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Nesta matéria é caso para perguntar, quem tem medo das autarquias? As escolas, ou os agentes escolares, leia-se, professores. É a conclusão que se retira da sistemática insistência dos sindicatos dos professores contra aquilo que apodram de “Municipalização” da educação.
Na realidade subsiste, ainda, na sociedade portuguesa, uns quantos interesses corporativos, com um monopólio total, nas questões que lhes dizem respeito, cabendo ao estado o pagamento das respectivas remunerações e pouco mais, o resto é com essas corporações. Aqui se inclui a educação, ou seja, as escolas.
As escolas, têm uma generosa autonomia de gestão, cujos órgãos directivos são eleitos pelos seus pares, e a pseudo-abertura à comunidade através de outros órgãos da comunidade escolar, onde têm acento associações de pais, municípios e freguesias, no seu conjunto estão para a gestão escolar como as bolinhas de natal, estão para as árvores de natal – não passam de meros enfeites.
Perder esta “independência” e ter de responder a terceiros assusta obviamente, e nessa esteira agita-se o “papão” da municipalização como se fosse uma caixa de pandora, visando os interesses corporativos dos professores.
Antes de mais o termo “municipalização”, para classificar a transferências de algumas competências na área da educação, é profundamente errado. Era como considerar que quando em 1976 a Constituição da República Portuguesa consagrou a existência de um Poder Local, assente na autarcia das comunidades, por isso autarquias, municipalizou a prossecução dos interesses próprios da população. Um disparate pegado.
O termo “municipalização” nasceu em 1933, no código administrativo, pela mão do Professor Marcello Caetano, consolidado em 1940, para significar a exploração “sob forma industrial, por sua conta e risco, serviços públicos de interesse local”, e define quais são: “captação, condução e distribuição de água potável; idem para energia eléctrica e gás de iluminação, aproveitamento, depuração e transformação de águas, lixos e imundices; Construção e funcionamento d e mercados, frigoríficos, balneários, estabelecimentos de águas mineromedicinais e lavadouros públicos, matança de reses e o transporte e distribuição de carnes verdes; higienização de produtos alimentares, designadamente o leite; transporte colectivo de pessoas e mercadorias”. Para Freitas do Amaral, os serviços municipalizados eram pois empresas públicas, mesmo depois do primeiro regime de empresas locais com o diploma 58/1998.
Escolas não se integram neste conceito, em vista ao seu fim, uma vez que não se vislumbra a possibilidade de serem objecto de exploração sob forma industrial. Nem então, e muito menos hoje.
Como chamar então a esta transferência de competências no domínio da educação para as autarquias? Se se tratasse apenas de uma descentralização de competências podia-se chamar “devolução de poderes educativos”, na medida em que uma descentralização corresponde técnica e juridicamente a uma “devolução de poderes”, mas no caso em apreço, não estamos apenas perante uma descentralização, mas sim também perante uma desconcentração de poderes a que corresponde técnica e juridicamente a uma delegação de poderes. E isso é pena. O legislador insiste em transformar entidades independentes (Municípios e Freguesias) em delegante (município) e delegado (freguesia), como se entre elas existisse algum vínculo hierárquico. Um disparate.
A Lei 50/2018, de 16 de Agosto, que procede à transferência de competências para as autarquias locais em diversos domínios, entre eles a educação, comporta uma efectiva descentralização, de competências da administração central para as autarquias (nº 1 do Artº 38º), mas também comporta uma desconcentração dos municípios para as freguesias (nº 2, Artº 38), ignorando olimpicamente preceitos constitucionais, que colocam municípios e freguesias ao mesmo nível de dignidade – autarquias.
Se dúvidas houvesse quanto á descentralização e desconcentração presentes neste diploma, basta olhar para a origem dos recursos financeiros, afectos ao exercício das competências do nº 1 do Artº 38º, (municípios), vêm do orçamento de estado, ao passo que os recursos financeiros para o exercício das competências do nº 2 do Artº 38, (freguesias) vêm do orçamento municipal. Um retrocesso constitucional.
Este diploma está para as autarquias, como a cebola está para o refogado – fazem chorar os olhos. Como se não bastasse esta mistura espúria, de descentralização e desconcentração, está contemplado, para efeitos de monitorização da adequação dos recursos financeiros (hummm …) a existência de uma “comissão de acompanhamento da descentralização” composta por representantes de todos os partidos com acento parlamentar, representante da ANMP e representantes da ANAFRE … ora se isto não é uma tutela de mérito, então não sei bem o que será.
Ora fazendo fé na CRP, a tutela que o estado está autorizado pela constituição a exercer sobre as autarquias é apenas uma “tutela de legalidade” (verificação da legalidade dos actos e contractos praticados pelas autarquias) que exclui sine die a tutela de mérito. Tutela esta, ainda por cima, feita, também, por entidades privadas (ANMP e ANAFRE) sem poderes de autoridade pública.
Mas pior ainda é quando olhamos para as competências que o estado transfere para as autarquias através deste diploma: são elas competências de participação em planeamento, participação na gestão de recursos educativos, participação na aquisição de bens e serviços, participação na organização da segurança escolar, (muitas participações a lembrar muita parra e pouca uva), assegurar refeições, apoio em acção social, garantir alojamento aos alunos, assegurar actividades de enriquecimento curricular, em articulação com escolas, promoção da escolaridade obrigatória, e o recrutamento de pessoal não docente, e mesmo assim não são todas as carreiras.
Tirando a última, verdadeiramente uma competência importante, ainda que mitigada pois não se compreende a razão de não transferir a competência de contratar também professores (claro que dificultaria a acção dos sindicatos na promoção de greves mas sabemos que o interesse dos sindicatos muitas vezes choca com os interesses dos encarregados de educação), todas as demais são uma pífia concessão descentralizadora, o legislador, neste diploma, olha para as autarquias locais como se estas fossem tarefeiras, incapazes de receber verdadeiras responsabilidades no domínio da educação, mantendo-se estas no corporativismo dos professores.
A verdadeira descentralização seria as autarquias receberem a plenitude da responsabilidade da administração de todo o sector educativo, reservando-se para o ministério da educação a definição dos curricula e programas mínimos em todos os graus de ensino, pois é nas autarquias que se concretiza a descentralização do estado, e não em cada unidade escolar, as quais com o grau de autonomia que detinham e continuam a deter, quase se equiparam a autarquias.
A gestão das comunidades escolares, nem sequer integram representantes das autarquias (municípios e freguesias), remetidas para órgãos periféricos, sem responsabilidades executivas.
Em Odivelas temos 8 agrupamentos de escolas, num total de 50 escolas, não tenho nenhuma dúvida, que se a administração e gestão dessas unidades escolares fosse entregue ao município, se obteriam ganhos de eficiência e de eficácia, libertando professores para aquilo que se formaram – dar aulas.
Haja coragem. Que se pecam os medos.
Oliveira Dias, Politólogo