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O Futuro da Política da Água na Europa

À medida que prolongados períodos de seca se tornam a norma, urge encontrar soluções criativas para lidar com a nova realidade resultante do aquecimento global.

A política da água, por vezes designada por hidropolítica, resulta da necessária adoção de medidas que visam mitigar os efeitos da cada vez mais reduzida disponibilidade de água e recursos hídricos, que são uma necessidade para todas as formas de vida e desenvolvimento humano. A água é um recurso natural estratégico e a escassez de água potável contribui frequentemente para conflitos políticos em todo o mundo. Com a diminuição da sua disponibilidade e o aumento da procura de água, alguns analistas preveem que a água potável se tornará o “próximo petróleo”. Muitas das guerras do século XX foram fomentadas pela exploração do petróleo, mas as do século XXI serão induzidas pelo recurso à água, a menos que mudemos a forma de gestão da utilização deste bem cada vez mais escasso. Como as bacias hidrográficas não se alinham com as fronteiras dos países, a política de recursos hídricos terá que ter uma dimensão transnacional determinada por acordos internacionais, para os quais a União Europeia terá um papel determinante a desempenhar.

Em Itália, a ausência de neve derretida dos Alpes deixou o rio Pó com um caudal semelhante ao observado o ano passado durante o verão extremamente quente. Em janeiro e fevereiro, a França registou o maior número de dias sem chuva desde que há registos, tendo já implementado medidas de restrição ao consumo de água na região dos Pirenéus Orientais. Cerca de 90% de Portugal continental sofre com a seca, considerada severa em um quinto do país. Em Espanha, da Catalunha à Andaluzia, o calor fora de época tem vindo a contribuir para uma significativa redução do nível de água nos reservatórios, para além de ter provocado uma desastrosa redução na produção de azeite. À medida que as temperaturas continuam a subir e a Europa aquece a um ritmo mais rápido do que a média global, a seca em áreas alargadas do continente europeu está a tornar-se a norma.

O contexto acima referido exige a adoção de medidas que visem mitigar os efeitos nefastos resultantes da escassez de água. Estima-se que na Europa um quarto da água potável que circula nas redes de distribuição seja perdida devido a fugas nas condutas. A Itália tem aparecido, em alguns relatórios tornados públicos, como um dos piores cenários europeus relativamente a fugas nas redes de distribuição de água potável, o que levou as autoridades a criarem um programa de mitigação aos efeitos da seca com especial incidência no melhoramento da infraestrutura de distribuição de água potável. Por outro lado, em França, o poder político estabeleceu como meta a ser atingida até 2030, a redução em 10% no consumo de água, aplicável a todos os setores da economia, exigindo uma maior reutilização de águas residuais. Este cenário exige investimentos em investigação, desenvolvimento e inovação, que façam emergir novas técnicas de dessalinização de baixo consumo de energia, de fundamental importância para assegurar o abastecimento futuro de água para consumo humano.

No entanto, no imediato, não existe nenhuma solução técnica que possa evitar a tomada de decisões políticas difíceis relativamente ao uso de um bem cada vez mais escasso. Todavia, num contexto de escassez de água e subida das temperaturas, qualquer decisão política que vise racionar o consumo de água terá certamente forte contestação, nomeadamente no setor agrícola e agroalimentar. Recentemente em França, a perspetiva de construção de novos reservatórios para irrigar terras agrícolas resultou em confrontos violentos entre a polícia e manifestantes ambientalistas, que argumentam que as práticas agrícolas precisam de tornar-se menos intensivas na utilização de água.

Na Andaluzia, as propostas regionais para legalizar a irrigação de parte do Parque Natural de Doñana – uma das zonas pantanosas mais importantes do mundo – tornaram-se numa questão relevante para as agendas políticas dos partidos concorrentes às recentes eleições locais. Todavia, foi considerado por alguns analistas que a subida no número de votos num partido de extrema-direita resultou do seu discurso de minimização da emergência climática, em defesa dos produtores de morango da região, cujas culturas seriam muito beneficiadas com as referidas propostas de irrigação. No entanto, em Sevilha, foram organizadas manifestações envolvendo milhares de pessoas que se manifestaram contra o projeto, o qual foi condenado tanto pelo governo espanhol como pela Comissão Europeia.

O aquecimento global acabará por forçar as economias rurais, como as da Andaluzia, a  diversificar-se para sobreviver. O processo de diversificação das suas atividades terá que ser inevitavelmente subsidiado pelos governos nacionais e pela União Europeia. Urge a implementação de programas que mitiguem os efeitos de uma crise emergente na produção agrícola, com efeitos nefastos na desejável, mas muito difícil de alcançar, coesão territorial.  A ausência de apoio económico adequado gerará um ressentimento perigoso nas populações das regiões que, tradicionalmente, se orgulham de suprimirem as necessidades de frutas, vegetais e cereais da Europa.

Num tempo marcado por turbulências geopolíticas, económicas e relacionadas com o que vem sendo designado por emergência climática, a adoção de políticas públicas intrínsecas à gestão da utilização da água representará certamente mais um enorme desafio contemporâneo. Este cenário exigirá elevada criatividade política na definição de medidas minimamente empáticas, cuja implementação seja bem-sucedida no equilíbrio das preocupações com segurança alimentar, subsistência rural e imperativos ambientais. A água é uma necessidade para todas as formas de vida, bem como para as indústrias das quais os seres humanos dependem, como o desenvolvimento tecnológico e a agricultura.

À medida que a escassez de água aumenta com as mudanças climáticas, a necessidade de políticas robustas de gestão dos recursos hídricos tornar-se-á mais prevalente. Alguns estudos estimam que cerca de 60% da população mundial experimentará escassez de água pelo menos um mês por ano até 2050. A definição e implementação de políticas que visem mitigar os efeitos da redução de recursos hídricos exigirão colaboração interdisciplinar e internacional, incluindo agentes governamentais, cientistas ambientais, sociólogos, economistas e ativistas.

João Calado

(Professor Coordenador Principal do ISEL)

(ex-Vereador do PSD)

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