Aliás Portugal esteve prestes a nova humilhação, face às reservas de Salazar, levando Churchill a fazer planos para tomar os Açores á força (fuck the treaty), só não acontecendo porque os americanos recusaram esses planos investindo na persuasão junto de Salazar, com sucesso.
Por aqui se vê que a mais antiga aliança do mundo Luso-inglesa, são como os pactos leoninos – só beneficiam uma das partes, a mais forte.
Já para não falar do, não menos célebre, tratado de Methuen, que fortaleceu a Inglaterra e enfraqueceu Portugal, em termos de desenvolvimento industrial.
Razões mais que suficientes para não invocar nem tratados, nem alianças, que em termos práticos representaram, quase sempre, uma humilhação para Portugal, muito menos motivo para colocar as nossas bandeiras a meia haste, pelo falecimento de Isabel II – uma nota de condolências á família e ao povo inglês e a presença de representantes nacionais nas exéquias, são, salvo melhor opinião, q.b. .
Por fim uma palavra para a cobertura que a comunicação social portuguesa tem dispensado “ad nauseam” ao evento, que roça o ridículo, com jornalistas portugueses, de todas as tv’s, em “prime time” e em “breaking news”, enviados especiais a terras de sua majestade, abordando um ou outro pesaroso súbdito do reino unido, perguntando banalidades triviais, em directos especialmente realizados para o efeito, numa parafernália informativa como nunca se viu. Também isto é estranho, mas as audiências assim o impõem.
– Oliveira Dias
Politólogo