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Grande celeuma espoletou à volta do “irritante” politico interno, dos últimos tempos, assente na polémica construção do Palco-Altar, destinado a receber o Papa, nas Jornadas Mundiais da Juventude, ali no parque das nações, promovida pela Igreja católica, evento este, como nos recordamos, foi anunciado euforicamente, e em primeiríssima mão, pelo Presidente da República Portuguesa, no Panamá, aquando da sua última realização em 2019. Coincidência Marcelo estar lá … . Talvez não.
Foi uma festa, em Portugal, e face a um evento desta importância e impacto, o governo apressou-se a excepcionar os custos para este evento das regras da contratação pública, facilitando o recurso a “ajustes directos”, para agilizar as coisas, o que permitiu a um solicito Presidente de Câmara de Lisboa, não ter de andar a contar moedas, para adjudicar a quem melhor lhe aprouvesse a obra, de um Altar, mais tarde, Palco, depois Altar-Palco, e por último Palco-Altar, por 4 milhões de euros, explicando o edil, que “aquilo” seria um Palco, cuja primeira utilização seria para Altar, mas finado evento, a estrutura manter-se-ia para eventos futuros que viessem para Lisboa.
Uma explicação com alguma lógica, percebe-se o alcance dessa visão, mas não escapa a ninguém o “chico espertismo” em que alguns atores políticos são profissionais, pois se tivesse sido de facto essa a visão, primacial, ela teria sido explicada á saciedade e á sociedade, a começar pelos órgãos autárquicos promotores da obra. E isso não aconteceu, senão por acção de um irritado Presidente da República, o qual fez questão de relembrar a característica de um Papa próximo dos mais necessitados, que recusa a opulência, etc, etc.
Marcelo, incomodado, pelo elevado montante de uma estrutura, que deveria ser efémera, afinal foi ele quem anunciou o evento, lá veio fazer o papel de vestal arrependida, e encabeçou o clamor público, descobrindo-se, que afinal havia um outro Altar-Palco, previsto para o parque Eduardo VII, este já custando a módica quantia de 2 milhões, e este sim para desmontar no final do evento.
Isto levanta uma série de questões relacionadas com aspectos pertinentes, desde logo o envolvimento do estado e das autarquias locais num evento particular, de caracter religioso, quando Portugal se preza ser um Estado laico, e levanta uma pergunta: se a iniciativa fosse de uma outra confissão religiosa, o Estado empenhar-se-ia também com este nível de envolvimento (mudança de leis, e participando no financiamento)?
Outra questão relevante, ninguém achou importante, face á excepção legal, de cumprir o limite para ajustes directos (abrindo a porta a suspeições e reservas por parte das oposições), de aumentar na mesma proporção o nível de escrutínio interno nas entidades que vão assegurar os custos? Como? Impondo, excepcionalmente, por via legal, alterações ao regime jurídico das autarquias locais, que os ajustes directos implicassem um envolvimento qualificado dos executivos, e deliberativos, por exemplo exigindo para a aprovação do ajuste directo, neste caso, do voto favorável de 2/3 do respectivo órgão colegial (Câmara Municipal), e ratificação em Assembleia Municipal?
Quando se sabe agora que podia ter-se partido para tudo isto poupando cerca de 3 milhões, por reformulação de custos do Palco-Altar de 4 milhões para 2.9 mihões, e de o palco secundário passar de 2 milhões para zero custo ao erário público, na medida em que a Igreja católica assume a totalidade dos custos, percebe-se que algo andou muito mal nesta questão – incompetência, ou afã de aproveitar um evento para engrossar lucros á custa do erário público?
D. Américo Aguiar, Bispo auxiliar de Lisboa, e Presidente da Fundação das Jornadas Mundiais da Juventude, veio a terreiro, numa espécie de acto de contrição, pedir desculpa, justificando que “não estamos habituados a isto” referindo-se á inexperiência na organização de grandes eventos. Ficou-lhe bem.
Mas, sim, estamos, em Portugal, habituados a este tipo de coisas, e o êxito da Expo98 (lembro-me bem quando um deputado estadual brasileiro integrando uma comitiva de estrangeiros, participantes num congresso de municípios ibero-americanos, visitou as obras em 1997, e me garantia que não íamos conseguir alcançar o objectivo de ter tudo pronto no ano seguinte. Lembro-me, particularmente, da satisfação com que lhe anunciei ter-se equivocado), e do Euro2004 (até vieram comitivas de outros países aprender com a experiência portuguesa), são bem um exemplo disso mesmo, para não falar de outros eventos grandiosos de calibre internacional. No caso da igreja, as extraordinárias obras, subterrâneas, no santuário de Fátima cujo custo para a igreja, orçou os 14 milhões de euros, creditam o bom desempenho e sobretudo “saber fazer” dos portugueses.
A simplicidade vilã (do vilão que vive na sua modesta vila ou pequena cidade) interroga-se sobre os motivos da necessidade de um Altar, com 2 mil lugares … entra pelos olhos dentro que estes lugares são os VIP (Very important parson), ou no nosso vernáculo os ICC (importantes como o carago), apartados do vulgo (do povo). A igreja labora num erro milenar, quando se afasta assim das suas ovelhas. Não é por acaso que para aceder a um qualquer altar é preciso subir degraus, de modo ao oficiante ficar a um nível superior relativamente ao seu rebanho.
É por essa razão, também que em qualquer loja maçónica o “Oriente” é acedido subindo três degraus, simboliza o acesso ao Poder, à luz.
Já os Templários, que tinham a sua religião cristã, que não católica, reuniam em capítulos, e o que era um capítulo? Um encontro de “capos”, termo que deriva do latim e significa “cabeça”, então o capítulo é uma reunião de cabeças, sem desníveis, sem degraus, todos se encontravam no mesmo plano, simbolizando uma efectiva igualdade entre o líder e os liderados. Assim acontecia nas suas missas.
No caso em apreço ao pretender dividir a audiência entre os que têm o privilégio de “estar” no Palco ou Altar, e o povo, conduziu aos elevados custos da construção, quando se percebe que á semelhança do que vai acontecer no Parque Eduardo VII, onde se estima gastar 450 mil euros com o Palco, ali no Oriente bem se podia fazer o mesmo.
Mas ainda se podia ir mais longe, no que à poupança se refere … porque razão são necessários DOIS palcos, em Lisboa? Ainda se fosse um em Lisboa e outro no Porto … Nem me atrevo a cogitar justificações porque a minha capacidade imaginativa é limitada e não o consigo fazer, o que sei é que dos 6 milhões do dinheiro dos contribuintes, para palcos, podia-se ficar pelos 450 mil euros, ou seja, uma poupança de 5,6 milhões de euros.
Isto mantendo Lisboa para a realização do evento … porque se fosse escolhida Fátima o custo com palcos era ZERO. Administrar e gerir o dinheiro dos contribuintes tem muito que se lhe diga. Isto dá que pensar, não dá?
Oliveira Dias
Politólogo
(Publicado na edição de 18 de Fevereiro/2023 do Semanário “NoticiasLx”)