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Com a passagem de Rui Nabeiro ao Grande Oriente eterno, para utilizar um jargão maçónico, responsável pela marca de uma matéria prima, exógena, o café, no caso o Café Delta, sinalizando este símbolo – Delta – a sua recepção na irmandade, cujo símbolo maior é o Delta, o qual ornamenta todas as lojas azuis de qualquer obediência maçónica, bem por cima do oriente onde do trono do Venerável Mestre, toda a luz emana, não fosse ele, o Venerável Mestre, uma das luzes da loja, no caso a Sabedoria, a par dos seus 1º e 2º vigilantes, respectivamente, a Força e a Beleza. Rui Nabeiro, foi, em vida, a síntese perfeita dos princípios básicos da maçonaria, evidenciando um nível de trabalho na “pedra bruta”, elevando-o ao estatuto de “pedra polida” de forma impar e única, porque sem paralelo em Portugal.
Esta introdução é importante para percebermos as diferenças entre ser Patrão, ser Empresário e ser Empreendedor, e em qual destas designações encaixa o senhor comendador.
Ao longo da minha vida profissional, seja enquanto trabalhador por conta de outrem seja como profissional liberal, tenho encontrado várias dezenas de patrões, empresários e empreendedores, este último em muito menor número que os primeiros.
É consensual que Portugal, apesar da evolução registada ao nível dos seus agentes económicos, ainda é um País de “Patrões”, ou seja, quando uma empresa, ou projecto, tem no seu leme uma pessoa com uma visão bipolar do mundo que a rodeia, onde num dos lados se encontra ele e o seu dinheiro (Capital), e do outro, os que devem dar graças a deus por ter trabalho (factor trabalho), preocupando-o em retirar o máximo dos seus recursos humanos, contra um mínimo de dispêndio, na geração de lucros.
Ao Patrão, pouco lhe interessa o “modus vivendi” daqueles que para si trabalham, e para ele, os problemas dos trabalhadores ficam à porta da empresa. A isto soma-se uma bizarra visão segundo a qual o seu trabalhador é-o, para si, 24h em cima de 24h, pelo que o pagamento de horas extraordinárias causa-lhe assim uma espécie de urticária, e as folgas, fins de semana e feriados, e férias são vistos como um mal de que não podem fugir, porque se pudessem … fugiam mesmo.
Numa das minhas experiências profissionais passei por uma situação espantosa – sendo trabalhador estudante, cursava á noite a Licenciatura de Direito, numa recém criada universidade, a Moderna, em Alcântara, próximo do meu local de trabalho, junto á gare marítima (aquela de onde partiam os soldados para a guerra colonial e as famílias ali se despediam com lenços brancos), certo dia o Director de Recursos Humanos da empresa operadora portuária onde trabalhava, como ajudante de mecânica pesada, faz-me chegar uma nota interna, onde me instava a explicar como o meu estatuto de trabalhador estudante se compaginava com as obrigações decorrentes do horário de trabalho. Sem surpresa, de resto, já fora chamado á gerência um tempo antes, para explicar porque razão um ajudante de mecânico, um homem da ferrugem (sic), pretendia fazer o curso de direito? A minha resposta “Porque não?” deixou o gerente a pensar.
Dos meus colegas, de curso, e não só desse, mas outros que fiz, quase todos trabalhadores em várias áreas, só os ligados ao funcionalismo público usufruíam os seus direitos ao abrigo do estatuto do trabalhador estudante, os demais, os do sector privado, não o faziam porque eram desincentivados a tal.
Este quadro está ao nível do que o patronato pratica. Na teoria dos jogos é um win-lose, em que apenas uma das partes, a do mais forte, o patrão, ganha.
Depois temos os empresários. Estes caracterizam-se por possuírem diversas capacidades essenciais para o sucesso de um negócio. Sabem identificar uma oportunidade, e não hesitam em agarrá-la. Em matéria de recursos humanos privilegiam pessoas, com o “package” completo, ou seja, só recrutam pessoas com formação completa, de preferência com várias especializações, com muita experiência, e exigem dedicação completa á empresa. Como não têm custos de formação daquele recurso humano, podem pagar um pouco mais que a média do mercado. O problema é que, para além do generoso pecúlio, raramente este recurso humano veste a “camisola” e está sempre atento a uma oportunidade de dar o “salto”, para quem lhe pague mais.
Para o recurso humano existe um problema sempre presente – a imperiosa necessidade de dar sempre 100%, porque no momento em que baixa o rendimento, passa á qualidade de dispensável, conhecido como DMT (devolvido ao mercado de trabalho) porque o passado … passou. A expressão “burn out” nasceu aplicada aos trabalhadores que esgotam as suas energias, físicas, mentais e psicológicas, na procura constante de manter ritmos de trabalho altamente exigentes.
Para o empresário, da mesma forma que para o Patrão, o seu principal objectivo é aumentar o seu património de forma exponencial. Nisso se escora a sua ideia de sucesso.
Conheci um empresário, nas minhas lides de consultor de sistemas de gestão da qualidade, cujo lema era “Qualidade é o brio de fazer sempre melhor”, o que estava em linha com a ideia, em voga na época, e ainda hoje, no mundo da qualidade, da “melhoria contínua”, plantada pelos gurus americanos em todos os “guide lines” da qualidade, sem se darem conta da impossibilidade prática, de melhorar continuamente, nem que seja por limitações do “estado da arte” … a ciência avança muito rapidamente, mas também tem limites.
Às vezes até surge um que parece ser um empresário daqueles que se preocupam com os seus trabalhadores … não esqueci um episódio, numa fábrica onde participei numa auditoria de gestão, ao abrigo de um POPH (plano operacional para o potencial humano), e do fundador da mesma, cujo principal atributo, para além de ter sido o fundador da fábrica, vincou uma marca junto dos seus trabalhadores, no mínimo peculiar – todos os dias ele se sentava na portaria da fabrica, fazendo questão de cumprimentar todos os seus trabalhadores assim que abriam os portões da fábrica. E quando dava pela falta de algum logo questionava a razão.
Para uns, isso era visto como um querer estar próximo do seu trabalhador. Para outros era mais como “relógio de ponto” … . Essa actividade incluiu uma componente formativa, que também assegurei, e numa das sessões dei com um dos formandos dormindo a bom dormir. Os colegas apressaram-se a explicar a insólita situação … o colega trabalhara 72 horas seguidas. O “relógio de ponto” não deu por isso? ou deu por isso e encolheu os ombros? Se não fosse por necessidade o operário não faria tanto esforço … onde ficam as preocupações com os seus colaboradores?
Por último temos uma classe muito distinta das duas anteriores – os Empreendedores.
O empreendedor é, antes de mais, alguém com uma missão de vida, numa forma simplista, ele olha á sua volta, vê injustiças, e predispõe-se a mudar as coisas, para melhor, estrutura assim a sua missão, o ponto de partida.
Depois adopta uma visão muito pessoal de como atingir a sua missão de transformação. Pode ser sob a forma de comercialização de um produto específico, uma ideia mobilizadora, ou outra coisa qualquer.
No caso de Rui Nabeiro, a matéria prima foi o café, influenciado por uma pequena torrefacção pertença de um seu tio.
Nabeiro pressentiu que aquele néctar podia bem substituir o vinho como elemento agregador de socializações, com a vantagem de não ser alcoólico, e por definição ao alcance de todas as pessoas e faixas etárias, ao contrário do vinho reservado aos homens.
Nicolau Maquiavel, autor da obra “O Príncipe”, desde a idade média considerado um manual de como gerir pessoas e problemas, proclamou que o bom príncipe era aquele que saba escolher os seus ajudantes. Numa linguagem actual podemos interpretar como – o bom líder, é aquele que sabe escolher a sua equipa.
Rui Nabeiro, deu corpo, em toda a sua plenitude, a este teorema. É absolutamente extraordinário, e único em Portugal, que todos os colaboradores de Rui Nabeiro sejam unânimes na apreciação que lhe fazem, percebendo-se que quaisquer deles, caso fosse necessário, tudo fariam pelo senhor Comendador. Sem hesitações.
Quando se consegue “montar” uma tal equipa, ela é poderosa. Uma palavra amiga, como muitos dos seus colaboradores dizem, uma palmadinha nas costas calorosa, um como está a família?, são pérolas na relação de trabalho, quase familiar, cultivada pelo senhor comendador.
Uma outra decisão, também ela única no país, e que muito contribuiu para o sucesso do projecto de Nabeiro, foi a de sediar, na sua terra, em campo maior, no Alentejo, a sua actividade.
Outro qualquer, Patrão ou Empresário, perante a necessidade de exportação de produto e importação de matéria prima, localizaria a sua actividade em Lisboa onde os portos marítimos, e interconexões ferro-rodoviárias, lhe permitiam realizar as suas operações de modo mais célere e mais barato, do que sedia-las no interior do país, em Campo maior, significando isso um acréscimo de custos, mas não Nabeiro, que viu nisto a oportunidade de miscigenar a sua actividade com a sua comunidade local. Com isto o seu projecto ganhou um impulso avassalador.
Por estas duas razões Rui Nabeiro é muito mais do que um homem de negócios com sucesso. Deu ao seu projecto e á sua terra uma dimensão humanista, e com isso tornou-se num modelo e num exemplo, que não encontra, até agora, ninguém que se lhe compare.
Salvaguardadas as distâncias, só me ocorre um outro homem de negócios, cuja dimensão, embora diferente, o coloca no top five, é António de Sommer Champalimaud, um homem obrigado a fugir do país, no tenebroso período pós revolução dos cravos, tendo-lhe, na época, sido confiscado todo o seu património industrial, mas que no Brasil, qual fénix renascida das cinzas, refez o seu império, regressando a Portugal mais tarde, recomprando ao estado, aquilo que o Estado nacionalizou.
Homem ascético, no modo de vida, á semelhança de Nabeiro, eram ambos madrugadores, a sua labuta iniciava-se no “batente” por volta das 7 horas, e ás vezes antes, fazendo jus ao ditado popular “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”.
Champalimaud haveria de se destacar, não no que ao acumulo de património familiar diz respeito, mas no que concerne á sua ligação á comunidade, embora apenas após a sua morte, quando por testamento decidiu destinar a sua cota disponível no seu testamento, que é de 1/3 da totalidade do seu património, para a criação de uma fundação, dotando-a de 500 milhões de euros.
Hoje a fundação Champalimaud é, a par da Fundação Caloust Gulbenkian, uma instituição de referência, sendo a fundação Champalimaud um centro de referência e de inegável excelência, no mundo a vários níveis.
A diferença entre Nabeiro e Champalimaud, é que um conquistou a eternidade em vida, e o outro conquistou-a na morte, mas ambos, parafraseando Luís Vaz de Camões “se foram da lei da morte, libertando”.
Oliveira Dias, Politólogo