Já aqui escrevi, que este ano de 2023 é tudo menos politicamente monótono, por variadíssimas razões, e depois da demissão do Primeiro-Ministro, da dissolução inopinada da Assembleia da República, a que se juntará a dissolução da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, eis senão quando o alvo agora é a própria Presidência da República, e o “impoluto” Marcelo Rebelo de Sousa. E ainda não acabou o ano … .
O título deste artigo bem podia ser “à mulher de César, não lhe basta ser séria, também tem que parecer”, pelo que é absolutamente indiferente as pungentes declarações pessoais de inocência, se tal não for acompanhado de actos, e atitudes em conformidade.
Também já aqui dissertei sobre a máxima “em política mais importante que ser coerente, é ser-se consequente”.
Vejamos, pois, as distintas dinâmicas políticas nacionais, analisando os principais protagonistas: o Primeiro-Ministro, na pessoa de António Costa, e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, distintos, em ambos os casos, das instituições, Governo e Presidência da República.
1º caso – referido por terceiros, pessoas do seu círculo próximo (que não íntimo como se costuma dizer, porque esse grau de proximidade envolve lençóis, e não é o caso) em escutas telefónicas, designadamente, por um amigo, pelo seu próprio chefe de gabinete, e ainda um seu ministro, António Costa, foi objecto de um processo investigatório, por parte do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal, dada a sua condição de Primeiro-ministro, como suspeito na prática de crimes, eventualmente, o de tráfico de influência.
É, nesse momento, em que isso foi tornado publico, independentemente, da forma, do momento, e do modo, ou do âmbito em que tal se concretizou, que António Costa, toma disso conhecimento, o que, lhe motivou retirar daí as ilações e sobretudo as consequências que a sua consciência lhe ditava, ou seja a apresentação do seu pedido de demissão ao senhor Presidente da República, na medida em que, segundo a sua leitura, era insustentável a manutenção do cargo, quando pendia sobre o mesmo uma suspeição tão grave como a suspeição que lhe é imputada pelo ministério público.
O senhor Presidente da República, de imediato aceitou esse pedido, indiciando que Marcelo Rebelo de Sousa não ficou surpreendido, e quiçá, até talvez exultasse de satisfação, atendendo ao “clima” de guerra psicológica que se vinha desenvolvendo há uns tempos a esta parte, entre ambos, e este acto tipo “araquiri” político, significasse a sua vitória sobre o seu espevitado ex-aluno.
Uns elogiaram o gesto de António Costa, outros verberaram apodos ao mesmo. Enfim o costume.
2º caso – Referido por terceiros, mas desta vez, incluindo sangue do seu sangue, entre eles o Dr., seu filho, como é referido, pelo próprio, a nora do senhor Dr., filho dele, e uma amiga do casal do senhor Dr., seu filho, e esposa, portanto nora, sobre uma “cunha” ao senhor Presidente da República, na verbe do vulgo em Portugal, ou “pistolão” na verbe da elite brasileira, para lograr, não um, mas dois tratamentos em Portugal, nem mais nem menos os mais caros do mundo, que lhe eram negados no seu país, Brasil, sendo a “cunha”, ou melhor a sua prática, compatível com a classificação de tráfico de influências.
Este é um caso espoletado pela comunicação social, e confrontado Marcelo Rebelo de Sousa sobre o assunto, jurou inocência, e mais, quem não acreditasse nele e invocasse o seu nome em razão de matéria, seria levado a tribunal.
Um mês depois, e um silêncio ensurdecedor, vindo da Presidência, Marcelo lá vem prestar públicos esclarecimentos sobre a matéria, e recorrendo a uma técnica futebolística, “passou” a bola para o governo.
Desconhece-se se já levantou processo judicial ao senhor Dr., seu filho, à senhora brasileira amiga do Dr., seu filho, aos médicos que denunciaram o caso, ou seja a quem for, por invocarem o percepcionarem o seu nome como autor e mentor da “cunha” milionária.
Desconhece-se se o ministério público já levantou um processo investigatório, semelhante ao que fez para António Costa, visto que os factos são da mesma natureza, ou seja, terceiros invocaram o nome de titulares de órgãos de soberania, para obtenção de vantagens indevidas.
E isto nada tem que ver com a possibilidade constitucional de processo judicial proposto por 1/5 dos senhores deputados, carecendo a proposta de aprovação de 2/3 do plenário. Isso será ulterior.
O que se conhece, é a pública conclusão que Marcelo Rebelo de Sousa retirou de tudo isto, de nem sequer estar beliscada a sua permanência no poder.
Temos pois uma diferença abismal entre dois titulares de órgãos de soberania, António Costa, face á suspeição que impende sobre o Primeiro-ministro, e para proteger a instituição governo, demite-se, e Marcelo Rebelo de Sousa, face á suspeição que impende sobre a Presidência da República, mantém-se no poder, indiferente a tudo o resto.
Qualquer poder de influência que o Primeiro Ministro pudesse ter, por exemplo, sobre a Procuradora Geral da República, por si proposta para o lugar, caí, com a sua demissão, já o poder de influência que o Presidente da República tem, por exemplo, sobre a Procuradora Geral da República, por si nomeada (como ela própria o recordou á pouco tempo), mantém-se intocável.
Ainda ecoam as afirmações de Marcelo Rebelo de Sousa, em Abril deste ano, proferidas no âmbito dos eventos relacionados com o ministério das infra-estruturas, e referindo-se a governantes que “a capacidade, a confiabilidade, a credibilidade, a respeitabilidade e a autoridade, devem ser permanentes” e mais tarde, após o pedio de demissão de António Costa, juntou ainda a afirmação “O Presidente (da República) deve ser uma referência interna e externa” .
Agora num exercício simples, retire-se das afirmações o destinatário original e ao invés de se dirigirem a governantes, coloque-se lá o Presidente da República.
Diferenças, para uns. Verticalidade para outros. Cada um que tire as suas conclusões.
Reitero “á mulher de César, não lhe basta ser séria, também tem que parecer”.
Oliveira Dias, Politólogo