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1. A falta de rigor que grassa no nosso meio, meios de comunicação social e classe politica, é particularmente vexante para a nossa sociedade, a vários títulos, mas á cabeça pela falta de brio com que se normaliza a incapacidade ou a incompetência.
Um ex-camarada e amigo, recentemente falecido, (Fernando Queiroz, ex-vereador em Loures) era um costumeiro opinador num jornal aqui da terra, há muitos anos atrás, e escrevia sobre temas muito diversos, e um dia escreveu sobre um assunto, segundo me recordo, ligado á lavoura, logo ele que nunca pegara numa enxada, e sondei-o sobre isso, manifestando a minha admiração pela diversidade de temas que abordava. Ele respondeu-me que o objectivo era “secar” espaço, para não dar hipótese de outro o fazer, especialmente se da oposição. A verdade é que cumpria com o rigor mínimo que se exige a quem tem a coragem de se expor na imprensa. Credor, pois da minha admiração, era um homem especialmente arguto.
Já escrevi algures, não só neste jornal. Mas noutros e até em bibliografia específica de minha autoria, sobre a errada utilização de conceitos e institutos jurídicos, que subjazem á actividade do Poder Local, da coisa pública, em grande parte devido ao desconhecimento por parte de determinados protagonistas, e quando estes são responsáveis políticos (Eleitos locais, deputados á Assembleia da República e até pasme-se, membros do governo), isso assume foros de praticas absolutamente inaceitáveis, pelo exemplo medíocre de tão nobre missão, como é o exercício de funções electivas representativas.
Quando se teima em apodar a deslocalização (cujo cerne é simplesmente geográfico) ou até mesmo a desconcentração (cujo cerne são somente as competências, ou seja poderes para) como significando Descentralização (cujo cerne são somente as atribuições, ou seja os fins da pessoa colectiva), ou se apoda o Autarca (como de resto faz a Lei das incompatibilidades no seu nº 7) como sendo exclusivamente um Eleito local, sem cuidar de perceber e entender, que da mesma forma que o freguês está para a freguesia, o munícipe para o município, também Autarca está para a autarquia, dito de outra forma freguês, munícipe e autarca são o substrato pessoal, são as pessoas, que compõem os respectivos territórios.
Reduzir isto a mera semântica caracteriza bem a qualidade de quem o faz.
No dia em que estas linhas se produzem num canal nacional um especialista ( Tito de Morais, da associação dos agarrados da net) sobre a problemática da dependência das novas tecnologias de comunicação, e o impacto que têm em vários tipos de abusos, entre os quais o sexual, dizia, relativamente a uma Lei sobre essa matéria recentemente publicada, que o tipo de linguagem utilizada pelo legislador era obsoleto (dando o exemplo da referencia da Lei a “Pornografia Vingativa”, ao invés de uma actual designação “Violência sexual baseada em imagens). Parece de somenos, mas a mim incomoda-me a falta de rigor do legislador.
Fui surpreendido pelas declarações de Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal, quando á saída de um encontro com o Presidente da República, e falando sobre a Lei das Incompatibilidades, afirmou que a redacção do português daquele diploma era paupérrimo, e certas partes, mesmo á décima leitura não esclarecia dúvidas pertinentes, e até referiu (e aqui a minha surpresa) que em matéria de legística (não confundir com logística) deixava muito a desejar. Incomoda-me muito que o legislador tenha com pouco rigor nas Leis que nos governam. E aqui é duplo o incómodo, por um lado a redacção num português intrincado, onde se incluem os conceitos mal aplicados, por outro, masi técnico, por, muitas vezes, não respeitar as regras de elaboração técnica e produção legislativa (a legística).
Uns e outros que do alto da sua pena acham que misturar alhos com bugalhos é de somenos, põe-se a jeito para serem apodados de opiniáticos encartados.
2. A incontinência verbal, e verborreia do Presidente da República (como lhe chamou Helena Matos comentadora da CNN), levou Carlos Magno, comentador conhecidíssimo de um canal de tv nacional, a decretar o fim da inimputabilidade de Marcelo Rebelo de Sousa, que como sabemos, quando não anda nas intermináveis viagens pelo estrangeiro, batendo todos os recordes dos seus antecessores, tudo faz para verberar uns bitaites sobre tudo quanto mexe.
Desta feita esbandalhou-se ao comprido, quando de forma ligeira se referiu ao número das vítimas de abuso sexual identificados pela comissão independente que investiga os abusos na igreja.
Foi até necessário que António Costa, que ele tão paternalmente faz questão de tratar, vir a terreiro defender o Presidente da República, tal o coro de indignação que se levantou ás presidenciais considerações.
Marcelo ainda sentiu a necessidade de emitir uma nota explicativa, e de reforçar e “explicar” melhor frente às câmaras o que quis dizer quando disse o que disse, não sem antes lamentar o ter sido incompreendido. Um pedido de desculpas fica bem a um católico como ele. Só o fez, após ter sido pressionado por todo o espectro partidário, excepto o PSD que ficou encolhido a ver se ninguém reparava nele. Marcelo na quinta feira lá veio pedir desculpa, mas à condição (vê-se que é teimoso), dizendo que “se ofendi alguém … peço desculpa”. Isto é, as desculpas que pediu não foram sinceras. Cada um fica no que lhe parece, e a muitos parece mesmo mal.
3. Marcelo Rebelo de Sousa optou, face a várias polémicas suscitadas sobre membros do governo, pedir uma reavaliação, por parte da Assembleia da República, daquilo que designou como, Lei das Incompatibilidades.
Importa desde já esclarecer que a Lei das incompatibilidades, que se acha vertida na Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, foi revogada (já não existe portanto) pela Lei nº 52/2019, de 31 de Julho, que estabelece o Regime do exercício de funções por titulares de cargos públicos e altos cargos públicos, onde essa matéria é agora tratada.
Numa semana pouco feliz, este foi o acto mais útil que Marcelo teve. Acompanho a necessidade de se rever aquele quadro jurídico porquanto certos artigos são de difícil leitura, e dá azo a entendimentos enviesados (ainda nos lembramos há muitos anos atrás da célebre virgula num diploma colocada segundo alguns a pedido, ou da célebre Lei da limitação de mandatos cuja redacção, perfeitamente inócua, desvirtuando o fim que visava não o alcançando, perante o encolher de ombros do legislador).
Não vou aqui, por falta de espaço, e por não ser no tempo adequado, analisar o diploma, mas chamo á atenção para um pormenor importante: o diploma tal como está impede um governante de intervir em actos de contratação pública, independentemente de ser o titular da área governativa ou não, se enquadrado em certos pressupostos. Aparentemente o governo está munido de pareceres da PGR, com a apologia de que não sendo o visado o ministro da tutela, não está afectado pelo impedimento. Na minha muito modesta opinião a PGR está enganada. Como a PGR não é um órgão legislativo, tem de se conter na letra da Lei.
Faz, pois todo o sentido rever qualitativamente este diploma.
– Oliveira Dias
Politólogo