HABITAÇÃO … ter ou não ter, eis a questão

O tema do momento, por presidencial escolha, é a habitação, ou melhor, a falta dela, para quem mais precisa, em Portugal, pese embora o cerne da questão não se confine ao nosso país. A habitação, a casa, o domicílio, a morada, a residência, de um cidadão, é tão importante, que as ordens constitucionais, em Portugal, desde 1822, consagram a sua inviolabilidade, designadamente no seu Artº 5º:

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a casa de todo o Português é para ele um asilo. Nenhum oficial poderá entrar nela sem ordem escrita da competente Autoridade (…)”,

Princípio, de resto, seguido nos subsequentes textos constitucionais, até hoje, sendo considerado um direito fundamental, sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias, presente no título I, e consagrado no seu 34º Artº, determinando-se que para se entrar nos domicílios, contra a vontade do seu legitimo detentor, só com mandato judicial, emitido por autoridade judicial competente, ou nos casos previstos na Lei.

Em terras de sua majestade, Charles III, onde por caso não existe constituição escrita, e tudo assenta no direito consuetudinário, subsiste um ditado elucidativo, a este propósito, que funciona como regra dogmática:

A casa de cada cidadão, é o seu próprio castelo

Ora o Castelo, por definição tem na sua essência uma função securitária, o seu fim último, é conferir segurança a quem o habita, contra invasores externos.

Mas também temos, na cultura nipónica, a noção de segurança, associada á morada do cidadão, que designam de:

Ba

O meu “ba” é assim, numa tradução literal o meu “porto seguro, segurança, tranquilidade”.

Portanto, seja em que cultura for, o sitio, o espaço que elegemos para nossa “casa” é onde encontramos a nossa segurança, a nossa intimidade, onde desenvolvemos o núcleo da nossa sociedade, a nossa família.

Nos primórdios da humanidade, o espaço “casa” não era construído pelo homem, mas sim pela natureza, porquanto os primeiros hominídeos encontravam nas cavernas e grutas naturais, a sua “casa”, e aí obtinham, não ainda a privacidade que caracteriza os núcleos familiares, individualizados, de hoje, mas sim abrigo, colectivo, face às intempéries, e às condições ambientais dos elementos naturais (chuva, frio, vento, etc), mas também segurança contra as investidas de outros animais de grande porte. Testemunhos de como esse espaço era tão importante são as pinturas rupestres, quiçá, as primeiras “decorações de interiores” do planeta, embora a classe cientifica goste de pensar, que aqueles testemunhos se destinavam aos vindouros.

Deste modo é fácil intuir que a tarefa primordial daqueles hominídeos, antes mesmo de caçar, ou pescarem, fosse providenciar uma gruta ou caverna que estivesse em condições de ser “ocupada”. Seria uma tarefa sempre em progresso, de terra em terra, consoante as regiões com caça ou pesca, ou frutos, e cursos de água, ou rios.

Muito mais tarde, o homem descobre que lançando sementes ao solo, estas acabavam por germinar e dar fruto. Descobre também que podia manipular as condições de vida dos animais, e criá-los, provendo carne fresca, sem terem de a procurar.

A sedentarização tornou-se uma realidade e isso trouxe novas necessidades em matéria de “casa”. Passou a ser necessário construir casas. Inicialmente com materiais precários, pedra, folhas, madeira, cordas, feno e pouco mais.

Mais tarde, disseminou-se a construção em pedra. Nasce um a nova profissão – o pedreiro.

No norte de Portugal uma característica destacou-se: edificações de dois pisos, o piso térreo, destinado a guardar o gado, e que dava pelo nome de “loja”, e o piso superior para habitação humana. Uma particularidade destas “lojas”, é que aqueciam a habitação do piso superior. O cheiro … era uma questão de habituação.

Um pequeno aglomerado de casas formavam os Casais, e um aglomerado de Casais formava uma aldeia ou lugar, e um continuo urbano considerável formava uma cidade.

A construção de habitações era algo da maior importância e já o Código de Hamurabi, de 1775 a.c., previa que se uma casa ruísse sobre o seu proprietário o respectivo construtor seria imolado pelo fogo.

Até á revolução industrial do século XIX, a habitação não constituiria um problema maior, porque dada a reduzida dimensão da população mundial era relativamente fácil acomodar as pessoas, ainda que em condições, hoje, consideradas indigentes.

Em Portugal, e durante a idade média, assistimos ao povoamento de muitas regiões, reconquistadas aos mouros, ou não, havendo sempre um pedaço de terra á espera de alguém que o trabalhasse.

Com o fomento da industrialização, também em Portugal, exigindo mão de obra massiva, as terras, a lavoura, a criação de gado, a pastorícia, foram sendo abandonadas em beneficio das grandes cidades, que funcionavam como pólos de atracção, e assim Lisboa e Porto, para citar apenas as maiores, engrossaram de gentes e famílias inteiras.

O afluxo de tanta gente gerou um enorme problema habitacional, simplesmente não havia que chegasse para todos. Isto com particular destaque no século XX.

Famílias inteiras acomodadas em quartos, era uma realidade não muito longínqua, nos anos 50, e 60, do século passado em Lisboa.

Portugal tinha índices de crescimento, á volta dos 2% ao ano, mesmo no tempo da guerra colonial, mas soluções para a habitação não existiam.

Um fenómeno espoletou na década de 1970 – um êxodo da capital, para os arrabaldes da cidade, para lugares absolutamente periféricos de Lisboa, como Odivelas e Loures, onde a especulação imobiliária, com terrenos divididos em “avos”, cuja utilidade, legal, seria o cultivo, indisponíveis, portanto, para construção de imóveis, pois para isso necessitariam, esse terrenos ser loteados, ou seja, uma divisão territorial em lote.

Um terreno com mais ou menos 300 a 400 metros quadrados, comprava-se por 25, 30 ou 40 contos, sendo á época o ordenado mínimo á volta de 4 contos.

A procura foi enorme, apesar dos magros salários da população, ainda assim, comparando com a actualidade, onde um terreno com as mesmas características custa á volta de 80 mil euros, ou seja na década de 70 do século XX um terreno custava cerca de 10 vezes mais do que o salario mínimo, hoje custa cerca de 10.000 vezes mais o salário mínimo. Havia, então, mais poder de compra que hoje.

Os novos proprietários, nada familiarizados com as questões legais, relativamente ao que podiam ou não podiam fazer com os seus terrenos divididos em avos, arregaçaram as mangas e rapidamente erigiram os muros delimitando as suas propriedades. Isto levou a que começassem a surgir fiscais camarários com autos de multas, por construção não autorizada, que raramente eram pagos pelos infractores.

A primeira vez que ouvi falar em corrupção, foi nesta época, á conta dos fiscais a quem á boca pequena, vários proprietários afiançavam ter “untado as mãos” para fazerem vista grossa aos muros. Outros simplesmente rasgavam as multas.

Construído o muro, puseram-se, os proprietários, a abrir poços em busca de água potável. Foi a primeira vez que tive contato com uma nova profissão – o “vedor”, aquele senhor que pegava num artefacto similar a uma fisga, dava uns passos pelo terreno e a “fisga” virava bruscamente em direcção ao solo, qual íman. Era ali, então o ponto do poço. Dava sempre resultado.

Seguiu-se a concretização de um sonho, que revelava a principal razão da compra do terreno – a construção da vivenda, clandestina pois então.

Foi, na época, a solução para a escassez da oferta na grande cidade, gerando o epifenómeno dos bairros clandestinos, face á anémica posição dos poderes públicos. Sempre que o sector público não resolve são os particulares quem faz alguma coisa, os bairros clandestinos são disso um paradigma exemplar.

A proliferação de bairros clandestinos em todo o concelho de Loures, onde Odivelas pertenciam então, apesar de ter sido uma solução para a escassez da habitação, gerou novas necessidades – a infra-estruturação dos bairros, e esta necessariamente tinha de passar pela batuta pública.

No princípio a câmara de Loures fornecia os equipamentos e maquinaria, e materiais, e as populações o trabalho braçal, para arranjar as estradas. Posteriormente, tiveram de ser as populações em cada bairro a providenciar as obras a seu encargo.

Então a meta seguinte para os proprietários de bairros clandestinos passou a ser o tão almejado “Alvará de Loteamento”, documento que eliminava a divisão em “avos”, passando-a a lotes, e consequentemente a efectiva obtenção da não menos desejada “Licença de Utilização”. O primeiro era um documento colectivo, o segundo era individual. E isto não foi fácil, foi uma travessia no deserto, porque compatibilizar interesses de centenas de proprietários num Alvará de loteamento, era uma tarefa dantesca.

Na nossa terra os dois primeiros Alvarás a serem emitidos e concedidos, foram no Casal da Silveira e Bairro Novo do Trigache, por esta ordem respectivamente.

Nas eleições de 1989, ano da criação da freguesia de Famões e Ramada, o tema central da campanha, em especial numa emissão da Rádio Nova Antena, no qual participei, juntamente com o Carlos Simões e o Borges Cardoso, foi precisamente a atribuição de Alvarás de loteamento e as licenças de utilização, e tudo quanto lhe estava associado. Era eu um miúdo, fresquinho nas lides políticas, com muito para aprender.

As regras urbanísticas eram o que eram, na altura, mas a Comunidade Económica Europeia, vulgo CEE, para a qual entrámos em 1986, veio baralhar as coisas, ao impor o planeamento ao nível dos Planos Directores Municipais a todos os municípios, sem o que o País não acederia a fundos comunitários.

A problemática dos bairros clandestinos ganhou uma tal dimensão que o legislador teve de intervir, substituindo a terminologia para “Bairros de Génese ilegal” ou “AUGIS”, criando novas regras urbanísticas especialmente dirigidas a estes bairros, cujas construções, muitas delas, esbarravam com as regras legais, tornando a sua recuperação uma impossibilidade, á luz das mesmas, possibilitando, com o novo quadro jurídico, não só a aceitação de factos consumados, como alguma celeridade processual nas secretarias das câmaras municipais, mas tudo em linha com o Plano Director Municipal.

Lentamente as augis foram conquistando os seus alvarás, a infra-estruturação integral de cada bairro era uma condição sine-qua-non, mas o problema agora era a lentidão do município de Loures, e havia até quem chagasse a falar em veto de secretaria á atribuição de Alvarás de Loteamento, a dezenas de bairros, para desespero dos seus proprietários.

O advento da criação do município de Odivelas, em 1998, gerou uma explosão de atribuições de Alvarás de Loteamento, naquilo que foi a mais imediata consequência da criação do novel município.

Entretanto a melhoria substancial das condições de vida, as migrações, o crescimento populacional, ainda que mitigado, segundo dizem, nestas novas cidades, como Lisboa, Odivelas, Loures, Amadora, etc, e sobretudo as gerações que sucederam as que passaram pela solução dos bairros clandestinos, conhecem, hoje, de novo, a falta de oferta de habitação, não só porque há pouca oferta, mas porque o capital estrangeiro, mais abonado que o português, seca tudo á sua volta.

O que me aflige mais, não é o problema, por incrível que pareça, mas sim os políticos que usam o problema para ganhos políticos de popularidade, é o caso do senhor Presidente da República, que nunca teve de resolver verdadeiramente nada, e do Presidente do PSD que abdicou de ser o líder da oposição, face ao senhor Professor.

Oliveira Dias, Politólogo

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