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A descarbonização associada à utilização de energia classificada como uma transição crítica para mitigar os efeitos intrínsecos às alterações climáticas está a induzir alterações substanciais nas organizações e nos sistemas energéticos dos países. Este processo de transição tem vindo a ser impulsionado pelas políticas climáticas que têm vindo a ser adotadas, pela descentralização da produção de energia elétrica e pela digitalização de edifícios e outras infraestruturas.
No que se refere aos edifícios, a adoção de boas práticas visando a sua eficiência energética e o consumo de energia produzida recorrendo a fontes de energia caraterizadas por reduzidas emissões de carbono para a atmosfera, começa a estar subjacente aos processos de tomada de decisão, em consequência dos desenvolvimentos tecnológicos que, nos últimos anos, têm estado associados a este domínio do conhecimento e às pressões das organizações internacionais que têm vindo a estabelecer desafios que contribuam para a descarbonização do planeta. Por outro lado, a evolução tecnológica tem vindo a proporcionar novas formas de interação entre as redes de distribuição de energia elétrica e os edifícios, proporcionadoras de novas oportunidades e benefícios para os edifícios comerciais e de serviços, quer sejam privados ou públicos.
De acordo com dados da Direção Geral de Energia e Geologia, o consumo de energia elétrica no setor dos edifícios representa cerca de 40% da energia consumida na Europa e, em Portugal, representa cerca de 30% da energia consumida no país. Este cenário tem tendência a agravar-se em consequência das alterações climáticas que têm vindo a provocar eventos climáticos mais extremos, com um aumento das altas e baixas temperaturas, o que exige mais energia para arrefecer e aquecer os edifícios, proporcionando conforto térmico aos seus ocupantes. Estima a mesma fonte, que os mencionados consumos podem ser reduzidos em aproximadamente 50%, recorrendo a medidas de eficiência energética o que, relativamente à redução da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, representaria quase a totalidade do compromisso assumido pela União Europeia com a assinatura do Protocolo de Quioto. Fica assim claro o potencial que existe no setor dos edifícios para contribuir para o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelas Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável do planeta.
É neste contexto que a gestão de edifícios públicos, existentes ou a construir, tem atualmente responsabilidades acrescidas, nomeadamente no que se refere a grandes edifícios dos serviços da administração pública central e local, hospitais, campus de instituições do ensino superior, entre outros, sendo fundamental o conhecimento do estado-da-arte relativo aos sistemas energéticos. A tomada de consciência dos benefícios para as organizações e para a própria rede de distribuição de energia elétrica será determinante para alavancar tomadas de decisão para dotar os edifícios da inteligência fundamental à sua inserção numa sociedade descarbonizada.
Embora as estratégias a adotar pelas organizações possam diferir em função das suas especificidades, resultaram inevitavelmente em ações específicas para uma gestão racional do consumo de energia elétrica, com impacto no pedido de energia à rede de distribuição e no fornecimento de energia a essa mesma rede. O desafio emergente passa pela adoção de uma estratégia colaborativa entre edifícios inteligentes e redes de distribuição de energia elétrica inteligentes, que potencie a redução de consumos de energia elétrica produzida a partir de combustíveis fósseis, assegure estabilidade e uniformidade nas solicitações de energia elétrica à rede de distribuição através de um sistema inteligente de deslastre de cargas e introduza flexibilidade na geração de receita proveniente da venda de energia elétrica à rede de distribuição, produzida localmente com recurso a fontes de energia renovável.
Para alcançar o desidrato acima mencionado, têm vindo a ser identificados diversos fatores tecnológicos, nomeadamente subjacentes à implementação de estratégias em grandes edifícios públicos e privados, que podem ser agrupados em três grandes grupos: transição para um novo sistema energético que tem subjacente a produção descentralizada de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável; adoção de novas tecnologias para armazenamento de energia elétrica e deslastre de cargas, visando mitigar os efeitos das intermitências resultantes da produção de energia elétrica a partir de energia solar e eólica; a digitalização das infraestruturas, permitindo um maior controlo dos equipamentos consumidores de energia elétrica, bem como a monitorização em tempo real do metabolismo do edifício.
Com as tecnologias emergentes desenvolvidas para a gestão de energia elétrica, os edifícios têm a possibilidade de interagir com a rede de distribuição, em contraste com o que se passa atualmente na maioria dos edifícios, que assumem o papel de consumidores passivos. A geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis, no próprio edifício ou integrando comunidades locais de produção, bem como a capacidade de armazenamento de energia elétrica utilizando baterias, originará novos fluxos de alimentação da rede de distribuição de energia elétrica. O processo de interação com a rede de distribuição tem sido designado na literatura anglo saxónica por demand response. Este processo ocorre quando um utilizador de energia elétrica altera a sua solicitação de energia à rede, procurando contribuir para que sejam acomodados constrangimentos a que a rede de distribuição de energia elétrica está sujeita num determinado momento. Por exemplo, um edifício pode optar por reduzir o seu consumo de energia elétrica, desligando equipamentos, sempre que ocorram hipotéticas restrições ao fornecimento de energia elétrica em função da produção que está a ocorrer num determinado momento, e ligar esses equipamentos quando a produção for superior à procura.
João Calado
(Professor Coordenador Principal do ISEL)
(ex-Vereador do PSD)