Sempre que uma cultura absorve uma determinada sociedade, um povo, tolhendo as suas crenças, e sobretudo as suas práticas, ainda que quase milenares, isso, mais cedo ou mais tarde, acaba por condenar, senão á sua extinção, pelo menos á redução á insignificância, a cultura autóctone.
Não raro temos assistido a casos destes, ao longo da nossa história, com a preguiçosa complacência das instituições a quem cabe a formação de espíritos críticos, a massa crítica da nação.
Por essa razão, vocábulos que no passado tinham imenso significado, como “nacionalismo”, pelo qual muitos dos nossos avoengos deram o sangue, suor, e lágrimas, e não raras vezes, o sacrifício último – a vida – , é hoje visto como algo de profundamente negativo, corroída que foi, primeiro, a substância do próprio conceito, e depois o próprio uso do vocábulo.
No plano cultural, estas coisas acontecem com um maior impacto, porque veiculadas por uma máquina de cilindro, que esmaga tudo na sua passagem e dá pelo nome de Marketing, na sua forma mais comercial, onde “mammon” (Deus do dinheiro) omnipresente, nas vendas e compras de produtos de todo o género, apelativos, com cores e feitios que a gleba gosta, e de propaganda, vastas vezes, esta avançando primeiro, abrindo caminho, leia-se, formatando consciências, manipulando a educação, consumando, assim, a substituição de uma crença por outra.
O Halloween, celebrado a 31 de Outubro, é daquelas bizarrias culturais, que aos poucos foi sobrepondo-se às nossas práticas tradicionais, e no caso concreto, ao nosso dia de todos os Santos, celebrado a 1 de Novembro, e hoje reduzido apenas á memória dos defuntos com deposição de flores nos cemitérios.
Ambas as celebrações compelem bandos de crianças a visitar casas dos vizinhos, tocando às campainhas, batendo às portas, mas com uma diferença substancial:
No Halloween, ou o “dia das bruxas”, as crianças estão mascaradas, com máscaras evocando a “morte” os “espíritos maus” etc, a mensagem, a quem abre a porta das suas casas, é uma “ameaça” directa “trick or treat”, do inglês “gostosuras ou travessuras”, cuja visão cénica das mascaras potenciam, ou seja, ou o vizinho dá doces e guloseimas às crianças, ou, fica sujeito a partidas e travessuras desagradáveis como penalização. Claro tudo isto é uma teatralização, mas a mensagem que lhe subjaz, está lá.
Já no “pão por deus”, nome dado á prática centenária de no dia de todos os santos, bandos de crianças, vestidas como se vestem no dia a dia, tocarem às portas dos vizinhos pedindo pão por Deus, a mensagem nada tem de ameaçador, pois apela ao que de melhor as pessoas têm, a solidariedade, sem penalizações.
A origem de ambas as celebrações, segundo alguns, é comum e remonta aos celtas, cujas práticas pagãs, acabaram também por ser absorvidas pela igreja católica, e celebravam a transição do mundo para o além-mundo, com mo inicio do inverno, estação do ano associada a aspectos negativos.
Os celtas, no seu credo mais puro, acreditavam que com o inverno os mortos viriam ao mundo físico para assombrar e amaldiçoar os vivos, e estes procuravam afastá-los através de símbolos e máscaras. Esta tradição terá sido transportada para o novo mundo, onde medrou e multiplicou-se, ao ponto de hoje abarcar quase toda a civilização ocidental.
Já em Portugal a celebração assume contornos de oferendas aos defuntos, consumada através da deposição de flores nas campas dos entes queridos, acompanhada da oferenda aos pobres daquilo que mais necessitavam, em regra comida.
Segundo o sacerdote João Peixoto, do secretariado diocesano de liturgia da diocese do Porto, os povos têm 3 formas de celebração: as memórias, as festas e a solenidade.
As memórias, ou recordações, vão directas ao coração, de resto, a palavra recordar, vem do latim “re cordare”, numa tradução literal “trazer de volta ao coração”.
As festas, são actividades populares comunais, mantidas pelo povo, e estas raramente caiem no esquecimento, há sempre “mordomos” a colocar todo o seu empenho, e brio, para as realizar.
A solenidade, concretiza-se na eucaristia da missa, por isso o padre Peixoto afirmar que a “solenidade é o dia de ir á missa”.
Por tudo não podia ser mais diferente a celebração do Halloween e a do Pão por deus, do dia de todos os Santos.
Infelizmente, a sociedade hodierna, é profundamente materialista, razão porque as máscaras vendem mais, os doces são mais apetitosos, quer para os bandos de crianças, quais pardais á solta, parafraseando Carlos do Carmo, e os vizinhos, aqueles que abrem as portas de suas casas, qual romano em roma, vestidos a preceito, com as mesmas alegorias ás bruxas e coisas do género, satisfazem os petizes, e como ficam felizes, pela palhaçada.
Ora, este estado de coisas não é apenas responsabilidade das famílias, a quem estava entregue o processo de enculturação das pessoas, o núcleo familiar era a fonte primária para a absorção de padrões comportamentais, tradições e etc, hoje, outras fontes mais poderosas se destacam, tendo á cabeça as televisões, esses instrumentos de catequização, em massa, da populaça.
Ao momento em que estas linhas conhecem a luz do dia, passa num canal nacional de grande audiência, timonado por um conhecidíssimo entretainer da praça, um programa de entretinimento, sendo bem visível um painel de fundo com motivos alusivos ao Halloween, com teias de aranha preta, abóboras e coisas do género. A mensagem está lá, sem filtros, celebrando uma americanada, para “tuga” ver. Lamentável.
Outra fonte de manipulação de mentalidades é a incontornável escola, e já Pitágoras, bem conhecido pelas matemáticas, vaticinava, no seu tempo “ensinai as crianças e não será preciso castigar os homens”, porque, todos o reconhecem, a escola forma cidadãos.
Ora quando vemos diversas escolas, com actividades escolares, baseadas em projectos que não só promovem, como incentivam a celebração do Halloween, como se de uma tradição lusa fosse, é fácil perceber a razão que subjaz à sistemática americanização de valores tradicionais portugueses.
No mínimo isto é uma questão de anti-patriotismo.
– Oliveira Dias