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A importância da ética nas profissões pode ser compreendida através da reflexão sobre o que é um profissional. A palavra “profissional” é difícil de definir, mesmo para profissões tradicionais como médico, advogado, contabilista, engenheiro, etc. Todavia, existe um conjunto de caraterísticas que é comum a todas as profissões. Nesta conformidade, podemos dizer que um profissional será caraterizado por:
- Ter competências e conhecimentos especializados;
- Ter adquirido as suas competências e conhecimentos através de um longo período de formação e estudo, continuando a mantê-los e a atualizá-los ao longo da sua vida profissional;
- Ser detentor de poder relevante para afetar clientes individuais e a sociedade em geral, como resultado dessa expertise especializada;
- Pertencer a um corpo profissional que regula a sua atividade profissional;
- Aderir aos princípios éticos que o corpo profissional supervisiona, como parte da mencionada regulação.
A expertise dos profissionais e os domínios sobre os quais eles exercem essa especialização dão-lhes a capacidade de melhorar o bem-estar dos cidadãos ou de lhes causar danos significativos. Este paradoxo será talvez mais evidente no caso dos médicos, cujas ações podem salvar vidas ou causar a morte e afetar a qualidade de vida dos seus concidadãos. Embora, em geral, as ações de um profissional médico afetem diretamente pacientes individuais, as decisões de profissionais de engenharia têm o potencial de impactar o bem-estar de muitas centenas ou milhares de pessoas.
Para que uma sociedade deposite confiança numa classe profissional e/ou num profissional individualizado, tem que existir a perceção de que, no desempenho da sua atividade profissional, as suas competências são exercidas com sabedoria e equidade. Neste contexto, será transversal a todas as profissões o compromisso de que a sua expertise seja utilizada em prol do bem público, seja ele individualizado ou coletivo, sendo determinante que o exercício da profissão tenha subjacente princípios éticos, para que uma classe profissional ou um profissional individualizado induza confiança na sociedade de forma duradoura.
Os engenheiros inventam o futuro pelo que, nesta perspetiva, o resultado do seu trabalho afeta a vida de milhões de pessoas, para o bem ou para o mal, sendo expectável que se levantem enormes questões éticas em qualquer dos ramos da engenharia, desde a computação passando pela biotecnologia e energia, até à engenharia civil e aeronáutica, entre outras especialidades. Será assim determinante que a sociedade deposite confiança nos profissionais de engenharia, cuja atividade é determinante para a qualidade de vida da humanidade e para o equilíbrio do ecossistema. Porém, a questão que se poderá colocar é a de como a ética difere do senso comum dos cidadãos.
Existem muitos exemplos concretos que mostram que pessoas inteligentes e de bom senso podem discordar no que diz respeito à ética. Dispositivos eletrónicos modernos que permitem a vigilância são muitas vezes considerados como valor acrescentado no combate ao crime, embora muitas pessoas questionem se a consequente invasão de privacidade é justificada. Alguns veem a produção de energia elétrica com recurso a energia eólica como uma forma ambientalmente sustentável para satisfazer as necessidades de eletricidade, mas outros consideram que o impacto das grandes turbinas na paisagem é prejudicial ao meio ambiente.
As situações ilustradas no parágrafo anterior mostram que, no âmbito da atividade dos profissionais de engenharia, as questões éticas têm frequentemente um caráter subjetivo, sem respostas certas ou erradas. Assim sendo, o grande desafio será o de identificar um conjunto de premissas para alavancar julgamentos éticos e usar a razão na sua implementação.
Em termos gerais, os tipos de premissas que um engenheiro deverá observar no exercício da profissão com ética e a forma como deverá dar resposta às questões éticas que enfrenta devem ter subjacente os quatro princípios fundamentais a seguir indicados:
- Rigor;
- Honestidade e integridade;
- Respeito à vida, à lei e ao bem público;
- Liderança responsável: ouvir e informar.
Alguns dos princípios acima enunciados aplicam-se transversalmente a outras profissões, embora outros tenham um papel mais impactante a desempenhar na engenharia. Grande parte da atividade de um profissional de engenharia consiste em fazer julgamentos, trabalhar com novas tecnologias e dar conselhos. Assim, a necessidade de rigor, de manter os conhecimentos atualizados e o cuidado em fundamentar com exatidão as suas opiniões, não fazendo afirmações que ultrapassem os limites da sua fundamentação é particularmente crucial na engenharia. Quaisquer imprecisões podem levar a acidentes, falhas ou até mesmo à morte.
A principal motivação para esta reflexão resulta da consciência de que muitos profissionais de engenharia enfrentam desafios organizacionais quando confrontados com questões éticas. Em geral, os engenheiros realizam atividades para terceiros, podendo ser confrontados com dilemas resultantes de interesses concorrentes entre os seus valores profissionais e as exigências que lhes são colocadas por outros. Por exemplo, no famoso desastre do Challenger Shuttle em 1986, o engenheiro preocupado com questões críticas de segurança foi exortado pelo gestor do projeto a pensar como um gestor e não como um engenheiro. Desta forma, os profissionais de engenharia estão muitas vezes sujeitos a pressões externas semelhantes para se desviarem das suas obrigações profissionais, sendo fundamental que elas estejam claramente identificadas.
É evidente que os profissionais de engenharia têm que desenvolver a sua atividade inseridos na sociedade. Assim sendo, muitas serão as situações em que a opção que seria a mais adequada do ponto de vista ético não é passível de integrar o conjunto de escolhas do engenheiro. Por exemplo, o uso da mais recente tecnologia para redução da emissão de gases de efeito de estufa numa determinada indústria seria certamente a opção desejada, mas teria que ser generalizadamente implementada pelas empresas a operar no setor de atividade em apreço. A sua adoção por uma única empresa conduziria a um aumento de custos em relação aos seus concorrentes e perda de competitividade, levando-a certamente à falência.
João Calado
(Professor Coordenador Principal do ISEL)