A grande maioria dos leitores deste artigo viverá num grande centro urbano, nomeadamente porque, atualmente, mais de 50% da população mundial vive em grandes urbes. Todavia, provavelmente, não será necessário remontar a muitas gerações atrás para identificar uma época em que as suas famílias viviam numa zona rural. No entanto, desde o início da revolução industrial, que se têm observado em todo o mundo fenómenos migratórios das zonas rurais para as urbanas, os quais têm influenciado o crescimento populacional e os padrões espaciais de distribuição da população. Efetivamente, estes fenómenos migratórios têm vindo a alterar as concentrações das populações rurais e urbanas, sendo que atualmente vivem mais pessoas em grandes centros urbanos que em qualquer outro momento da história da humanidade.
Constatados os factos referidos no parágrafo anterior, talvez seja relevante refletir porque existe uma maior probabilidade de as populações de zonas rurais migrarem do que as que residem em grandes centros urbanos. A conclusão dessa reflexão será, obviamente, porque os grandes centros urbanos concentram grandes espaços industriais e comerciais, oferecendo mais oportunidades que as disponíveis nas zonas rurais, bem como apresentam um maior número de ofertas formativas/educacionais, serviços de saúde e espaços culturais. O fascínio pela vida num grande centro urbano e as muitas oportunidades que se vislumbram estarem-lhe associadas, há muito que levam as populações a desenraizarem-se e a fixarem-se nas cidades.
Enquanto os grandes centros urbanos têm sido sujeitos a transformações notáveis em consequência do crescimento populacional e da expansão económica, nas áreas rurais não é observado esse mesmo nível de desenvolvimento. As discrepâncias entre o desenvolvimento rural e urbano são as principais causas da migração rural-urbana, podendo ser caraterizadas com base nos fatores de atração e repulsão. Um fator de atração será qualquer coisa que atrai uma pessoa para se mudar para um local diferente. Um fator de repulsão será qualquer coisa que faz com que uma pessoa queira deixar a sua situação de vida atual.
A maior facilidade de acesso a serviços de educação e saúde de qualidade é um fator de atração comum na migração de áreas rurais para urbanas. Por outro lado, a concentração dos serviços da administração pública nos grandes centros urbanos faz com que as populações das áreas rurais tenham mais dificuldade em aceder a esses serviços. Os grandes centros urbanos também oferecem uma infinidade de opções de lazer e entretenimento não encontradas nas áreas rurais. De shoppings a museus, a agitação da vida na cidade atrai muitos migrantes rurais.
As oportunidades de emprego e educação são frequentemente citadas como os fatores de atração mais comuns associados à migração das áreas rurais para urbanas. A pobreza e a falta de oportunidades nas áreas rurais são uma consequência do desenvolvimento económico desigual, empurrando as populações para áreas urbanas onde o desenvolvimento tem sido maior.
Os desastres naturais são um fator comum que leva os residentes das zonas rurais a migrar para os grandes centros urbanos. Isso inclui catástrofes que podem fazer deslocar pessoas no imediato, como cheias, secas severas, incêndios florestais e condições climatéricas adversas. As formas de degradação ambiental têm uma influência mais lenta, sendo, no entanto, fatores notáveis de impulso aos movimentos migratórios. Os fenómenos de desertificação, poluição e escassez de água induzem um decréscimo da rentabilidade dos recursos naturais e da agricultura. Todas estas situações induzem as populações a migrarem visando a reposição do seu poder económico e, consequentemente, da sua qualidade de vida.
As vantagens mais proeminentes da migração rural-urbana são o aumento das oportunidades educacionais e de emprego oferecidas aos migrantes, bem como uma maior facilidade de acesso a serviços públicos como saúde, ensino superior e infraestruturas básicas, com reflexos potencialmente positivos no padrão de vida de um migrante rural, o qual poderá melhorar drasticamente. Do ponto de vista dos grandes centros urbanos, a disponibilidade de mão-de- obra aumenta por meio da migração das populações das áreas rurais para as urbanas, impulsionando o seu desenvolvimento económico.
Todavia, a redução de população nas áreas rurais induzirá perturbações no mercado de trabalho que lhe está subjacente, acentuando o fosso entre o desenvolvimento das zonas rurais e os grandes centros urbanos. Inevitavelmente a escassez de mão-de-obra nas áreas rurais implicará reduções na produtividade agrícola, com reflexos significativos na disponibilidade de alimentos para as populações que vivem nos grandes centros urbanos. Além disso, quando os migrantes partem para a cidade, a terra é tendencialmente vendida, sendo muitas vezes adquirida por grandes empresas que se dedicam a uma agricultura industrial ou exploração intensiva de recursos naturais. Essa intensificação do uso da terra poderá significar uma degradação acelerada do meio ambiente, com consequências nefastas para o equilíbrio do ecossistema.
Nesta conjuntura, será determinante fazer emergir soluções para evitar a migração rural-urbana, o que certamente passará por políticas de revitalização das economias rurais. Os esforços de desenvolvimento das áreas rurais deverão concentrar-se na incorporação dos fatores de atração das cidades nas áreas rurais e na redução dos fatores que levam as pessoas a migrar. Serão desejáveis políticas públicas que promovam um aumento, em quantidade e qualidade, das ofertas formativas vocacionais e de ensino superior nas áreas rurais, procurando fixar talento nessas zonas, indispensável ao seu desenvolvimento económico e ao empreendedorismo. Fatores de atração urbana, como espaços culturais e de recreação, deverão ser dinamizados nas áreas rurais. Por outro lado, investimentos em acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, facilitadoras de um transporte público a preços controlados, serão determinantes para aproximar as áreas rurais dos grandes centros urbanos, mitigando os efeitos negativos do seu isolamento.
Para que a agricultura e a exploração de recursos naturais sejam opções viáveis, assegurando-se a sustentabilidade das economias rurais tradicionais, será necessário subsidiar os custos de produção de alimentos efetuando uma fiscalização eficaz da aplicação desses mesmo subsídios. Por outro lado, seria de fundamental importância criar linhas de crédito atrativas visando a aquisição de terra e maquinaria agrícola. Em algumas regiões, o desenvolvimento de uma economia de ecoturismo rural poderá promover o aparecimento de novas oportunidades de emprego em áreas rurais, em setores como a restauração e hotelaria.
João Calado
(Professor Coordenador Principal do ISEL)
(ex-Vereador do PSD)