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Autarquias Século XXI?

Temos a anacrónica situação de freguesias que mais parecem municípios, e municípios que mais parecem freguesias, olhando para os indicadores orçamentais, populacionais e territoriais.

Portugal, em matéria de autarquias locais, acolhe uma matriz quase única, no contexto do mundo ocidental – as suas autarquias locais, com três níveis – a Região administrativa, o Município e a Freguesia – partilham territórios comuns.

Numa analogia tipo “peças de lego” se o território de cada autarquia fosse uma peça de lego, obteríamos três peças encaixadas sucessivamente, tendo na base a freguesia, no meio o município, e no topo a região administrativa.

No que concerne á região administrativa, e 50 anos depois da nossa democracia, a região administrativa ainda não é uma realidade substantiva. Haverá de ser um dia.

Por essa razão, o nosso enfoque centrar-se-á então na Freguesia e no município, pese embora, nas lições do saudoso Professor Sousa Franco, quer um, quer o outro, são ambos entidades de caracter municipal, porquanto cumprem com os critérios basilares necessários para esse efeito: têm território, população, e órgãos representativos, com legitimidade eleitoral.

Assim como comum, é o fim, desiderato constitucional de cada uma delas, ou seja, a razão da sua existência é exactamente a mesma para a Região Administrativa, para o Município e a Freguesia, e resulta expressamente do nº 2, do Artigo 235º da Constituição da República Portuguesa.

Assim, em matéria de fins, de finalidade de existência, ou, num termo mais jurídico, ATRIBUIÇÔES, o município e a freguesia, partilham o mesmo desiderato.

Deste modo, partilhando território e atribuições, o que as distingue então?

São os poderes, as COMPETÊNCIAS, dos respectivos órgãos, num primeiro momento, os representativos (executivos e deliberativos), e num segundo momento os funcionais (os serviços).

Percebe-se, pois, ao contrário de uma tradição obsoleta, mas que ainda vai vingando, erroneamente, que o município e a freguesia são autarquias ao mesmo nível, diferindo na antiguidade, pois os municípios são quase milenares, e as freguesias remontam ao seculo XIX, como em artigo anterior se explicou.

Diferentemente do que sucedia no código administrativo de 1933, de autoria do Professor Marcello Caetano, no qual se estabelecia que o concelho (como eram então designados) se formava por agregação de freguesias, formulação esta hierarquizando as freguesias como subordinadas do concelho.

Com esta formulação, por exemplo, já não seria possível ao município do corvo, na ilha do mesmo nome, inexistir uma única freguesia, como sucede actualmente.

Outra característica, conquistada em 1976, é a condição especial assumida pela constituição, para as nossas autarquias, ou, como em contexto de formação tanto divulguei o ano passado, as freguesias e os municípios são administração pública especial. Porquê? Porque assim o impõe o nº 1, do artigo 237º da Constituição da República Portuguesa, quando ordena serem as atribuições, e organização das autarquias locais, e as competências dos seus órgãos, regulados por lei de harmonia com o princípio da descentralização administrativa.

E que é Descentralização administrativa? Recorramos a uma analogia:

Imaginem um bolo, como sendo a administração pública do Estado, da qual o Governo da República é o topo da hierarquia, analogia que reflecte a realidade antes de 1976, ou seja um Estado com a administração pública centralizada.

Agora imaginem esse bolo cortado às fatias, e dele se retiram duas fatias, e a cada uma delas dá-se o nome de município e freguesias – é isto a descentralização, é o retirar da administração pública centralizada, entidades, descentralizando-as, e por essa razão, sendo especial. Isto reflecte o actual sistema constitucional.

Desde a descentralização operada em 1976, tem vindo a ser reforçado o papel das autarquias locais, rompendo com uma certa menorização inicial, ainda me lembro quando fiz parte da ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), em 1997, um dos meus colegas, Presidente da Junta da Fajã, nos Açores, me confidenciar que nos governos de Cavaco Silva, a lei das finanças locais nunca ter sido observada, e só com António Guterres isso passou a ser uma realidade, bem assim como, as transferências para as freguesias, no tempo de Cavaco, eram feitas para os municípios, que depois as faziam chegar (tarde e más horas) ás respectivas freguesias, e com António Guterres passou a fazer-se directamente da DGAL (Direcção Geral da Administração Local) para as freguesias.

Nestes 50 anos de regime democrático, as autarquias enfrentaram vários desafios, mas hoje tendo presente a realidade dos municípios e das freguesias, que papel para cada um deles?

Já se discute, mais ou menos em surdina, quem faça a apologia da supressão das freguesias, assim como há quem defenda a supressão dos municípios, e poucos, a torcer para a manutenção do status quo.

É certo que as últimas iniciativas legislativas vêm reforçando uma certa hierarquia, promovendo uma transferência de competências do município para a freguesia, reversível, numa estranhíssima situação de delegação de competências, quando o texto constitucional impõe uma linha contrária.

Não menos certo é a reivindicação, cada vez mais incontornável, por parte das freguesias, para assumirem funções cometidas á administração central, recorrendo a protocolos com entidades terceiras para prestar novos serviços, sejam eles com balcões CTT, seja eles com balcões de cidadão, numa estranha deriva ao caracter especial de uma administração descentralizada.

Finalmente, temos a anacrónica situação de freguesias que mais parecem municípios, e municípios que mais parecem freguesias, olhando para os indicadores orçamentais, populacionais e territoriais.

Oliveira Dias, Politólogo

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