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Uma pesquisa em qualquer dicionário ou em qualquer browser sobre o significado de “Guerra” conduz-nos a um sem número de definições, pelo que se arrisca a definir “Guerra” como sendo um conflito armado entre pelo menos duas partes beligerantes, caracterizado pelo uso de extrema violência, elevada destruição e altos índices de mortalidade.
São vários os motivos apontados para que se espoletem conflitos armados, desde diferenciações religiosas, interesses políticos e económicos, justificados por e justificadores de disputas territoriais, rivalidades étnicas, etc.. Se não sempre, pelo menos quase sempre, são estes os motivos apontados, pois conseguem ser mobilizadores ao ponto de juntar hordas de combatentes dispostos a morrer por “tão ilustres causas”.
Importa salientar que a Guerra é em si mesma um mecanismo que coloca em crise conceitos como a inviolabilidade da vida humana, a democracia, o Estado de Direito, a urbanidade, o respeito pelo próximo, sendo até estranho ver cristãos a deitarem mão a este recurso, quando por imposição do constante no decálogo têm de considerar o mandamento “Não Matarás!”.
A verdade é que a Guerra tem como objetivo o aniquilamento dos apontados como inimigos, mitigando assim a sua vontade de combater. Para tal, a doutrina militar, tentando fazer parecer razoável e racional a ideia de Guerra, como que filosofando sobre essa actividade de valor maior que é matar, como que criou disciplinas de conhecimento que enquadram em função de razões operacionais os diversos tipos de Guerra, a saber: guerra com armamento usual ou convencional, guerra psicológica, guerra económica, guerra radiológica, nuclear ou radioativa, guerra biológica, bacteriológica ou virológica, guerra cibernética, eletrónica ou informática e guerra química.
Só neste século já presenciámos diversos conflitos, contudo importa recordar a guerra do Afeganistão (entre os Estados Unidos e o governo afegão, por um lado, e os Talibã e a Al-Qaeda, por outro), a guerra civil do Chade (na qual rebeldes chadianos e mercenários sudaneses tentam depor o presidente), a guerra do Darfur (entre a região sudanesa do Darfur e o governo sudanês), a guerra do Iraque (entre uma coligação de estados liderados pelos Estados Unidos e o regime iraquiano de Sadam Hussein, primeiro, e depois contra os rebeldes apoiados pela Al-Qaeda), a guerra do Líbano (conflito armado iniciado ainda na primeira metade do século XX, que opõe Israel aos seus vizinhos árabes). Outros conflitos temos visto em especial no continente africano, onde os golpes de Estado, as ausências de Estado promotoras do surgimento de grupos e senhores da guerra com agendas próprias parecem suceder-se quais fascículos de telenovela. Recentemente, temos acompanhado este conflito que se desenrola à nossa porta entre a Ucrânia e a Rússia, ou, se preferirem, entre a Rússia e a Ucrânia.
Milhões são os que têm caído perante armas de assassinos normalizados por fardas e direitos de defesa. Sim, todos se armam em prol da sua defesa, ninguém o faz para atacar. Se tal assim fosse, ninguém se armaria. Milhões são os deslocados, colocados em centros de acolhimento, que inevitavelmente fazem recordar campos de concentração de outras latitudes noutros tempos da História recente.
A verdade é que, sejam quais forem os motivos invocados, a indústria da morte dá mesmo muito dinheiro a ganhar. Sendo difícil fazer um levantamento exaustivo, juntando alguns dos poucos dados disponíveis e relativos aos primeiros anos da década anterior, poderemos verificar quais são as indústrias com maior sucesso, entenda-se, com maiores lucros. Não tão estranhamente quanto possa parecer, as indústrias farmacêuticas, do armamento e das drogas (tráfico) movimentam em média todos os anos cerca de 1.512 biliões de dólares americanos.
Aqui chegados, quando vimos Zelensky no início do conflito russo/ucraniano a mobilizar todos os homens em idade activa, e agora mais recentemente vimos Putin promover uma mobilização dita parcial, muitos puderam revisitar os dias da Guerra Colonial, onde os pais e as mães viam os seus filhos ser recrutados para combater em guerras que ninguém deseja, compreende e que são inaceitáveis. Inaceitáveis, tão-somente porque promovem debandadas de jovens na direcção das sortes, forma portuguesa tão amigável para não dizer que os jovens são colocados na direcção das suas mortes. Pais e Mães que vêem a irracionalidade da guerra promover algo que não é natural: a morte dos seus filhos antes de si mesmos. Famílias enlutadas, filhos que choram a partida dos pais, cuja certeza que têm é que aquele bem pode ser o último momento em que os verão. E os que voltarem nunca mais serão os mesmos, vítimas de stress pós-traumático sempre a reviverem momentos a que ninguém deveria ser exposto, e sentimentos de culpa por se terem salvado das mutilações e mortes que calharam aos seus camaradas ou que tiveram de infligir sem saber verdadeiramente porquê a outros.
Revisitando a definição de “Guerra” que é atribuída a Erich Hartman, que diz que a “Guerra é um lugar onde jovens, que não se conhecem e não se odeiam, se matam, por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam”, estou tentado a afirmar que a “Guerra é um lugar onde jovens, que não se conhecem e não se odeiam, se matam, por decisões de velhos gananciosos, sem sentido de humanidade, que desprezam e tomam a vida dos outros como sendo sua propriedade, manipuladores da verdade com acesso a meios de desinformação colectiva, que se conhecem e se odeiam, mas não se matam, os valentes.”
Por outro lado, vimos serem criados Tribunais Penais para julgar crimes de Guerra, que mais não são do que crimes que acontecem em todos os momentos, mas que nestes casos sucedem em ambientes de conflito armado. Todavia em nenhum destes Tribunais, incluindo no actual Tribunal Penal Internacional, se julga a Guerra como um crime em si mesma, normalizando-a, quiçá advogando por alguma bondade que nesta alguns parecem encontrar. Se eu for militar e violar serei julgado como criminoso de guerra, contudo se matar serei um herói sobre o qual a lei nunca cairá. A quem faz isto sentido? Lamento, mas quem tira a vida a outro será sempre um assassino do outro e de parte de si!
Fica a reflexão: porque alimentamos sistemas belicistas? Porque não obrigamos os nossos governantes a reconduzirem os gastos militares para o Bem? Caramba, tantas Declarações Universais, Europeias e Mundiais a declarar a inviolabilidade da vida humana, tanto bater com a mão no peito cristão, e continuamos a fazer vista grossa ao Mandamento “Não Matarás!”
Porque persistimos em matar-nos uns aos outros? Porque permitimos que nos levem os nossos filhos? Porque fazemos chorar nossas mães? Porque enlutamos as nossas famílias? Por que razão será assim tão glorioso marchar contra canhões? Porque matamos os nossos filhos?
– Paulo Bernardo e Sousa
Politólogo