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Num outro artigo escrito recentemente (link), referi a importância que o brincar tem no desenvolvimento das crianças e as dificuldades com que a nossa sociedade se debate na concretização desse direito fundamental. Neste artigo, pretendo apontar alguns caminhos possíveis para a concretização plena desse direito.
Assim, com o intuito de devolver às crianças o direito ao brincar, entre as muitas coisas que são necessárias, é fundamental que se mude o paradigma atual de gestão dos horários, se flexibilize as condições de trabalho, possibilitando a escolha de horários mais compatíveis com a vida familiar, e se planifiquem e criem espaços lúdicos e de lazer próximos das zonas habitacionais, adequados às necessidades do brincar das crianças.
Quanto ao paradigma atual de gestão dos horários escolares, estes são feitos em função da necessidade dos pais terem onde deixar as crianças enquanto trabalham e, na maioria dos casos, não respeitam as necessidades e ritmos das crianças e adolescentes em diferentes estádios de vida.
Por exemplo, sabe-se que as necessidades de sono variam nas diferentes faixas etárias, sendo recomendado para as crianças entre os 6 e os 12 anos de idade entre 9 a 12 horas de sono, e para os adolescentes 8 a 10 horas de sono por dia. Sabe-se também que há pessoas que naturalmente acordam e deitam-se cedo (cotovias) enquanto outras, por muito que tentem adormecer cedo, não o conseguem, e de manhã têm dificuldade em acordar cedo (mochos). Por outro lado, muitos estudos mostram que nos adolescentes há uma mudança no seu relógio interno que pode levar a alterações muito significativas nos hábitos de sono, levando a que adormeçam 2 horas mais tarde do que o habitual e, consequentemente, acordem 2 horas mais tarde! Sabemos ainda que os intervalos de atenção variam em cada faixa etária, sendo expectável que uma criança de 6 anos seja capaz de manter-se focada numa tarefa durante cerca de 12 a 18 minutos, enquanto um adolescente de 16 anos poderá manter-se focado por quase 50 minutos. Juntando apenas estes dados, facilmente compreendemos o muito que é necessário refletir e alterar. Não é necessário definir um horário para cada um, mas é necessário criar múltiplas opções para que cada um possa escolher aquela que melhor o serve.
É necessário que se flexibilize as condições de trabalho, possibilitando a escolha de horários mais compatíveis com a vida familiar, conciliando simultaneamente o bem-estar familiar e a produtividade no trabalho. É verdade que é mais fácil implementar isto em algumas áreas do que noutras, contudo, vários estudos comprovam que a flexibilidade no trabalho conduz frequentemente a ganhos na produtividade dos trabalhadores. Sabe-se também que maiores níveis de bem-estar aumentam a produtividade enquanto elevados níveis de stress tem o impacto inverso. Se os pais tiverem mais tempo para cuidarem de si e para acompanhar os filhos, mais facilmente se diminui o número de horas que as crianças passam na escola em atividades orientadas. É certo que por si só não resolve o problema, mas em muitos casos proporcionaria melhorias significativas a vários níveis.
Por último, é fundamental que se planifiquem e criem espaços lúdicos e de lazer próximos das zonas habitacionais, adequados às necessidades do brincar das crianças: espaços semiestruturados, desafiantes, estimulantes, onde as crianças possam explorar e brincar livremente, usar a imaginação e a criatividade, estabelecer relações de proximidade com outras crianças da mesma ou de diferentes idades, desenvolver competências de autonomia, responsabilidade, gestão de conflitos e de emoções, com o mínimo de intervenção dos adultos. Não é necessário um dispendioso equipamento “xpto” para alcançar este objetivo, apenas o espaço e as condições para as crianças expressarem o seu brincar.
Não quero deixar de terminar com uma nota positiva: é verdade que já muito se fala sobre este assunto, alertando e consciencializando, e já se veem algumas mudanças, quer por parte das famílias (as que possuem condições para o fazer) mais conscientes da importância do brincar, do tempo em família e em convívio informal e não orientado, quer por parte de algumas instituições que promovem o brincar PLENO, a aprendizagem pela brincadeira, motivada pela curiosidade, pelo querer saber, pelo gosto em fazer, pelo sentimento de pertença, que tantos benefícios traz em termos de criatividade, autonomia ou responsabilidade, e o enfoque na criança no seu todo, crescendo para se tornar um cidadão PLENO e válido na construção de uma sociedade melhor.
Bons exemplos já vão surgindo em muitos cantos do nosso país, contudo, é preciso criar as circunstâncias para que mais famílias (e crianças) tenham acesso a estas condições. É fundamental desenvolver conjunturas sociais e económicas que permitam às famílias acompanhar as suas crianças, com a liberdade de escolha que apenas se torna possível quando há um equilíbrio entre as necessidades e a capacidade de satisfação das mesmas. Áreas de intervenção fundamentais para que tal ocorra são, sem dúvida, entre outras, as do trabalho e da educação.
Parafraseando o Professor Carlos Neto no seu mais recente livro: “libertem as crianças”! Devolvam-lhes o direito ao brincar!
Lina Rosa, Psicóloga, Iniciativa Liberal de Odivelas