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Com início ainda no século passado e durante as duas décadas deste, os cidadãos têm sido confrontados com um conjunto de mudanças, que se têm consubstanciado no aumento dos défices públicos, na estagnação económica e num percurso errante ao nível da concretização de promessas do poder político indutoras de bem-estar social. Este desidrato tem alavancado algumas alterações nos objetivos e métodos de governação da administração pública, em particular da administração pública local.
Neste contexto, o modelo de gestão subjacente a um Estado de Providência Social tem sido frequentemente colocado em causa, com base em argumentos que lhe atribuem falta de eficiência e eficácia na resposta às necessidades dos cidadãos, às alterações nas dinâmicas do metabolismo da sociedade que os envolve e ao desejável crescimento económico dos territórios. O modelo de gestão em apreço tem vindo a ser considerado, de forma generalizada, como um instrumento indutor da criação de agentes e processos burocráticos, aos quais estão subjacentes, única e exclusivamente, duas vertentes: incremento do seu poder e melhorias significativas do seu bem-estar. Constrangimentos vários, fomentados por grupos de interesse de caráter económico, político e ideológico, associados à incapacidade do modelo de gestão acima mencionado, inviabilizam soluções inovadoras. Tal facto tem sido castrador do aparecimento de um novo modelo de gestão para a administração pública.
Atualmente, somos confrontados com uma atuação do poder político muito diferente da que foi possível constatar após a Segunda Guerra Mundial, em que a situação do mundo exigiu um novo estilo de governação. É nesta conjuntura que os modelos de gestão subjacentes às administrações públicas induzem estruturas menos hierarquizadas, se adotam processos de decisão mais descentralizados e consequentemente desconcentrados, a oferta de bens públicos é minimizada, sendo fomentado o crescimento da iniciativa privada. Esta alteração de paradigma enfatizou a reflexão e o debate acerca da separação entre o poder político e os tecnocratas/administradores públicos, sendo entendimento de que a gestão da “coisa pública” deveria ter subjacente critérios de eficácia económica, maximizando resultados e minimizando os custos intrínsecos à produção dos mesmos. Ou seja, ao poder político ser-lhe-ia atribuída a missão de definir e conceber políticas públicas (caracterizando o que fazer), ficando a sua implementação sobre a responsabilidade dos administradores públicos, de forma isenta.
Várias são as teorias sobre modelos de gestão da “coisa pública” que têm sido reportadas na literatura, às quais está subjacente a imprescindível interação entre governos e sociedade, numa perspetiva de se encontrar equilíbrios entre as necessidades e a capacidade de assegurar as correspondentes e adequadas respostas, tendo em consideração a cada vez maior especialização dos diferentes atores envolvidos, nomeadamente os atores económicos, culturais e sociais. Este desidrato tem sido intrinsecamente influenciado pelo fenómeno da globalização, caraterizado pela eliminação das fronteiras tradicionais e projeção dos atores envolvidos para um cenário mundial, em que o desenvolvimento tecnológico a que temos assistido nos últimos anos ao nível das tecnologias de informação e comunicação tem tido um papel fundamental, nomeadamente no que se refere à redução das tensões resultantes das dicotomias Estado/Mercado e Público/Privado.
É de realçar a consciência generalizada da complexidade dos nossos sistemas de governação e da tendência para a transferência de responsabilidades para o setor privado e associações de voluntários. Do ponto de vista institucional, é cada vez mais difuso o limite entre público e privado, assistindo-se à proliferação de entidades voluntárias, induzindo um apelo ao exercício da cidadania ativa com preocupações acrescidas em relação ao capital social, visando a eficácia económica e social dos territórios em que as comunidades estão inseridas.
Todavia, os modelos organizativos subjacentes ao funcionamento da administração pública, central e local induzem uma estrutura burocrática de funcionamento, com uma base de autoridade formal fortemente hierarquizada, caraterizada pela definição de áreas funcionais, relações interpessoais do tipo superior hierárquico subordinado e centralização da capacidade de decisão. No entanto, começam a emergir tendências visando a adoção de novos modelos organizativos para a prestação dos serviços públicos e desenvolvimento das correspondentes atividades, influenciadas por conceitos neoliberais. Com enfoque na melhoria da eficácia da prestação do serviço público, observa-se uma tendência crescente na privatização de alguns serviços e a contratualização de outros a entidades externas aos organismos públicos.
Realça-se a tendência de crescimento da participação dos cidadãos, de forma individual ou integrados em associações de voluntários, nas atividades dos organismos públicos, procurando contribuir para uma resposta eficaz a solicitações decorrentes de problemas emergentes, que exigem mais recursos humanos e materiais, novos conhecimentos e competências.
Por outro lado, a descentralização de competências para a administração pública local tem vindo a alargar as suas áreas de intervenção originando novos desafios, em consequência da complexidade dos serviços públicos a assegurar e da sua natureza, em algumas situações de caráter intermunicipal. Este novo paradigma tem vindo a contribuir para a necessidade de se refletir sobre a adoção de novos modelos de governação.
Nos anos mais recentes, temos assistido a algumas alterações na estrutura de funcionamento da administração pública local, em que a intermunicipalidade tem assumido um papel cada vez mais relevante. Embora remontem ao início do século passado as manifestações de cooperação intermunicipal, a tendência dos anos mais recentes é para o seu crescimento. Efetivamente, as caraterísticas intrínsecas aos municípios, bem como algumas das competências que recentemente têm sido descentralizadas, exigem a partilha de recursos e infraestruturas nos mais diversos domínios de prestação do serviço público. Nos municípios localizados numa mesma área geográfica e muitas vezes contíguos surgem frequentemente interdependências e problemas comuns, exigindo uma cooperação intermunicipal na implementação de iniciativas comuns que deem respostas eficazes às expetativas dos cidadãos, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida nos seus territórios.
Neste contexto, é desejável que os dirigentes da administração pública local adotem novos modelos de gestão, que induzam novas formas de liderança potenciadoras de um exercício da democracia mais assertivo, abandonando-se a abordagem tradicional de autoridade e controlo. Os modelos tradicionais adotados na gestão da “coisa pública”, consubstanciados nas teorias clássicas da gestão, precisam de evoluir para novos estilos que alavanquem novas formas de abordar os problemas e encontrar as correspondentes desejáveis soluções, num contexto de incerteza crescente e de rápida evolução do conhecimento existente nos mais diversos domínios. Exige-se a adoção de estratégias de envolvimento e participação dos atores afetados ou envolvidos na implementação de uma solução específica, por forma a que sejam tomadas decisões informadas, visando uma resposta adequada às expetativas dos cidadãos. A liderança num contexto de modelo de governação participado pressupõe uma atuação coletiva incluindo o envolvimento da sociedade.
João Calado
(Professor Coordenador Principal do ISEL)
(ex-Vereador do PSD)