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O n.º 4, do art.º 41.º da Constituição da República Portuguesa determina que «as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto».
Já a Lei da Liberdade Religiosa expressa um conjunto de Princípios que emanam da determinação constitucional acima e que em si mesmo encerram o princípio da laicidade do Estado português.
Assim no art.º 3.º, da Lei da Liberdade Religiosa é expresso o princípio da separação das confissões do Estado («As igrejas e demais comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto»). Já o disposto no n.º 1, do art.º 4.º, da Lei da Liberdade Religiosa estabelece o Princípio da Não Confessionalidade do Estado, i.e., determina que o «Estado não adopta qualquer religião nem se pronuncia sobre questões religiosas». Sim, o Estado português tem mesmo de ser laico.
Aqui chegados, verificando-se que as Jornadas Mundiais da Juventude, de matriz claramente confessional católica, deveria ser um evento organizado pela Igreja Católica Apostólica Romana e a esta e só a esta deveriam ser imputados os custos inerentes a estas Jornadas.
Não perceber isto é permitir que o clubismo religioso se imponha às leis da República. Facto é que nenhum político recebeu mandato popular nem legal para com os recursos dos contribuintes financiar uma festa / um encontro da Igreja Católica.
Não receberam esse mandato porque o nosso Contrato Social proíbe misturas entre o Estado e as Confissões Religiosas.
Não agir enquanto político de forma laica, é agir contra o sistema que fundamos em Abril de 1974 e consagramos na Constituição de 1975.
É com tristeza que verifico esta tendência para não Saber-Ser dos nossos governantes. Vejo-o nos beija-mãos/anéis irritantemente constantes do Sr. Presidente da República e vejo-o ainda na disponibilidade de Governos e Autarcas em se vergarem perante as exigências, necessidades e projectos da Igreja Católica. Se a outras confissões fosse feito o mesmo a tristeza e a vergonha alheia seriam os mesmos, pois enquanto cidadão estou determinado em cumprir a lei e quando dela não gosto luto por alterá-la e só depois mudo os meus comportamentos. A ligeireza com que os nossos líderes políticos fazem da lei tábua-rasa só tem um resultado, legitimar o incumprimento das regras também por parte dos cidadãos. Porque não? Se os governantes não sentem necessidade de cumprir o expresso na lei, porque deverão os cidadãos fazê-lo.
Por outro lado, a Igreja Católica, especialmente em Portugal vive um dilema, o tempo em que vivemos e a anacronia persistente das lideranças eclesiásticas que embaraçam cidadãos crentes e não-crentes. O capital moral e ético da Igreja Católica esmurece e é mitigado por prácticas antagónicas ao que diz defender. Quando vemos a forma inflamada como o actual Pontífice fala do humanismo e da necessidade de partilha e eliminação dos esbanjamentos, verificamos que o bispado luso interpreta isso como sempre o fez, encomenda ao Estado, seu eterno servo, os custos dos seus desmandos, festas e eventos. Depois, quando o Tribunal da Opinião Pública encimado por muitos milhares de crentes vem questionar o motivo pelo qual a Igreja apresenta a factura das Jornadas Mundiais da Juventude ao Estado, mais uma vez ignorando o fundamental, veio promover este golpe de teatro onde consideram que a salvação deste caso se faz por imputar menos despesa ao Estado. Pois que fique claro, o problema não é o preço. O problema é a cúpula da Igreja não entender continuadamente que não pode continuar a ser dono do Estado, nem o Estado ser seu instrumento.
Os autos de fé e as fogueiras condescendidos pelo poder régio de outrora e os eventos que deseja e manda o Estado pagar, não são nada mais do que duas faces da mesma anacrónica moeda, a não aceitação da separação do poder secular do poder temporal.
Esta visão que aponta para um posicionamento da Igreja a um nível superior está igualmente na base do acontecido com os comportamentos e os silêncios gerados através de cúmplices meter de cabeças na areia, que se verificaram e pelos vistos se continuarão a verificar nos casos de abusos predatórios e sexuais que muitos sacerdotes adoptaram. A humildade defendida por Cristo não se compagina com este status quo da soberba, onde tudo é possível por quem se considera acima e dono de tudo. Assim, não vale.
Façam os palcos e as festas que quiserem, todavia envolvam o Estado somente no que aos necessários licenciamentos compete.
Paulo Bernardo e Sousa, Politólogo
(Publicado na edição de 18 de Fevereiro/2023 do Semanário “NoticiasLx”)