Tem-se vindo a acentuar na sociedade portuguesa uma espécie de “status quo” que cultua uma forma de encarar as vicissitudes da vida politica, e não só, mas sobretudo no “mundus” politico, uma postura de hipersensibilidade, perante contrariedades, de que no meu tempo de moçoilo se apodava de “mariquinhas” ou “pé de salsa”, tal a mesquinhez dos casos, ou a manifesta falta de importância de certos actos.
Registo, também uma dualidade, neste panorama, entre dois mundos muito distintos, por um lado o que se passa em Portugal continental, e o Portugal insular, designadamente na Região Autónoma da Madeira.
Na Madeira quando se vê o braço direito de Alberto João Jardim, a perseguir uma jornalista de conhecida e reconhecida proximidade ao Partido Comunista Português, na rua mais conhecida do funchal, a berrar em plenos pulmões os mais diversos impropérios à senhora, apenas e só porque abominava gente esquerdalha, isso não incomodou ninguém, foi completamente inconsequente. Merecendo do vulgo um encolher de ombros.
Ou, quando num serviço religioso, numa das muitas igrejas construídas pelo governo regional, o Presidente desse mesmo governo ordena a determinado cidadão que se retire da igreja, uma vez que a sua condição de esquerdalha era incompatível com a sua presença ali, isso não incomodou ninguém, e até arrancou uns quantos sorrisos maliciosos.
Ou mesmo quando em plena Assembleia Municipal numa autarquia do norte da madeira, São Vicente, um vereador, exaltado, insulta profusamente o Presidente de Câmara, quase se chegando a vias de facto, tendo sido o corolário de tal situação uma queixa por ofensas e difamação junto do Ministério Público de São Vicente, tendo-se, o Procurador, limitado a arquivar a queixa por considerar que impropérios, ofensas e difamação entre políticos é algo normal e socialmente aceitável. Para além de se especular se não teria sido aquilo uma vendetta por se ter cortado o caminho viário à casa de função, propriedade do município de resto, onde residia o Procurador, nada mais suscitou o caso, normalizando práticas, quiçá seculares.
Seria um exercício interessante e substituir os protagonistas insulares pelos continentais … caía o Carmo e a Trindade e arredores até ao algarve.
Por cá os “vidrinhos”, em regra jornalistas e opinadores encartados, estão sempre de lupa na mão á procura da mais insignificante matéria e alcandorá-la ao pináculo do interesse público informativo.
Veja-se a participação portuguesa no Catar (Qatar), os jornalistas portugueses até babavam no afã de encontrar num leve elevar de sobrolho de Ronaldo, algo para noticiar de tão importante que era. Ou da estonteante relevância de Ronaldo levar as mãos aos calções procurando uma pastilha. Ou como olhava, ou como sorria, ou como andava ou como qualquer coisa não importa o quê … o evento desportivo? uma mera irrelevância.
Acabou o Catar? Venham as cheias … um fartote de encher a barriga, para além de opinadores e opinantes especialistas de ocasião, verberarem toda a espécie de anátemas aos Presidentes de Câmara, culpando-os pelo caos urbanístico das nossas cidades, esquecendo que muito dos disparates realizados foram-mo antes de 1974. Depois de 1974 houve muito erro, é um facto, mas a construção em leitos de cheia, essa não aconteceu com a leva do Poder Local que se seguiu à constituinte de 1976. Haja juízo.
Mas, dizia eu, as cheias foram motivo para se elevar a notícia “prime time” de António Costa não ter telefonado a Carlos Moedas … á desgraçada atitude reveladora da mais impia personalidade, sim, porque Marcelo Rebelo de Sousa esse está com o povo, a molhar os sapatos, e a tirar selfies com o Presidente da Câmara de Lisboa. Olha não lhe deu para vir a Loures ou a Odivelas … foi pena o Marcelo não estar no meu carro na primeira noite das cheias, vir do aeroporto para a Amadora, percorrer estradas que mais pareciam repuxos de rotundas, e chegar á rotunda do strada e sentir a sensação de ser cercado por um mar de água ao nível das portas do carro … .
Enfim pormenores. Mas voltando aos vidrinhos, temos o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que em livro, ardilosamente gizado, e fazendo jus á máxima siciliana “a vingança é um prato que se serve frio”, lá publica um livrito a fazer queixinhas de ter sido pressionado pelo primeiro ministro, mas concluindo que de nada adiantou. Ou seja, se a pressão não determinou o fim, então não passou de um arrufo sem nenhuma importância … mas isso não interessa para nada, o marketing manda que se faça ruído, vender é preciso.
Se recuarmos no passado, ainda me lembro a propósito do caso de Alcochete, dos dois procuradores do ministério público responsáveis pelo dossier, trazerem a público a “nefanda” pressão a que teriam sido sujeitos por parte de um ex-colega de curso, por acaso, naquele momento director do eurojust, que em telefonema jogando conversa fora, como se costuma fazer entre ex-colegas, terá opinado sobre a prescrição de determinada diligência … os procuradores, quais vestais do templo, ofendidas, carpiram publicamente a inaceitável pressão, e com isso conseguiram que o director do Eurojust simplesmente fosse afastado do cargo internacional que tanto prestigiava o País.
Camões falava dos “velhos do restelo”, para caracterizar aqueles que nada fazendo, nada deixam fazer, eu atrevo-me a dizer que se Camões cá viesse hoje diria “os velhos do restelo comparados com os vidrinhos, são meninos de coro”.
Também acho.
– Oliveira Dias
Politólogo