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Quando, em Portugal, se fala em autarquias locais, particularmente das freguesias, a autarquia local de nível paroquial, no que à circunscrição territorial diz respeito (compreende-se o termo paroquial, quando sabemos que ao serem criadas as “juntas de Paróquia” no século XIX, no governo da Dona Maria, então sedeado, em Angra, nos Açores, através do Decreto da Regência do Reino, nº 25, em 26 de Novembro de 1830, onde se preambula que
(sic) Sendo necessário para o bom regimento, e policia dos Povos que haja em todas as Parochias alguma autoridade local, que possua a inteir confiança dos vizinhos, e que seja especialmente encarregada de prover e administrar os negócios, e interesses particulares dos mesmos (…) Haverá em cada Parochia uma Junta nomeada pelos vizinhos da Parochia (…) Juntas de Parochia
aproveitou-se a divisão paroquial que a igreja tinha então implementada, nascendo assim as circunscrições paroquiais seculares, a partir das religiosas, mas nada tendo a ver com elas) costumeiramente designada de “nível infra-municipal” (erradamente, por se partir do principio que o nível municipal se acha “ocupado” apenas por municípios, quando, seguindo as lições do saudoso professor Sousa Franco, no seu Manual de Direito e Finanças Públicas, explicava que o caracter municipal assenta em 3 pressupostos basilares: as relações vicinais, território próprio, orçamento e pessoal próprio, condições satisfeitas quer pelo município quer pela freguesia, concluindo, pois, ser a freguesia, também ela, uma entidade de carácter municipal), é vastas vezes olhada como o parente pobre do poder local português.
Percebe-se porquê, quando Freitas do Amaral, num congresso da ANAFRE dizia-se surpreendido por sempre ter achado que as freguesias não passavam de serviços para emitir uns tantos papeis e pouco mais.
Foi apenas com António Guterres, que as freguesias viram cair as “amarras” financeiras, uma vez que até então as verbas oriundas do Orçamento do Estado, com destino às freguesias, eram encaminhadas para os respectivos municípios, e depois estes faziam chegar, as verbas às Freguesias, quando bem lhes apetecia, numa dependência financeira incompreensível.
Foi também com António Guterres que as freguesias passaram a integrar de pleno direito o CES (Conselho Económico e Social), adquirindo o estatuto de parceiro social, que apenas era, até então, reconhecido aos municípios.
Por último também foi com António Guterres, que os Presidentes de Junta e alguns vogais, passaram a exercer o mandato em exclusividade de funções, ou a tempo parcial, com uma remuneração adequada, algo que se tem vindo a reforçar ao longo dos anos.
Aquela imagem do Presidente de Junta, boné na mão, curvado perante o Presidente da Câmara, suplicando em nome do seu povo, como um jornalista ilustrou, na época, numa crónica, e de que lamento não recordar o nome, tinha acabado.
De tudo isto fui testemunha, não só na minha qualidade de Presidente da Assembleia de Freguesia de Famões, mas sobretudo como Vice-Presidente da mesa do Congresso e do Conselho Geral da ANAFRE.
A intervenção da malfadada “Troika”, colocando Portugal sobre protectorado internacional, ao constatar a existência de um Poder Local, atomizado em mais de 4 mil freguesias e 308 municípios, desconhecendo a realidade Freguesia (como podia conhecer se elas apenas existem em Portugal ?), achou ser tudo igual e impôs corte e costura, entusiasticamente abraçado pelo triunvirato Passos Coelho, Miguel Relvas e Paulo Portas (a quem se deve a introdução em Portugal de um novo conceito de irrevogabilidade – a “irrevogabilidade, revogável”), revogaram a Lei quadro de criação de Freguesias, chacinaram o mapa de freguesias sem qualquer critério sério, mas pior SEM AUSCULTAREM AS POPULAÇÕES.
Isto equivaleu a um crime de “lesa-cultura-tradição histórica”, e um retrocesso civilizacional.
De 2013, o “annus horribilis” para as freguesias, até 2021, foram 12 anos de desesperança, mas com a publicação de nova Lei quadro de criação de Freguesias, seja por desagregação das nefandas Uniões de Freguesias, seja por outro motivo qualquer, acendeu-se uma luz ao fundo do túnel, mesmo considerando a elevada complexidade do processo, plasmada na Lei Quadro (os critérios a aplicar são tais que é, hoje, muito mais difícil criar uma nova freguesia, ou desagregar, do que foi a criação do município de Odivelas).
O mais absurdo, para ser politicamente correcto, é ver aqueles que agregaram à força as freguesias, e aqueles que nem oposição fizeram a esse processo, ignorando olimpicamente as populações, virem agora defender que para desagregar se deve ouvir o povo em Referendo local. Isto é uma aleivosia. O povo pode até ser ignaro, mas não é estúpido.
Os Referendo Locais, retiram legitimidade à representatividade dos eleitos, pois estes têm obrigação de interpretar a vontade popular. Só interesses pessoais (compreendo que o corte ou redução do número de exercício de funções a tempo inteiro ou a tempo parcial seja doloroso), ou interesses partidários (quando o Poder Local é uma oportunidade de alcandorar poder efectivo para os partidos, perdê-lo não é agradável), pode explicar a oposição à desagregação e ou criação de Freguesias.
A desagregação da Freguesia, é pois no momento actual o elefante na sala que os eleitos não querem, mas que o povo anseia.
– Oliveira Dias
Politólogo