“ESCUSA DE RESPONSABILIDADE …”

As “escusas de responsabilidades” têm de ser encaradas como meros instrumentos de propaganda, uma vez que vivemos imersos na voragem de um sistema comunicacional, onde o ruído, tem mais impacto do que a própria realidade, uma vez que tudo assenta em percepções, sejam elas correctas ou não.

Em Portugal, diversos sectores profissionais, naturalmente no seio da administração pública, de que se destacam os profissionais de saúde, mas não só, também, agora, os oficiais de justiça, entre outros, servidores públicos, têm utilizado sistematicamente a técnica da “escusa de responsabilidade”, como forma de luta contra alegadas falhas e omissões das respectivas entidades empregadoras, furtando-se, assim pensam eles, a eventuais responsabilidades resultantes de danos provocados aos utentes, por força da falta de condições de trabalho.

Em rigor a “escusa de responsabilidade” é a exoneração de responsabilidade pela prática de actos.

Temos, pelo menos, três formas:

  1. a que decorre da lei, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, e no que se refere a deliberações tomadas em órgãos colegiais, tomadas por maioria, sabendo-se que os titulares dos órgãos colegiais são solidariamente responsáveis, pela deliberações do órgão, os que votem vencidos, desobrigam-se daquela responsabilidade solidaria se registarem, em acta, o seu voto vencido, devidamente fundamentado.
  2. a que decorre da prática de actos, imposta hierarquicamente, com os quais o servidor não concorde, fundamentadamente, mas que a hierarquia ainda assim o imponha, devendo o servidor exigir que a ordem seja reduzida escrito, ficando, assim, exonerado da responsabilidade que resulte dessa ordem;
  3. e por último a famosa “escusa de responsabilidade” tão em voga, actualmente, e que se caracteriza por ser uma declaração, unilateral, formulada por um profissional, servidor público, pela qual este se exclui da responsabilidade, com base em argumentação que passa por, invocar uma alegada falta de recursos humanos, a escassez de equipamentos, ou o cansaço derivado do excesso de horas, que no seu conjunto ou isoladamente possam comprometer o exercício da respectiva profissão, ou a normal e a adequada “leges artis” (estado da arte) consagrada, no caso da saúde, na Convenção dos Direitos Humanos e a biomedicina.

A pergunta que se impõe, ao vulgo, é saber se isto é legal, concretamente o que se diz na alínea c)?

O Código Civil, no seu Artº 809º, estipula a nulidade de cláusulas de exclusão de responsabilidade, e uma leitura literal, deste artigo tem conduzido alguma doutrina, na qual se inclui o próprio Presidente da República, a concluir pela desadequação das “escusas de responsabilidades”, nos termos em que várias profissões do sector público a têm utilizado, desde logo por serem unilaterais.

Outra doutrina, como é o caso do Doutor André Gonçalo Dias Pereira, professor da faculdade de Direito, da Universidade de Coimbra, citado num Artigo do Boletim da Ordem dos Advogados, faz a apologia da inaplicabilidade destas “escusas de responsabilidade”, mas considera-as oportunas, no sentido em que demonstram, segundo ele “a medida em que revelam que o profissional é zeloso, preocupado com o bom funcionamento do serviço e cumpriu o seu dever de aviso e reclamação face aos superiores hierárquicos de que existem falhas e carências de recursos humanos e/ ou materiais. O tribunal terá a sabedoria de avaliar a culpa do profissional, “em face das circunstâncias de cada caso” e acrescenta “No plano das relações internas, o médico fica mais protegido pois cumpriu o seu dever de avisar perante falhas organizacionais e, nos casos em que pudesse haver direito de regresso, o profissional terá a sua posição jurídica robustecida. Pelo contrário, a instituição mais facilmente será condenada por “culpa do serviço” (artigo 7.º/ 3 e 4 da Lei n.º 67/2007) ou por responsabilidade contratual, nas relações privadas.”

Na mesma linha vem o sindicato democrático dos enfermeiros de Portugal, (SINDEPOR) quando no seu site explica “ a escusa de responsabilidade não isenta os enfermeiros da sua responsabilidade disciplinar, civil ou criminal (…) mas a sua apresentação, pode atenuar a responsabilidade na avaliação a efectuar no âmbito do processo disciplinar.

Onde todos concordam é na irrenunciabilidade da responsabilidade Profissional (penal), e Civil, porque os danos provocados á pessoa têm sempre um “culpado” que responde por eles, e não pode ser afastada essa responsabilidade.

Portanto o ponto mais imediato seria então a hipotética protecção que uma “escusa de responsabilidade” operaria ao nível de um processo disciplinar.

A escora destas apologias encontramo-la, primacialmente, na Constituição da República Portuguesa, cujo cerne aqui reproduzimos para uma mais fácil compreensão (os sublinhados são nossos):

PARTE III – Organização do poder político

TÍTULO IX – Administração Pública

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Artigo 271.º – (Responsabilidade dos funcionários e agentes)



       1. Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica.
       2. É excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que actue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado ou tiver exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.
       3. Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.
       4. A lei regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes.

Assim, a CRP, em razão de matéria identifica 3 tipos de responsabilidades: civil, criminal, e disciplinar, se quisermos, as nossas supra identificadas alíneas.

Depois define em que situações é admissível excluir a responsabilidade do servidor público; quando este actue sob ordens hierárquicas, e tenha reclamado dessas ordens, pelos motivos supra expostos, por exemplo,  ou, em alternativa, tenha exigido a redução a escrito dessas ordens atentatórias do seu desempenho profissional, ainda que em linha com a “leges artis”.

Ora compulsado o que a CRP determina, e a prática que tem vindo a ser seguida, dificilmente se compagina uma declaração unilateral, como é o caso de “escusa de responsabilidade” com uma reclamação.

Dito de outra maneira uma mera declaração não pode ser considerada uma reclamação. E isto não é apenas semântica, como é agora usual classificar afirmações que não agradam a certos protagonistas.

Uma mera declaração não exige uma reacção, mas uma reclamação, essa sim, convoca uma reacção, para além de ter de ser forçosamente sustentada, fundamentada. E é neste sentido que, o texto constitucional vai, na nossa muito modesta opinião.

Aqui chegados as “escusas de responsabilidades” têm de ser encaradas como meros instrumentos de propaganda, uma vez que vivemos imersos na voragem de um sistema comunicacional, onde o ruído, tem mais impacto do que a própria realidade, uma vez que tudo assenta em percepções, sejam elas correctas ou não.

Para o utente esses instrumentos não têm qualquer espécie de consequência, pois terão sempre direito á reparação de danos causados pelos profissionais que os assistem, seja ao nível civil, criminal e disciplinar.

Para as instituições, empregadoras públicas, dificilmente terão consequências, caso estas façam a mesma leitura que aqui apologeticamente aqui expomos.

Não se pode ignorar, porém, o enorme impacto que estes instrumentos acabam por ter junto do cidadão, na medida em que se instala a ideia, ou a desconfiança, nos serviços públicos onde os respectivos servidores usam e abusam da “escusa de responsabilidade”.

Nesta senda as “escusas de responsabilidade” acabam por se tornar em instrumentos políticos, ao serviço dos sindicatos, e não concretamente ao serviço dos interesses de cada profissional, e muito menos acautelando os interesses dos utentes.

Num, tempo em que as questões laborais, assentes na violação de leis do trabalho, foram deslocalizadas da sede própria para se dirimirem, os tribunais, e passaram para a praça pública, seja por recurso a greves atípicas, politicas, e instrumentos espúrios, como é o caso das “escusas de responsabilidade”, sem qualquer respaldo legal, que as sustentem, estamos perante uma mudança de paradigma, cujo alvo final é o desgaste de quem governa, um pouco naquela lógica “hay governo? Soy contra”.

Oliveira Dias, Politólogo

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