Na sequência do meu artigo publicado na última edição, pretende-se agora ilustrar com alguns exemplos as alterações que serão proporcionadas pelas arquiteturas Multiagente em vários domínios do nosso quotidiano, num futuro relativamente próximo.
Na saúde será expetável que as arquiteturas Multiagente possam impulsionar sistemas informáticos com capacidade de ajudar os doentes a realizarem tarefas básicas de triagem, a obterem aconselhamento de como lidar com problemas de saúde e decidirem se precisam de procurar tratamento. Também ajudarão os profissionais de saúde a tomarem decisões e a serem mais produtivos. Ajudar os doentes e os profissionais de saúde terá uma particular relevância para as pessoas que vivem em países pobres, onde não existe um médico para consultar.
Todavia, a área da saúde, nomeadamente no que se refere à prestação de cuidados de saúde, será aquela em que se observará uma penetração mais lenta das arquiteturas compostas de Agentes Clínicos inteligentes, uma vez que um diagnóstico certo ou errado traduzir-se-á, respetivamente, na vida ou morte do paciente. Esta tecnologia terá que amadurecer o suficiente para gerar confiança nos seus utilizadores, o que poderá demorar alguns anos. No entanto, é evidente que os humanos também cometem erros e não terem acesso a cuidados médicos também é um problema.
Os cuidados de saúde mental são outro exemplo de serviço que as plataformas computacionais baseadas em arquiteturas Multiagente disponibilizarão a praticamente todos. Hoje, as sessões semanais de terapia parecem um luxo, mas há muitas necessidades não satisfeitas, e muitas pessoas que poderiam beneficiar da terapia não têm acesso a ela. Se um cidadão autorizar a partilha de informação relativa ao seu quotidiano com um Agente de Saúde Mental, será possível caraterizar a sua história de vida e os seus relacionamentos, a partir dos quais poderá ser gerada automaticamente ajuda terapêutica. Este Agente inteligente estará permanente disponível, podendo inclusivamente monitorizar as respostas físicas em tempo real, através da utilização de um relógio inteligente, tendo a capacidade de sugerir a consulta de um terapeuta humano, sempre que o entenda aconselhável.
Nas últimas décadas, ao nível do ensino, muitas têm sido as plataformas computacionais desenvolvidas para facilitar o trabalho dos professores e ajudar os alunos no processo de aprendizagem conducente à aquisição de novas competências. Não se pretende substituir o professor, mas apenas coadjuvá-lo na personalização do trabalho dos alunos e na parte burocrática intrínseca à atividade docente, libertando-o para tarefas mais nobres. Todavia, as ferramentas atualmente disponíveis são apenas bots baseados em texto, que também já possuem a capacidade de ajudar os professores a elaborarem os planos de aula.
O desenvolvimento de plataformas computacionais baseadas em arquiteturas Multiagente Inteligentes dará início a uma nova era, com um abrangente leque de oportunidades com valor acrescentado para o processo ensino/aprendizagem. Por exemplo, nem todas as famílias têm disponibilidade económica para suportar os honorários de um explicador que trabalhe individualmente com o seu educando, para complementar o trabalho em sala de aula. No entanto, se os Agentes conseguirem capturar o que torna um explicador eficaz, constituir-se-ão numa ferramenta sempre disponível para ajudar qualquer aluno no seu processo de aprendizagem, em particular nas tarefas que tem que realizar fora da sala de aula. A experiência será muito mais rica – com gráficos e som, por exemplo – e mais personalizada do que os atuais bots baseados em texto.
No que se refere à melhoria da produtividade, já muitas das plataformas computacionais atualmente existentes e que utilizamos no nosso quotidiano exibem funcionalidades com esta preocupação subjacente. É com este intuito que a Microsoft está a incorporar a sua plataforma designada por Copilot, no Word, no Excel, no Outlook, entre outras ferramentas. Por outro lado, a Google está a ter iniciativas semelhantes, nomeadamente utilizando o seu Assistant with Bard. Estes copilotos conseguem realizar tarefas como transformar um documento de texto numa apresentação de slides, analisar dados numa folha de cálculo tirando conclusões em linguagem natural, ou ainda resumir conversas de email salientado o ponto de vista de cada interlocutor.
No entanto, as plataformas baseadas em arquiteturas Multiagente proporcionarão funcionalidades com elevado impacto na produtividade, perspetivando-se capacidade de realização de diversas tarefas de forma independente, muito semelhantes àquelas que são atualmente desempenhadas por assistentes pessoais de executivos. Por exemplo, se o utilizador tiver uma ideia de negócio, o sistema computacional poderá ajudá-lo a redigir um plano de negócio, criar uma apresentação, ou até mesmo desenhar uma campanha de marketing. Outro exemplo, poderá ser o Agente lançar alertas para eventos particulares, como por exemplo, um amigo que foi submetido a uma intervenção cirúrgica, disponibilizando-se para encomendar flores e solicitar o seu envio de forma automática. No caso de o utilizador manifestar interesse em falar com um amigo de faculdade, o seu Agente poderá interagir com o Agente do amigo para encontrarem uma data conveniente para ambos e avisar o utilizador de aspetos particulares da vida do amigo de faculdade, impulsionadores de uma conversa agradável entre ambos.
Atualmente a Inteligência Artificial (IA) já pode ajudar a escolher uma nova televisão, bem como recomendar filmes, livros, programas televisivos, etc. O Spotify tem um DJ suportado por tecnologia de IA que, para além de ter a capacidade de escolher géneros musicais da preferência do utilizador, também possui capacidade de interação com ele e até chamá-lo pelo nome.
Todavia, os sistemas Multiagente não farão apenas recomendações. Por exemplo, se o utilizador pretender adquirir uma televisão com caraterísticas pré-definidas, eles terão a capacidade de analisar os produtos existentes no mercado que respondem aos pré-requisitos, resumir as conclusões resultantes da análise realizada, fazer uma recomendação e até desencadear automaticamente a encomenda após o utilizador ter tomado a decisão.
Em conclusão, as arquiteturas Multiagente serão determinantes na melhoria do desempenho de qualquer setor de atividade e impactarão em qualquer domínio do nosso quotidiano. Para criar uma nova aplicação ou serviço, o utilizador não precisará de saber escrever código ou saber fazer design gráfico. A plataforma Multiagente Inteligente terá capacidade de escrever o código, projetar a aparência da aplicação, criar o respetivo logotipo e ainda disponibilizar de forma automática a aplicação numa loja online. O ChahGPT, que permite ao não programadores, desenvolver aplicações para prestarem serviços específicos, é apenas um vislumbre de um futuro relativamente próximo.
João Calado
(Professor Coordenador Principal do ISEL)