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Desde que o acrónimo SOS (Save Our Souls) foi fixado como convenção internacional para emergência, significando única e simplesmente – AGORA, JÀ, IMEDIATAMENTE – que não se oferece nenhuma dúvida, a ninguém, sobre o tempo de resposta a uma necessidade.
Bem diferente da escala de prioridades de uma urgência, como por exemplo o chamado protocolo de manchester, cuja escala vai desde o “não urgente”, “pouco urgente”, “urgente”, e o “muito urgente”, sendo o último escalão o “emergente”, este já não sendo exactamente um critério que integre a definição de conceito de urgência, mas que a triagem de manchester “adoptou” para o seu procedimento de saúde, associando a cada um destes níveis uma cor.
Existem domínios da nossa vida em sociedade, e não só, onde a escala de urgências pode ser aplicada com eficiência e eficácia, mas outros há que se não compadecem com escala de espécie nenhuma e reclama uma imediata acção ou reacção, é o caso do SOS.
Ora a que propósito isto vem ?
Um conjunto de situações da “vida real” tem-me feito pensar muito no quanto errado são determinadas respostas sociais, e o quão “ocas” soam certas declarações inflamadas, nos 20 segundos de “glória” que uma qualquer Tv proporciona, mas o pior é que a sociedade, dita “civil” também não anda melhor, como que anestesiada, amorfa, insensível ao que a rodeia.
Um destes dias, pessoa próxima deu-me a conhecer uma situação cuja emergência reclamava uma intervenção imediata, um jovem, por motivos diversos de foro familiar, iria passar a noite na rua … “problemas” diria um amigo meu madeirense, quando se quera referir questões complicadas. O Jovem não tinha onde pernoitar, e recorreu a amigos na esperança de obter um tecto para aquela noite. Ao menos isso. A alternativa era um qualquer banco de jardim, paragem de autocarro, ou estação de comboio. O frio, era o maior problema.
Não tendo eu próprio condições de acudir, como era meu desejo, faço uns telefonemas. Chego á fala de alguém que pode resolver o problema, um operacional, homem de rua que conhece o mundo dos sem abrigo, está habituado a ajudar.
Seguiu-se um interrogatório interminável sobre o rapaz, onde estudava, que curso anda a tirar? trabalha? Trabalhava no MacDonalds? O que fazia lá? Fazia hamburguers, respondi eu, absolutamente convencido que é esse o negócio do Mac Donalds, se o despediram alguma coisa ele fez porque essas empresas não despedem ninguém, sentenciou ele de imediato. Ainda retorqui que as empresas do género têm um elevado índice de rotação de pessoal, por alguma razão era … mas já me estava a afastar do cerne da questão. E a família, o que faz o pai e a mãe, tem irmãos, se se incompatibilizou com o Pai é porque pisou o risco, … enfim percebi que isto estava a encaminhar-se para a “triagem de manchester” tipo hospital Santa Maria, ou seja, o tempo de espera seria superior à noite ao relento a que o jovem estava votado. Deu em nada. Todas as questões eram legítimas a vários títulos, mas numa emergência, actua-se primeiro e pergunta-se depois.
Outra situação paradigmática, real, verídica, não é recente, mas é intemporal, prende-se com duas instituições conhecidas, a Santa Casa da Misericórdia e a Confraria de São Vicente de Paula. Uma breve explicação sobre as instituições nominada “Santa Casa da Misericórdia”, existem muitas por esse país fora, mas nada têm a ver com a de Lisboa. Então numa dessas muitas que existem, um cidadão acorreram buscando auxilio, a família, mulher dois filhos e ele próprio, nada tinham de comer, não tinham dinheiro, a família distante não estava em condições de dar apoio alimentar, o caso era mesmo muito sério.
A funcionária dessa “Santa Casa”, entregou-lhe um impresso, ordenando que o preenchesse e o entregasse, sem erros, nem rasuras, e receberia uma resposta nos oito dias seguintes. O cidadão abandona o edifício em lágrimas. Completamente desolado.
Alguém presenciou a cena. Esse alguém estava á porta de uma Confraria de São Vicente de Paula, mesmo do outro da rua da “Santa Casa”, e chamou o homem.
“Então diga-me lá homem o que se passa consigo?” Ele contou o que se passara, e de como não sabia como fazer, nem dizer em casa quando chegasse sem soluções.
Então, tenha calma. Limpe as lágrimas e aguarde um pouco. Uns minutos depois são-lhe entregues sacos com mantimentos, para toda a família, para pelo menos duas semanas, com a recomendação de precisando voltar ali novamente, tudo se arranjaria.
Ou seja a noção de que uma emergência pode esperar 8 dias, é absolutamente irrazoável. E isto tem vindo a manifestar-se como uma normalidade intolerável.
As IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) têm um papel importante e determinante, porque o Estado “delega” nelas muitos milhões para apoio social, e em troca estas prestam serviços sociais indispensáveis.
Mas que existe muita insensibilidade lá isso existe. E não resisto a “en passant” dar aqui registo de uma outra situação que me deixou estupefacto. Estando ligado a organizações que prestam apoio a terceiros, designadamente ao nível de roupas, empenhei-me pessoalmente na distribuição de toneladas de roupas, muitas novinhas a estrear, em Ferreira do Alentejo, cujo destino eram populações imigrantes, e uma freguesia da região de Lisboa com meia tonelada de roupas, cujo destino era o apoio social da mesma.
Certa ocasião, uma das minhas filhas traz da escola um papel onde se pedia contributos sob a forma de roupas para quem necessita-se, solicitando-se pelo menos que cada aluno pudesse contribuir com um saco de roupas que já não usasse, cujo destino seria uma determinada instituição que acolhia jovens.
Para além da minha filha ter transportado 4 sacos de roupa que já não usava, entrei em contato com a directora de turma, comunicando-lhe a minha disponibilidade, para ir mais além na ajuda á referida instituição. Pôs-me em contato com a directora da instituição que me fez saber precisar de determinados números de roupas para rapazes e raparigas de certas idades, e sapatos também.
Com o apoio de uma carrinha de uma IPSS a que estou ligado, e um colega da mesma, fomos buscar dezenas de caixotes com material conforme solicitado, a Leiria. Regressados, entregámos o material na tal instituição, carregando os caixotes, dezenas, sem que alguém da instituição desse uma mãozinha. No fim nem um telefonema agradecendo.
Fiquei com aquela impressão de que ficaram a achar ser nossa obrigação, ter todo aquele trabalho.
Há um enorme trabalho a desenvolver na mudança de paradigma do que é ser-se solidário, do que é uma emergência, e do que é sobranceria, enfim o que é que andamos fazer neste mundo.
Oliveira Dias
Politólogo