Este conteúdo é Reservado a Assinantes
Em 1979 a China iniciou um processo de reforma estrutural da sua economia adotando uma política de abertura a mercados internacionais. Esta estratégia induziu alterações significativas no país ao nível socioeconómico, que se traduziram num rápido crescimento e desenvolvimento da sua economia. Nas décadas subsequentes observou-se uma integração gradual da economia da China na economia global. Entre 1979 e 2013, o crescimento médio anual do Produto Interno Bruto (PIB) da China foi de quase 10%. Nos anos mais recentes e antes da pandemia que assolou o mundo, a China registava crescimentos médios anuais do seu PIB entre os 6 e 7%. Apesar dos efeitos da pandemia na economia mundial, em 2020, a economia da China cresceu 2,3%, sendo uma das poucas grandes economias que registou um crescimento positivo.
Esta mudança de paradigma na economia da China com a sua inserção nas cadeias logísticas de suporte ao comércio internacional proporcionou o seu crescimento económico e expansão comercial, o que se traduziu em oportunidades e desafios para o resto do mundo. Relativamente às oportunidades, por um lado, dado que o rápido crescimento económico tornou a China a segunda maior economia do mundo, o seu enorme mercado tem induzido necessidades acrescidas de importação de matérias-primas e produtos a incorporar na construção de infraestruturas e produção de produtos acabados, bem como na importação de alguns bens de consumo final. A China também se tornou num dos lugares mais atraentes para investimentos estrangeiros diretos. Por outro lado, a China fornece uma grande quantidade de produtos manufaturados a baixo custo, o que beneficia os consumidores dos países importadores, aos quais é proporcionado desfrutar de uma grande variedade e de uma grande quantidade de produtos a preços baixos. Além disso, a integração da China nas cadeias produtivas globais tem vindo a ajudar a aumentar a eficiência da produção global. Quanto aos desafios, os países que usufruem das vantagens proporcionadas pela China podem sofrer com a forte concorrência nos mercados internos e terceirizados. Muitas das indústrias que competem com a China não têm tido a capacidade de aguentar a pressão concorrencial e algumas empresas têm inclusivamente saído do mercado.
Embora a integração da China no mercado global não tenha desencadeado o aparecimento de nenhuma nova teoria em termos de comércio internacional, a dimensão do país tem atraído a atenção da comunidade científica internacional em consequência da sua enorme potencial influência no resto do mundo. A China possui uma grande oferta de mão de obra, muitos recursos naturais, alta capacidade de inovação, um vasto mercado interno e níveis de desenvolvimento regional muito desequilibrados. Além disso, tem um PIB elevado, mas baixo rendimento per capita. Consequentemente, a sua inserção no mercado global tem desencadeado diferentes efeitos, com impactos socioeconómicos não negligenciáveis em vários países e indústrias.
O facto de a China ter um sistema de produção em massa, com oferta no mercado mundial de bens de consumo resultantes de trabalho intensivo e de baixo preço, constitui um potencial deflacionário para os países importadores com grandes implicações no seu sistema produtivo. Esse fenómeno é conhecido como deflação exportadora da China.
Neste contexto, uma questão que não é nova, embora recentemente tenha vindo a atrair um renovado interesse da comunidade científica com o aprofundamento da integração da China na economia global, corresponde à caracterização dos efeitos das interações comerciais ao nível internacional, no mercado de trabalho e consequentemente nas economias dos países desenvolvidos.
Neste contexto, têm sido realizados alguns estudos relativos ao impacto das exportações da China para os Estados Unidos da América, reveladores de que nas regiões mais expostas à concorrência chinesa, há uma tendência generalizada de redução de postos de trabalho, com particular incidência na indústria de manufatura, induzindo um crescimento das taxas de desemprego que não é desprezável. Um outro aspeto identificado nestes estudos carateriza-se por um crescimento significativo das desigualdades salariais. Efetivamente, tem-se constatado que a concorrência das importações da China tem contribuído para um acentuado aumento do desemprego na indústria, principalmente entre os trabalhadores sem formação académica de nível superior. De facto, nos EUA têm-se constatado efeitos heterogéneos entre regiões e indústrias com exposições diferenciadas à concorrência das importações chinesas, mas também heterogéneos ao nível dos trabalhadores. As importações da China têm implicado ajustes no custo da mão de obra com maior impacto nos trabalhadores com qualificações académicas mais baixas.
Considerando agora o continente europeu, os estudos que têm sido reportados na literatura demonstram que a concorrência da China tem tido impactos significativos ao nível fabril, induzindo um fluxo migratório de trabalhadores das unidades fabris tecnologicamente menos avançadas para aquelas em que o processo produtivo está mais automatizado. Constata-se que os trabalhadores mais afetados são os menos qualificados academicamente, sendo muitos forçados à situação de desemprego, não se registando alterações significativas ao nível dos profissionais com formação académica de nível superior. Globalmente é considerado que o impacto das exportações da China para a Europa é inferior ao verificado nos EUA, tanto ao nível da economia dos países, como no mercado de trabalho.
Todavia, na Europa, a Alemanha parece ser uma exceção tendo em consideração o resultado de estudos realizados sobre o seu mercado de trabalho. Tem sido reportado que os efeitos das importações na China nos mercados de trabalho locais, nomeadamente considerando setores de mão de obra intensiva, são insignificantes sobre o emprego. Alguns autores referem que uma explicação plausível para este facto se deve essencialmente a que as importações que a Alemanha vem fazendo da China têm genericamente substituído importações de outros países. Todavia, este não é o paradigma observado nos EUA e em muitos outros países europeus.
João Calado
(Professor Coordenador Principal do ISEL)
(ex-Vereador do PSD)