Migração quase record: Canárias recebem 1.367 migrantes em apenas 21 embarcações de pesca costeira, conhecidos como caícos, em 72 horas. Acontece entre os dias 9 e 11 de setembro. E acredita-se que há cerca de 100 desaparecidos.
Pergunta-se:
- Como conseguem chegar Caícos da Mauritânia ao arquipélago?
- Quem ganha com esta corrida desenfreada ao estímulo da migração?
- Que futuro promete a sociedade europeia a estes migrantes para que o êxodo se acentue cada vez mais e se situe em níveis incontroláveis?
- Quem (não) controla as águas territoriais espanholas, neste caso de Canárias?
- Quem se descontrola na fiscalização do Mediterrâneo junto às águas territoriais dos países da África Setentrional?
- Porque razão os Estados Membros da União Europeia bem como os membros do bloco económico SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) não conseguem encontrar soluções para minorar as desigualdades sociais nos países de origem, desde logo apelando à diminuição da corrupção e da pressão sobre os mais vulneráveis?
- Que motivo preside a que países muçulmanos do Médio Oriente mais ricos – considerados irmãos destes países subsarianos – não aceitem estes migrantes, nem sequer se oferecem para serem parte da solução?

O aumento da fome contínua nas regiões Ocidental e Central do continente africano. O Programa Mundial de Alimentos, PMA, indica como causas a alta de preços, conflitos e impacto da pandemia de SARS-CoV-2, onde a vacinação é quase nula. Há mais de 5 milhões de crianças com desnutrição aguda a viver no Sahel. As últimas estatísticas são imprecisas, mas numa fase preliminar indicam que todos os dias, morreram de fome ou de subnutrição entre 6.100 e 12.200 pessoas.
O chamado “Índice de Desperdício de Alimentos 2021” apresenta um resultado assustador: Em 2019, desperdiçaram-se 931 milhões de toneladas de alimentos bons. Esta é outra pandemia pavorosa muito responsável pela fome e pobreza no Mundo. Vejamos: 17% da produção total mundial de alimentos foi literalmente deitada no lixo. No início de 2019, a fome atingia mais de 820 milhões de pessoas no mundo. Esta é a nossa verdadeira poluição: Uma abismal falta de cultura civilizacional que representa mais de 8% do metano libertado na atmosfera.

A propósito deste desperdício, Fernanda Paúl, da BBC News Mundo, escreveu na web da BBC News Brasil, no passado dia 21 de março de 2021, uma curiosidade que devia envergonhar a cidadania do Mundo desenvolvido: 931 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados (?) “é equivalente a 23 milhões de camiões de 40 toneladas totalmente carregados com alimentos, que alinhados dariam a volta na Terra sete vezes”.
E quem descarta os alimentos? O relatório apresentado pela FAO, FIDA, UNICEF, PMA e OMS informa que a maior parte do desperdício – o equivalente a 61% – acontece em nossas casas, entre os ambientes familiares. Deita-se fora tudo o que nos parece estar em menores condições ou à beira do final da validade, tantas vezes pelos excessos de comida que compramos e que não conseguimos consumir. Por exemplo quanta fruta deitamos no lixo por estar mais maturada? Ou por não luzir à vista?
Restaurantes, hotéis e escolas são responsáveis por 26% do desaproveitamento, enquanto as grandes, médias e pequenas superfícies, a que nos referimos habitualmente como empresas de distribuição são responsáveis por 13% das percas de alimentos bons.


O milagre das viagens de caícos desde Nouâdhibou, a mais de 400 Km
Mas voltemos aos barcos caícos, às embarcações que voltam a chegar às linhas costeiras das Canárias – que jamais aguentam navegar 400 ou 800 km em mar aberto, num Atlântico encrespado – com aproximadamente 15 metros de comprimento, tipicamente construídas no porto de Nouâdhibou, a Oeste da Mauritânia a mais de 400 km, acima das 215,98 milhas náuticas das Canárias, e do Senegal, a mais de 810 milhas, ou seja, 1.500 quilómetros. É mais uma daquelas que a Frontex – Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas -, detectou estarem a ser rebocadas por embarcações Nodriza já muito perto das águas territoriais do arquipélago das Canárias como poderão ver no vídeo com o ‘link’.
Como é possível que, desde a Mauritânia ou inclusivamente o Senegal, chegam com telemóveis com mais de 70% e 80% das baterias carregadas, a velocidades inferiores a 10 ou 12 nós (milhas náuticas)? Aliás, para quem possui no curriculum quase 63.000 milhas, permite-me duvidar muito que estas embarcações consigam navegar a essas velocidades atendendo a que mareiam, quase sempre, contracorrentes frias depois de saírem de correntes mais quentes e contrariamente aos ventos alísios.
Por outro lado, somos confrontados com a possibilidade destas embarcações conseguirem comunicar com o desconhecido do lado de cá para pedir auxílio. Acontece com quase todas o que nos levanta outra questão pertinente: Qual é a capacidade e os conhecimentos globais dos organizadores destas viagens (também de alguns passageiros) embora umas sejam mais arriscadas que outras?
Definitivamente, o Primeiro Mundo adormeceu aos “bramidos” dos extremistas condescendentes e dos viciados na solidariedade sem limites que conseguem cada vez mais tempo de antena nos canais de televisão para preleccionar ideais, mas sem serem devidamente questionados. A maioria destes agentes do bem nem sequer saem da zona de conforto do sofá do lar, doce lar. Tão pouco pisaram o território dos países emissores destas ondas migratórias.
O mesmo acontece também no Mar Mediterrâneo, onde a Frontex também captou barcos “nodriza” a trasladar migrantes para pateras. O vídeo que anexo mostra 81 inmigrantes pasan de un barco “nodriza” a una patera rescatada después por Italia
Também nos deparamos com actuações inadmissíveis das guarda costeiras, principalmente da Grécia, provavelmente instruídas para fechar os olhos a qualquer acontecimento que envolva viagens com migrantes.
Mas o que é um caíco? É uma embarcação também denominada de “panga” que é barco secundário na pesca do cerco: é lançado ao mar pela embarcação principal, ‘Nodriza’ – detendo uma das extremidades da rede de pesca. Enquanto a embarcação principal realiza o cerco do cardume libertando a rede pela popa, os caícos permanecem imóveis. Já os Nodriza – também designados navio-mãe – servem para manter uma relação de trabalho em toda a linha: recolhem o peixe, podem processá-lo, fornecem combustível e alimentos aos pescadores. Também proporciona a substituição das tripulações dos caícos.
Durante anos, a economia da Mauritânia funcionou pela exploração do minério de ferro enterrado nas profundezas das areias do deserto do Sahara. Agora, a governação vira-se para a pesca como complemento importante de sustentabilidade económica e de milhares de famílias. O Mundo sabe que a costa da Mauritânia é uma das zonas de pesca mais rica do Atlântico e do planeta. A indústria pesqueira da Mauritânia também poderia impulsionar as exportações e criar emprego mais efectivo. Mas é determinante que os seus portos se tornem mais competitivos sob todo os pontos de vista, incluindo nas infraestruturas globais como redes de frio e de pré-preparação do pescado.
O programa de gestão portuária TrainForTrade da UNCTAD deu um primeiro passo crucial no em abril do ano passado (2022) quando onze altos gestores portuários concluíram um seminário de formação para instrutores realizado no porto de Nouakchott, a capital do país. UNCTAD é um fórum intergovernamental permanente e subsidiário à Assembleia Geral das Nações Unidas, cujas pesquisas e programas de cooperação técnica visam auxiliar os países em desenvolvimento a uma integração mais positiva na economia global.
O porto de Nouadhibou – localizado numa península onde se encontra um dos maiores cemitérios de barcos do Mundo – pode ser a chave para um futuro melhor para os 3,9 milhões de habitantes da Mauritânia, dos quais 42% vivem na pobreza, e, naturalmente para evitar fluxos migratórios com destino ao território europeu mais perto, arquipélago das Canárias.

França contra o desperdício. Mas são os países subdesenvolvidos que mais desperdiçam
A França tornou-se exemplar em 2019 por já combater o desperdício alimentar na distribuição: Legislou proibindo os grandes, médios e pequenos supermercados de deitarem fora os alimentos perecíveis frescos e embalados que se encontram em estado de consumo, apesar das aparências se desajustarem às normas instituídas pelas empresas de distribuição como sendo ideal para se manterem nos escaparates ou tão-só por aproximação da data do termo de validade. São obrigados a doá-los a instituições.
Contudo, são os países subdesenvolvidos que mais desperdiçam por incrível que pareça, fruto de vários condicionalismos: Inexistência de organização logística, de redes de distribuição e de infraestruturas de frio, corrupção e sobrevalorização dos preços. Em 2018 e 2019, na Nigéria deitaram-se para o lixo uma média de 189 quilos de alimentos bons per capita em cada um dos dois anos. Já no Ruanda desperdiçaram-se 164 quilos por pessoa.
Por comparação nos Países baixos e a Bélgica perderam-se 50 quilos per capita por ano, enquanto nos Estados Unidos, as estatísticas apontam para os 59 quilos.
Obviamente que a multiplicação pelo número de habitantes acaba por nos mostrar que a Ocidente os consumidores compram mais do que podem comer o que poderá não ser a realidade que está subjacente aos desperdícios registados quer na Nigéria quer no Ruanda, até por que nestes dois casos teríamos de contabilizar as toneladas de produtos agrícolas produzidos per capita entre os países avaliados.
– por José Maria Pignatelli (Texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)