Estivemos lá. A Figueira da Foz acolheu o congresso da ANAFRE, num pavilhão lotadissimo, demonstrando que os eleitos das freguesias responderam à chamada com entusiasmo, afluindo de todo o país, fossem dos distritos do continente, fossem das regiões autónomas, dos Açores (reconhecemos a presença de São Miguel), e da Madeira (disseram-nos, de viva voz que eram cerca de 90).
A sessão de abertura prometia, o Presidente da Câmara anfitriã, nada mais, nada menos que Santana Lopes, na sua segunda vida autárquica, na Figueira da Foz, depois de já ter sido Presidente da Câmara da capital, Lisboa, Primeiro-Ministro, etc.
Outra figura mediática, quiçá a mais mediática, era o próprio Presidente da República, a quem coube Presidir, protocolarmente, a sessão de abertura.
Nesta oportunidade várias empresas fornecedoras de serviços para autarquias, esforçaram por distribuir canetas da moda, blocos de apontamentos tipo agendas, mas sobressaiu alguns produtos inovadores, que aqui não cabe publicitar.
Neste tipo de eventos existem sempre os “momentos” culturais, e este não foi excepção, destaque para dois desses momentos, o primeiro, o vídeo promocional da Figueira da Foz, bem feito, profissional, falado em inglês, e legendado em português, percebendo-se que não se destinava aos congressistas, mas sim ao público estrangeiro, dito de outra forma, é para inglês ver.
O outro momento foi o hino nacional cantado a solo por uma tenor, de voz afinada, clara e com o ritmo que muitos portugueses não conhecem, excepto os privilegiados que cumpriram o serviço militar obrigatório e que tiveram aquelas aulas extraordinárias de canto militar, tão obrigatórias como as MARCOR, apodadas de corrida até à morte, onde se aprendia a cantar o hino “comme il faut”.
Este momento causou uma explosão de indignação pessoal por parte de um jornalista, porque segundo ele, um hino é para ser cantado em grupo em uníssono. Tem razão. Só eu testemunhei a fúria do dito porque estava ao lado dele. Não deu para estragar a festa.
Depois destes “momentos” vieram os discursos.
Abriu a sessão discursiva Armando Vieira, Presidente da Mesa do Congresso, começando logo ao ataque, reclamando, a reforma da Lei das Finanças Locais, para fazer face ás crescentes responsabilidades que vêm sendo exigidas ás freguesias, contestando a insuficiência de meios que o Estado coloca na disponibilidade ás freguesias.
Também fez a apologia de um novo estatuto dos eleitos locais, assegurando, que neste particular, conta com a adesão do próprio Presidente da República. Só não explicou se defende essa alteração apenas para aqueles que já beneficiam dele (eleitos com tempo integral e eleitos a meio tempo), ou, se para todos os eleitos, incluindo os da senha, por acaso a esmagadora maioria.
Seguiu-se-lhe a Presidente da Junta de Freguesia de Buarcos e São Julião, Rosa Batista, defendendo a valorização do papel das Freguesias, e dos Presidentes de Junta, finalizando com uma citação de Sá Carneiro, segundo ela, “Sem Poder Local não há democracia”. Uma dúvida paira no ar … Consideraria Sá Carneiro que o Poder Local se faz só com Presidentes de Junta?
Depois foi a vez de Presidente da Junta de Freguesia de Taverede, e do seu anúncio que era Presidente a meio tempo … deu conta da história de Taverede, empolgou o congresso com um sonoro “foi para isto que se fez o 25 de abril, referindo-se, naturalmente ás freguesias.
Caberia ao Presidente da Direcção da Anafre, Jorge Veloso, o discurso seguinte, no qual lamentou que a descentralização não fosse abraçada com mais entusiasmo, indicando que apenas 157 assinaram os autos de transferência de competências previsto na Lei 57. O problema é que esse diploma não trata verdadeiramente de descentralização, mas sim de desconcentração, mas para quem não conhece a diferença é um pouco como o melhoral, nem faz bem , nem faz mal.
Tocou , também corajosamente, na lei quadro de criação de freguesias, para abordar o elefante na sala que é como quem diz, a questão das desagregações de freguesias, que segundo ele, estão a arrastar os pés (a expressão é minha), fruto de, acusa, um excessivo zelo da comissão responsável por esta matéria na Assembleia da República. Clamou por maior participação das freguesias nos impostos do estado, e reiterou por um novo estatuto do eleito local, e exigiu que as freguesias passem a ser elegíveis aos fundos europeus, algo que apenas os municípios usufruem, no momento, reputando isso como fundamental para a coesão territorial. Um verdadeiro caderno de encargos, numa altura em que os partidos têm de elaborar as suas propostas para o dia 10 de Março. Bem visto.
Finalmente a primeira figura mediática da noite, Pedro Santana Lopes, presenteando o congresso com umas piadas, uns bitaites, rematando a sua participação dizendo-se um intruso, na magna reunião de freguesias. Já todos lhe vimos melhores discursos. A idade não perdoa.
Por fim a estrela da noite, o senhor Presidente da República, que na entrada discursiva começou logo por dizer que as freguesias são as autarquias mais antigas do País, pois, segundo ele, se foram buscar as suas raízes ás Juntas de Paróquias, estas as paróquias, já existiam há muito no tempo, e a circunstância de serem de carácter religioso, não tinha importância nenhuma porque o que contava mesmo é a proximidade com as populações. Percebe-se que os últimos acontecimentos no partido do Presidente o têm vindo a afectar muito, para misturar desta maneira, ligeira, coisas que são tão distintas, e que em artigo anterior foi explicado com cristalina evidência.
Passou em revista a história das responsabilidades do Poder Local em Portugal, desde o saneamento básico, ás questões mais actuais que se prendem com as migrações e os migrantes.
Fez uma referência a Cavaco Silva, para dizer que atribuiu em 2015 a Ordem de Mérito à Anafre, o que não deixa de ser espantoso, pois foi precisamente Cavaco, quando Primeiro-Ministro, que NUNCA cumpriu a Lei das Finanças Locais, ignorou SEMPRE as autarquias locais em particular as freguesias, e nem sequer existia, no tempo de Cavaco tempos inteiros ou meio tempos para os eleitos das freguesias, algo que só veio a acontecer, PELA PRIMEIRA VEZ, no governo de António Guterres. É caso para dizer franchement.
Finalizou, como gosta Marcelo, anunciando uma novidade, que, neste ano em que se comemora 50 anos de democracia, vai atribuir a Ordem da Liberdade á ANAFRE. Era lá o que faltava Cavaco ficar com o exclusivo destas coisas … .
Oliveira Dias, Politólogo