Carles Puigdemont – líder do partido Junts per Catalunya, fugido à Justiça espanhola e refugiado ao abrigo da imunidade que lhe dá o estatuto de eurodeputado – torna-se no principal protagonista da política espanhola: viabiliza a nova investidura do socialista Pedro Sánchez, enquanto presidente de um novo governo social-comunista de continuidade, embora tenha saído derrotado das eleições de 23 de julho passado. Ou seja, o partido que obteve 392.634 (1,6%) votos que conseguiu eleger 7 deputados – sendo que dois deles foram cedidos pelo Partido Socialista Obreiro Espanhol (para que conseguissem constituir grupo parlamentar) – decide o futuro de Espanha para a próxima legislatura. A razão é que Sánchez precisa dos 7 votos do Junts para conseguir maioria no Congresso dos Deputados das Cortes Gerais, homólogo à Assembleia da República portuguesa. Aqui, importa um parêntesis: as Cortes Generales, encontram-se compostas por duas câmaras, Congresso dos Deputados e Senado, este último onde o PP – conservadores do Partido Popular – detém maioria absoluta.

Em troca do seu apoio, Carles Puigdemont exigiu aos socialistas um acordo com a amnistia para todos os envolvidos – cerca de 400 pessoas – no ‘Procés’, o Processo Soberanista da Catalunha de 2012-2021, período onde aconteceram um conjunto de factos políticos e sociais com o objectivo de conseguirem a autodeterminação e a independência que teve o ponto alto com um referendo inconstitucional e fraudulento a 1 de outubro de 2017 e que culminou com uma declaração unilateral de independência, cerca de 400 envolvidos e para todos os possíveis crimes realizados de 2012 à presente data.
As estatísticas dos resultados das eleições legislativas de 23J revelam que na Catalunha votaram 3.547.922 de eleitores. Já no total nacional, a ERC obteve 462.883 votos (1,89%), enquanto o JUNTS, 392.634 (1,60%), significando que os nacionalistas da Catalunha representam 3,49% dos eleitores de Espanha a que correspondem um total de 855.517 num universo de 24 688 087 votos válidos para o Congresso dos Deputados.
Já a Coligação Canária que estava em desacordo com a amnistia ao ‘Procés’ acba de acordar o ‘sim’ ao governo social-comunista a troco de 1.100 milhões de euros de financiamento extra para o arquipélago que governa em conjunto com o PP
As primeiras páginas dos jornais, de terça-feira, dia 14 de novembro, são taxativas: ABC titula “Sánchez borra el 1-O de la Historia para que Puigdemont regresse libre” (fácil compreensão “Sánchez apaga o 1-Outubro da história para que Puigdemont regresse livre”), enquanto La Razón escreve em manchete “La amnistia sanchista borra 11 años del ‘procés’ independentista”. Já o jornalista Joan Guirado noticia no diário digital ‘Ok Diario’ que “a Lei de amnistia já está registada no Congresso dos Deputados com a única assinatura do porta-voz parlamentar do PSOE, Patxi López”. E revelava que “os socialistas ficaram sózinhos no registo da norma (…) Nenhum dos seus sócios, como esperavam os seguidores de Pedro Sánchez, decidiu imprimir a sua assinatura, já que «ainda estamos a estudá-la» como explicam fontes da ERC (os independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha), após algumas alterações de última hora introduzidas pela ‘Junts’ que permitirão o retorno de Carles Puigdemont imediatamente”.

Obviamente que os socialistas agiram em solitário para evitar mais atrasos no processo de investidura de Pedro Sánchez e com o intuito da Mesa e o Conselho de Presidentes possam analisar a norma em menos de 24 horas, já que habitualmente, é necessária uma semana entre o registo e a aprovação dos órgãos de direcção do Parlamento. Para o líder socialista é determinante que não haja desencontros entre os sócios (todos com acordos assinados) da sua tomada de posse.
O acordo entre socialistas e independentistas do Junts difere dos demais assinados com os outros partidos ou coligações minoritárias, porque esses vinculam essencialmente benefícios extra de financiamento de algumas autonomias e outros de carácter político e social. O documento assinado entre socialistas e nacionalistas do Junts vai mais longe que a Lei da Amnistia já de si controversa e considerada ilegítima e anticonstitucional pelos poderes judiciais, tanto mais que expressa claramente a abdicação da judicialização da política, ou seja, da inclusão do conceito ‘lawfare’: No essencial que não se limite um opositor político ou se inabilite em caso destes decidirem unilateralmente contra disposições de âmbito nacional… Portanto, que não se voltem a judicializar actores políticos em casos semelhantes ao do ‘Procés’.

De fora da amnistia fica Laura Borràs, condenada por corrupção – que foi presidente do Parlamento da Catalunha desde 12 de março de 2021 a 1 de junho deste ano com os votos do Junts e ERC; secretária da cultura da Generalidade da Catalunha entre 2018 e 2019, e deputada nas Cortes Gerais da Espanha entre 2019 e 2021 -, e Gonzalo Boye, processado por lavagem de dinheiro do narcotráfico.
Socialistas defendem acordo com Junts e a ERC: Promove a reconciliação nacional e edifica boa convivência institucional (…). Milhões de espanhóis incluindo socialistas mais notáveis estão contra amnistia porque é inconstitucional e se imiscui com Órgãos do poder judicial. Muitos outros actores da sociedade espanhola afirmam que o maior reencontro de Sánchez é com a cadeira do poder no Palácio da Moncloa, sede da presidência do governo. E referendo sobre a autodeterminação da Catalunha amparado pelo artigo 92º da Constituição é consultivo a todos os cidadãos espanhóis… será convocado pelo Rei, mediante proposta do presidente do Governo previamente autorizada pelo Congresso dos Deputados.
Vejamos então outras disposições do acordo:
- Supressão dos déficits e de limitações de autogoverno, o que significa o perdão da dívida consubstanciada no mandato de governo dos independentistas – maioria por investimentos irreflectidos e de benefícios duvidosos para a Catalunha – de 15.000 milhões de euros e de mais 1.300 milhões de juros de dividas. Ainda neste âmbito, o acordo admite que o Junts apresente modificação à Lei Orgânica de Financiamento das Comunidades Autónomas (LOFCA que data de 1980) que estabeleça uma clausula de excepção da Catalunha que facilite a concessão de 100% de todos os impostos que se pagam na Catalunha;
- Reconhecimento nacional da região autónoma – o governo socialista reconhecerá a Catalunha como uma espécie de ‘Estado-Nação’ -, para justificar um “referendo de autodeterminação sobre o futuro político da Catalunha amparado no artigo 92 da Constituição”.
Estas duas exigências de Carles Puigdemont sugerem as perguntas:
- O governo – la Generalitat – da Catalunha, ainda governada pela ERC, que em 23 de julho apenas obteve 13,16% dos votos, aceita pagar a manutenção e desenvolvimento das infraestruturas do círculo nacional como a rede ferroviária, a malha rodoviária nacional, aeroportos e portos? Dispõe-se a pagar uma percentagem correspondente aos gastos com os sistemas de defesa nacional?
- Os catalães independentistas – uma minoria presentemente – imaginam o que aconteceria à Administração Central se todas as Autonomias exigissem o mesmo? Porventura a falência do Estado e das garantias do controlo do funcionamento dos serviços públicos.
Aos cidadãos também se levanta outras duas interrogações:
Saberá Carles Puigdemont que o artigo 92º da Constituição espanhola, retomado no Título III das Cortes Gerais, estabelece que “as decisões políticas de especial importância poderão ser submetidas a referendo consultivo de todos os cidadãos“? Ou seja, que serão todos os cidadãos eleitores de Espanha que terão de dizer ‘SIM’ ou ‘NÃO’ à autodeterminação? Acredita o líder do Junts que os espanhóis aceitarão para o território da Catalunha, o princípio de Direito Internacional que procura assegurar a independência, a liberdade e o direito de organização própria, económica e sociocultural do território, bem como determinar o seu sistema de governo fora do domínio da Nação espanhola?

Provavelmente, nem a maioria dos eleitores catalães estariam nessa disposição. E lamenta-se que Pedro Sánchez nem sequer assuma que o seu partido foi o mais votado na Catalunha nas últimas eleições e, provavelmente será o próximo a governar aquela Comunidade, ainda no decorrer da legislatura que se irá iniciar, antevendo-se sobressaltos na governação do próprio país.
Mas há outras curiosidades nas estatísticas dos resultados das eleições legislativas de 23J: Na Catalunha votaram 3.547.922 de eleitores. Já no total nacional, a ERC obteve 462.883 votos (1,89%), enquanto o JUNTS, 392.634 (1,60%), significando que os nacionalistas da Catalunha representam 3,49% dos eleitores de Espanha a que correspondem um total de 855.517 num universo de 24 688 087 votos válidos para o Congresso dos Deputados (para o Senado consideraram-se 23 854 321 de sufrágios válidos).
“Sanchismo” é cada vez mais a designação acertada para o regime político espanhol, onde os princípios capitais da democracia são permanentemente debilitados. Agora, assume-se uma espécie de desordem institucional: o presidente do governo em funções manda emissário negociar apoio à sua investidura, para a próxima legislatura de quatro anos, ao exterior, a Bruxelas e Paris, com um fugido à Justiça do seu próprio país que governa… Depois de prometer que traria Puigdemont para ser julgado. Também sempre afirmou que jamais faria acordos com Eh Bildú, plataforma política dos ex-membros da ETA
As democracias parlamentares desvirtuam-se com o passar dos anos, sobretudo porque os actores da política deixaram de ter a condição de Estadistas; de gente letrada e mais honestos do ponto de vista intelectual, embora sempre sejam reconhecidos como agentes sociais hábeis, por vezes demasiado perspicazes na defesa dos interesses pessoais e de grupos de influência mais próximos.
Com o virar do seculo, mudaram as voluntariedades em respeitar os cidadãos eleitores. Estabeleceu-se um novo paradigma na maioria dos regimes parlamentaristas: Não é preciso ganhar eleições para governar, porque isso pode ser tarefa do partido que conseguir apoio de uma maioria parlamentar.

Em determinada medida, perdeu-se o respeito pela vontade dos eleitores: só uma maioria absoluta garante a atribuição da governabilidade ao grupo político vencedor de eleições legislativas, na maioria das democracias ocidentais, particularmente entre as europeias com as honrosas excepções da Grécia, da Grã-Bretanha e, de algum modo, da Islândia, Noruega e Dinamarca, onde se premeiam as escolhas populares e a cidadania.
Aparentemente, o modelo é apoiado pelos mais extremistas, mas levantam-se vozes que acreditam estarmos perante o recrudescer de regimes autocratas amparados pelo ‘chapéu’ da democracia, liderados por narcisistas e líderes com menor cultura política e sentido da defesa da coisa pública e dos interesses dos cidadãos em geral, em favor pessoal pelo que o poder encerra só por si.
Paradigma meio paradoxal da lei eleitoral espanhola verifica-se no registo final do escrutínio na Catalunha onde o PP foi o terceiro partido com maior número de votos, mas o quinto em número de eleitos.
O problema espanhol é muito distinto da maioria dos países europeus onde se permitem os partidos regionalistas independentistas nacionalistas concorrerem às eleições nacionais. A política administrativa de Espanha é distinta dos demais, só relativamente semelhante à da Alemanha, onde, curiosamente, é vedado aos partidos regionalistas concorrerem às eleições nacionais. Acresce outro drama: há 3 tipos de circunscrições eleitorais e por exemplo, pode acontecer que o partido mais votado numa determinada Comunidade Autónoma não seja quem elege mais deputados. Por exemplo nas circunscrições (círculos) mais pequenas e em algumas intermédias, um partido que não obtenha 15 ou mais por cento dos votos não elege nenhum parlamentar. Foi por isso que os ex “terroristas” da ETA conseguiram mais assentos que o PNV (Partido Nacionalista Basco).
O regabofe que a Lei Eleitoral espanhola contribui para grandes incertezas e incongruência da vida social e económica, arriscando contribuir para tornar um país grande cada vez mais pobre e desacreditado no contexto internacional, pese embora a resistência dos industriais de maior peso, do Mundo do campo e da esmagadora maioria dos funcionários públicos particularmente os profissionais de saúde que são quase brilhantes a 100%! Mas o paradigma meio paradoxal da lei eleitoral espanhola verifica-se no registo final do escrutínio na Catalunha onde o PP foi o terceiro partido com maior número de votos, mas o quinto em número de eleitos.
Na Catalunha, o Partido Socialista (PSOE-PSC) é o partido mais votado com 19 deputados e 34,49% dos votos. Segue-se a Plataforma Sumar (14,03%) com 7 representantes, ERC (13,16%) com 5 deputados + 2 cedidos por Sumar; Junts pela Cataluña com 5 + 2 assentos cedidos pelo PSOE (11,16%); PP com 6 (13,34%) e Vox com 2 (7,76%). O Partido Popular teve mais votos que os independentistas da ERC e Junts, mas por força da Lei conseguiu menos eleitos.
Em 21 de setembro, escrevi que “Quarto Milénio” deve significar o extraordinário e deslumbrante do nosso Mundo; das nossas Vidas. Também convivência com o Primeiro Mundo, onde presidem democracias, umas mais ou menos sólidas. É inaceitável que esses princípios sejam transgredidos por quem tem o poder e quer continuar com ele – o poder, entenda-se – a qualquer custo, mesmo que isso signifique colocar em causa a integridade de um país e o conceito de honestidade intelectual. Sempre tive a convicção de que o Sr. Pedro Sánchez é o líder mais narcisista entre os europeus e com um carácter muito semelhante aos bons autocratas que se conhecem. Não é admissível que se equacione amnistia a Carles Puigdemont, líder do Junts pela Catalunha, fugido à Justiça de Espanha e que se refugia na imunidade que lhe concede o estatuto de eurodeputado, quando esse é um marco que não encerra a Constituição, simplesmente pelo paradoxo de que o Reino de Espanha não ser uma ditadura.
Confunde-se liberdade com libertinagem. Acentuam-se as diferenças do tudo e do nada. Esquece-se ou ignora-se a história contemporânea. ¿Estamos a mover-nos por caminhos perigosos?
– por José Maria Pignatelli (Texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)
Para memória histórica, deixamos os registos das contradições do actual presidente do governo:
Pedro Sánchez sempre afirmou que jamais faria acordos com Eh Bildú, plataforma política dos ex-membros da ETA. “No pactaré con Bildu”. El recopilatorio definitivo de Pedro Sánchez:
(…) E comprometeu-se a trazer a Espanha o fugitivo à Justiça, com mandado de captura, Carles Puigdemont, com quem agora acaba de acordar uma amnistia que permitirá o eurodeputado regressar a Espanha livremente, tudo a troco de 7 votos nas Cortes Gerais para ser investido de novo como presidente do governo.
DEBATE 10N | SÁNCHEZ se compromete a la extradición de PUIGDEMONT
O link em baixo é relativo ao artigo que subscrevi em 21 de setembro passado sob o título: E quando uma nação é humilhada por uma governante…
Acordo entre o PSOE e o Junts pela Cataluña:



