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Em março de 2020, foi declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a pandemia resultante da doença coronavírus 2019 (COVID-19), causada pela síndrome respiratória aguda grave SARS-CoV-2. Esta situação pandémica, para além de se ter tornado numa das principais causas de mortalidade no mundo, teve um impacto socioeconómico inesperado, só comparável a tempos de guerra. Desde que o surto da COVID-19 foi identificado no início de dezembro de 2019, em Wuhan, milhões de pessoas foram infetadas, milhares delas morreram e a economia de muitos países parou.
A comunidade científica e médica constatou que a transmissão do vírus ocorria através da respiração, partículas de aerossóis e toque direto em superfícies abióticas. Por outro lado, também foram reportadas evidências de que a transmissão do vírus podia ocorrer através das fezes. A transmissão do vírus através de pacientes assintomáticos foi também uma realidade observada em muitos casos.
Nesta conformidade, a Organização Mundial da Saúde instou a comunidade científica mundial a desenvolver testes diagnósticos visando conter a propagação do vírus, uma vez que estes constituíam uma ferramenta da maior relevância para se entender a epidemiologia do surto. Além disso, os testes de diagnóstico rápidos foram cruciais para habilitar a tomada de decisões atempada para tratar e isolar os pacientes infetados o que, em última instância, foi determinante para retardar a transmissão do vírus. Neste contexto, no combate à pandemia, foi considerada crucial uma primeira etapa de diagnóstico rápido e preciso da COVID-19, para rastrear potenciais pacientes, confirmar casos suspeitos, fornecer atempadamente cuidados de saúde/tratamento, monitorizar e gerir a pandemia.
O mundo foi confrontado com um conjunto de desafios sem precedentes, tendo a comunidade científica e de investigação reportado o potencial que os biossensores oferecem na resposta aos requisitos de diagnóstico, podendo ser usados para detetar indicadores relacionados com uma doença provocada por um vírus específico. Em comparação com os métodos tradicionais de deteção, vários estudos realizados permitiram concluir que os biossensores podem fornecer um baixo tempo de resposta e elevada sensibilidade de deteção, exibindo um potencial elevado para miniaturização e desenvolvimento de equipamento portátil de análise.
Biossensores são dispositivos analíticos com elementos biológicos como recetores (por exemplo, anticorpos, aptâmeros, peptídeos, proteínas, etc.) que podem gerar sinais físico-químicos (óticos, eletroquímicos, etc.) na presença de alvos para bioreconhecimento. O atual estado-da-arte neste domínio do conhecimento permite constatar que, atualmente, existem oportunidades significativas para os biossensores contribuírem para o rápido diagnóstico e rastreamento de doenças infeciosas, em particular associados à nanotecnologia, com uma deteção ultrassensível de uma gama de marcadores de doenças, permitindo oferecer a possibilidade de realizar um diagnóstico rápido e em tempo real.
No caso particular da doença COVID-19, nos anos mais recentes, têm sido publicados vários artigos em que se refere que o material genético do SARS-CoV-2 tem sido detetado em estações de tratamento de esgoto em vários países, incluindo França, Holanda, Austrália, Itália, EUA, Espanha, Turquia, China, entre outros países. Nesta conformidade, podemos concluir que a instalação de biossensores em condutas de esgoto com capacidade de deteção do SARS-CoV-2, bem como outros vírus, poderá constituir uma poderosa ferramenta de rastreamento em tempo real da fonte de determinadas doenças pandémicas, determinando a existência de potenciais portadores de vírus em certas áreas. Por outro lado, a análise de águas residuais também pode ser usada como uma abordagem mais eficaz para avaliar a extensão da propagação na população de uma determinada doença específica, em vez de se testar cada indivíduo, com um impacto relevante ao nível do custo e rapidez do processo de deteção e isolamento das fontes de contágio, nomeadamente no que se refere a casos assintomáticos. Desta forma, seria possível mitigar atempadamente os efeitos de uma propagação descontrolada do vírus, procedendo-se a um confinamento localizado a uma determinada zona geográfica, reduzindo os impactos na economia em consequência de confinamentos mais alargados resultantes das dificuldades de uma identificação precisa das fontes de contágio. Os potenciais pacientes também beneficiariam do rastreamento efetuado através do biossensor de esgoto, o qual forneceria informações relevantes às autoridades de saúde pública, praticamente em tempo real, visando um tratamento preciso e atempado.
Os biossensores eletroquímicos permitem efetuar deteções, sem preparação de amostras, em diferentes ambientes biológicos, com possibilidade de serem integrados num dispositivo com capacidade de transmissão de informação sem fio.
Agora que aparentemente a pandemia se transformou numa endemia, importa sensibilizar o poder político para a necessidade de, atempadamente, preparar as infraestruturas dos seus territórios, com a tecnologia que permita de forma eficiente e eficaz lidar em tempo real com situações de saúde pública anómalas, criando as condições para que, no momento certo, sejam prestados cuidados de saúde aos seus concidadãos, mitiguem os efeitos nefastos na propagação descontrolada de doenças, quer na qualidade de vida das populações, quer na economia dos países.
As competências de engenharia, de investigação, desenvolvimento e inovação existentes no país permitem antever que, se esta área fosse considerada um desígnio estratégico para os países, Portugal tornar-se-ia um centro de competências neste domínio do conhecimento, impulsionando o aparecimento de empresas de elevado valor acrescentado e com uma rápida capacidade de intervenção em mercados internacionais, contribuindo para dotar os prestadores de cuidados de saúde de ferramentas que permitiriam uma intervenção proativa. Seria certamente um contributo da maior relevância para o desenvolvimento económico e social do país. Portugal não pode continuar na senda de um país reativo, o que hipotecará o futuro das gerações vindouras. Urgem políticas públicas que transformem Portugal num país proativo!
João Calado
(Professor Coordenador Principal do ISEL)
(Ex-Vereador do PSD)